Protestos devem vir com força, afirma MPL
27/03/14 00:01
Após as manifestações de junho, o Movimento Passe Livre (MPL) vem intensificando suas atividades na periferia de São Paulo. Na agenda, críticas ao corte de linhas de ônibus e à implantação dos corredores em algumas das principais avenidas da cidade.
A liderança do movimento é horizontal, autônoma e anti-capitalista, como enfatiza o militante Marcelo Hotimsky, estudante do terceiro ano de filosofia da USP, pesquisador e professor de violão, que recebeu a reportagem na Praça do Relógio da Cidade Universitária.
Para ele os protestos de junho serviram de balão de ensaio para o que vem por aí: “a Copa é um ótimo contexto para organizarmos manifestações, porque os olhos do mundo estarão voltados para cá. Vocês vão ver”. Vários protestos com pautas concretas estão programados, de acordo com Marcelo, que acredita que as manifestações em massa podem vir a se repetir.
Em uma hora de conversa, ele criticou a gestão Haddad (“vejo na gestão do PT os mesmo vícios da gestão anterior, do DEM”), e afirmou que a manutenção do secretário de transportes Jilmar Tatto “é uma forma de selar pacto com o empresariado, pois ele vem de uma família que controla grande parte das peruas que circulam pela zona sul”.
Também defendeu a violência como forma estratégica de protesto: “aqui em São Paulo, é difícil dizer se a tarifa seria revertida se tantos ônibus não tivessem sido queimados em junho passado”.
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O que aconteceu de junho para cá, no âmbito do MPL?
O MPL segue sendo o mesmo, defendendo uma gestão popular do transporte e tarifa zero. Quem tem que determinar como vai ser a política de transportes é o povo. Estamos fazendo um trabalho forte nas periferias, principalmente na zona sul e em alguma lutas na região leste onde tínhamos pouca inserção.
Que acha da expressão “o gigante acordou”?
Engraçado ouvir isso. A gente acha que o gigante nunca dormiu. O que vimos em junho foram protestos massivos no centro da cidade. Depois disseram que o gigante foi dormir mas houve uma série de movimentos e conquistas neste período, como as ocupações por parte dos movimentos de moradia e mais recentemente, a greve dos garis no Rio de Janeiro.
Mas a passagem aumentou no Rio de Janeiro, e não houve uma mobilização popular como a de junho.
Há vários elementos. Ficou muito claro que depois da morte do cinegrafista houve um grande movimento da imprensa e de setores mais reacionários, o que acabou encobrindo a verdadeira pauta das manifestações que era o aumento da tarifa.
Acredita que os protestos em massa podem se repetir?
Sim. Existe um número muito grande de pessoas indignadas. Uma boa prévia disso foi no ano passado. Os protestos começaram por conta do aumento da tarifa e ganharam corpo também por outros motivos. O povo está irritado, há um rechaço generalizado aos partidos políticos – o que assumiu contornos complicados-, e muita gente indignada com os gastos públicos da Copa. A situação nas periferias continua complicadíssima.
Qual é a agenda do MPL?
Varia de bairro para bairro, mas o principal é o corte de linhas de ônibus, que surgiu em outubro passado. Foram 118 linhas cortadas, 48 na região da zona leste O discurso da Prefeitura é a modernização do sistema de transportes: melhor agilidade, espaço e tempo. Que os ônibus façam percursos retos por assim dizer, com mais corredores e menos circulação dentro dos bairros.
E funciona, em sua opinião?
O que aconteceu na prática é que muitos ônibus que circulavam antes deixaram de circular e nada foi colocado no lugar. As pessoas que pegavam um ônibus do bairro para o centro agora precisam se locomover caminhando muitas vezes por quilômetros, para chegar a uma avenida principal e pegar ônibus mais lotados.
Qual o pano de fundo desta decisão?
Muita gente precisava pegar dois ônibus ou seja, rodava a catraca por duas vezes para fazer uma viagem. Por mais que o bilhete único cobrisse esse custo, isso não significa que não era subsidiado. A Prefeitura pagava pelas duas passagens e agora paga por uma. Com isso há menos ônibus e mais lotados. Para o empresário é bom: ele gasta menos combustível, menos salário com cobrador e motorista, e continua recebendo um grande contingente de passageiros.
Qual o balanço que faz da gestão de Jilmar Tatto?
Muito negativo. As políticas que foram implementadas foram muito ruins.
Que acha das faixas de ônibus exclusivas?
É uma política de fácil implementação, paliativa. Custa apenas tinta para a Prefeitura fazer uma linha branca no chão, e isso é interessante para os empresários. Porque com o ônibus andando mais rápido, economizam gasolina e ganham mais viagens com o mesmo veículo. Não vejo em nenhum momento a Prefeitura falando que vai colocar mais ônibus para circular, quando estão todos lotados. E essa é a questão que importa. O problema é que as políticas não estão sendo pensadas em conjunto com a população.
O MPL é contra o transporte privado?
Não somos diretamente contra o transporte privado. Mas é que a preferência ao privado é gritante. Uma pesquisa feita pelo Ipea mostrou que mais de 37 milhões de brasileiros não podiam pagar pelo transporte em 2011. E que, de cada 12 reais investidos no transporte, 11 iam para o privado em forma de subsídios etc.
O PT é uma decepção?
Não, era até esperado. Para ganhar as eleições e se colocar onde se colocou, o partido construiu laços com empresários de transporte. Jilmar Tatto vem de uma família de empresários de transporte com muito poder principalmente na região sul de São Paulo. Controlam grande parte das peruas que passam na região, então ele na secretaria é uma forma de selar pacto com o empresariado.
Tem favorecimento?
Isso costuma ser bem descarado mesmo. Em entrevista recente à Folha, o Barata Filho, dono de boa parte das empresas de ônibus do Rio de Janeiro, foi questionado sobre a existência de uma máfia de transportes. Respondeu que máfia não há, o que existe é um grupo político que vai favorecer certos candidatos que defenderão seus interesses, e o compara à bancada ruralista. Então é um absurdo, temos um grupo de empresários definindo como será algo que deveria ser um direito do cidadão.
Kassab era melhor?
De maneira nenhuma. Tanto sob a gestão do PT como do DEM, os interesses estão sendo mantidos. Se na gestão Haddad temos a família Tatto, no caso de Kassab tínhamos seu irmão Pedro, inteiramente envolvido com o empresariado do transporte.
Será que os políticos entenderam os recados de junho?
Acho que em grande parte sim. Houve algo muito interessante: eles se sentiram ameaçados e perceberam que precisarão ouvir a população. A questão é que para se elegerem sempre vão precisar dos laços com o empresariado. Cabe a mobilização popular para impedir isso.
Como analisa o papel da imprensa?
No geral a grande imprensa reproduz os interesses da classe dominante pela qual é financiada. Por outro lado ainda tem um papel importante de formar opinião. O interessante é ver como nada é pré-determinado. No princípio ela era contra os protestos, mas depois mudou de lado, diante de tanta gente na rua a favor e a violência partindo da polícia. É claro que para fazer isso a imprensa precisou criar novas dicotomias, separando os “vândalos” dos “pacíficos”.
Os Black Blocs ajudam ou atrapalham?
Para começo de conversa, o Black Bloc precisa ser entendido como uma tática, e não um grupo. Te pergunto, o que é o Black Bloc?
Uns 100 ou 200 militantes mais exaltados que se reúnem pelo facebook e criam uma brigada de combate.
Esta é uma imagem errada passada pela imprensa. A prática de cobrir o rosto surgiu na Alemanha como tática para os manifestantes se defenderem. O pessoal se protegia jogando vinagre ou fazendo barricadas para a polícia não passar. E garanto que há ótimos motivos para manter o rosto mascarado, porque aqui você pode ser preso, fichado e identificado. A maioria dos adeptos são da periferia, uma classe média baixa ou baixa de jovens recém-inseridos no mercado de trabalho que pegam ônibus todo dia. Você já pegou ônibus lotado por 3 hs recentemente?
Não.
Você não sabe como é ruim. Esta é a dificuldade da classe média para entender que o protesto de junho era sim por conta do aumento dos vinte centavos, em sua origem. Sem conhecer o cotidiano de quem sofre cinco ou seis horas por dia e acha que paga muito caro por isso, é difícil de entender.
Acredita na violência como forma legítima de protestar?
Com certeza. As pessoas são violentadas todos os dias. A violência não está no Black Bloc, ela está na sociedade onde o dinheiro fala mais alto que o direito das pessoas. Travar uma avenida importante durante um protesto é uma forma de violência. Queimar ônibus, também. Não é só uma ação legítima como também interessante para a luta, do ponto de vista estratégico. Aqui em São Paulo é difícil dizer se a tarifa seria revertida se tantos ônibus não tivessem sido queimados.
Que acha do bilhete único semanal, que será implementado na semana que vem?
Não gostamos nem do semanal e nem do mensal. Quem tem 140 reais por mês sobrando, para poder pagar? Uma parcela ínfima.
A tarifa zero não é uma utopia?
De maneira nenhuma. Se conseguimos diminuir vinte centavos, podemos zerar. É tudo uma questão de vontade política. A população mais carente precisa se organizar e partir para a pressão.