Cauã Reymond: “as mulheres têm um fetiche, tanto pela farda como pelo bandido”
31/03/14 08:33
Seis meses depois do turbilhão da separação da atriz Grazi Massafera, com quem teve a pequena Sofia, que tem quase dois anos, o ator galã Cauã Reymond diz estar bem mais tranquilo. As sessões de análise, as corridas na areia fofa da praia da Barra, no Rio, as braçadas no mar e, em menor escala, o surf, têm colaborado.
Quanto ao romance com a atriz Ísis Valverde, ele fala a respeito com uma frase-chave: “estou casado realmente com meu trabalho e com minha filha. Você pode ver, eu nunca estou na noite”.
“A paternidade me trouxe um amadurecimento que só melhorou minha vida. Hoje consigo diferenciar com muita nitidez o foco e o egoísmo”, afirma o ator, que mora perto da filha em um lugarzinho bem low profile, próximo à natureza, segundo define.
Atualmente, Cauã está nas telas interpretando um traficante playboy no longa “Alemão”. O filme não foi muito bem recebido pela crítica. 625 mil já o assistiram (sem contar este final de semana), segundo o site especializado Filme B. Como base de comparação, “Minha mãe é uma peça – o filme” liderou a safra dos nacionais em 2013, com público de 4,6 milhões.
No momento, Cauã está gravando uma minissérie da Globo na qual encarna um policial autodestrutivo. Para este papel, assim como para interpretar o traficante, o ator se propôs a fazer uma espécie de laboratório, com imersão nos universos afetivos dos personagens retratados.
Para “Alemão”, diz que passou dois meses circulando pelo complexo de favelas e também pelo Vidigal. Conversou com traficantes e ex-traficantes, funkeiros e moradores. Visitou os barracos, conheceu as famosas piscinas com hidromassagem, rotas de fuga e locais de desova de defuntos.
Para viver o personagem de “A Caçada”, minissérie da Globo que estreia em abril, os encontros na academia do Core (unidade especial da polícia civil do Rio de Janeiro) têm sido inspiradores. É onde o ator está aprendendo a atirar, portar arma e lidar com várias situações corriqueiras na vida de um policial.
Nesta entrevista ele traça um paralelo entre o policial e o traficante, logo de cara identificando um ponto em comum: “as mulheres têm um fetiche, tanto pela farda como pelo bandido”.
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Por que esse fetiche?
Tem a ver com a construção do erótico feminino. É a história do tubarão, que ocupa o topo da cadeia alimentar em termos de violência. Em muitos morros, o traficante é quase um pop star.
Você já disse que o vilão se dá melhor que o mocinho nas novelas.
E não é? Há uma mudança de padrão. A periguete e o cafajeste imediatamente causam empatia.
Como você lida com essa coisa de ser galã, de ser desejado?
É muito estranho isso. Você não pode cair nesse conto de fadas adulto, se não começa a achar que tem direitos que na realidade não tem.
Voltando ao filme, quais são os pontos de afeto que encontrou no traficante e no policial?
O traficante tem o desejo de subir na vida, pena que seja feito dessa forma. Já o policial, especialmente aquele que é de elite, como do Bope ou do Core, esse tem honra. Ganha pouco mas está ali porque ama, porque acredita no que faz. Mas há outro ponto em comum que encontrei entre os dois: é o vício na guerra, o vício na adrenalina, tal como retratado no filme “Guerra ao Terror”, por exemplo.
Como vive um traficante?
Inspirei-me em traficantes reais do Alemão, como o Luciano Pezão que era boa pinta, e o Nem, que cuidava da contabilidade. O traficante fala pouco, escuta bastante e está sempre desconfiado. É um cara humano, mas quando necessário desumano. Está pronto a resolver as coisas e sempre tem uma rota de fuga.
Quais são suas vaidades?
Ele ganha muito dinheiro, mas não tem no que gastar, até porque está limitado geograficamente pelo espaço – ele não pode sair do morro. Veste-se como um playboy da zona sul. O whisky Blue Label, que é o top de linha da Johnny Walker, é a bebida preferida. Charuto também eles fumam, no filme eu traguei e foi horrível. Mas é a tal coisa, é algo compulsivo.
E drogas?
Tive acesso ao pessoal do Pezão, conversei bastante com seu personal trainer – ele treina jiu jitsu, até os 22 anos também treinei. Entendi que a cúpula não tem vício. Eles bebem, mas não cheiram cocaína. No máximo, maconha. O traficante copia um comportamento que era do Tim Maia: você faz dois cigarros e só começa a fumar o seu depois que o seu parceiro já tiver acendido o dele. Para ter o controle da situação.
E as mulheres?
O traficante vive como um sultão, com várias mulheres. Tem a primeira, que sabe que não é a única mas finge que não sabe. E todas as outras, que sabem da primeira. Tem também o código de honra entre eles. Quando um traficante é preso, suas mulheres ganham proteção no morro.
É boa a vida de traficante?
Mais ou menos. Na minha pesquisa constatei que dormem pouco, porque estão sempre desconfiados. Há aqueles que trocam de barraco toda a noite. Nem todos são admirados na comunidade, especialmente os mais paranóicos.
Que conclusões tirou desta imersão?
A frase que se tornou meu bordão no filme veio desse laboratório: ‘Não quero mais ser bandido, quero ser criminoso’. Ou seja, pra que sujar as mãos com homicídio e tortura? Melhor ter uma mente criminosa e se transformar em homem de negócios.
Vários policiais foram assassinados recentemente, no Alemão. Que acha das UPPs?
Não adianta invadir o morro sem proporcionar condições de vida mais dignas para a população. Se não houver saneamento básico e outras melhorias, não resolve. Se os jovens não forem educados, eles continuarão admirando apenas traficantes e jogadores de futebol. As religiões, principalmente evangélicas, ajudam muito a sair do tráfico. Mas não é suficiente.
Como enxerga o futuro?
Enquanto não houver planejamento social teremos que invadir o mesmo morro várias vezes. Durante o laboratório visitamos o prédio do centro comunitário do Alemão, com três andares. É bonito, bem organizado, mas aquilo é muito pouco para uma comunidade de 200 mil pessoas.
O tráfico está vencendo?
É um pouco triste ver que o tráfico ainda existe no Alemão, assim como o “arrego” (suborno pago aos policiais). O tráfico conta com mentes brilhantes. Tem muita gente na ativa, outros fugiram para outras comunidades, e tem aqueles que decidiram largar. O Comando Vermelho está mais enfraquecido e o Terceiro Comando chega mais forte.
Mentes brilhantes?
Sim. Clareza no raciocínio, para comandar e lucrar. Por exemplo, costumam misturar pó de fermento Royal a cocaína, para aumentar o lucro. Assim, 1 kg vira 2,5 kilos.
Que soluções apontam os ex-traficantes?
Todos com quem conversei se mostraram favoráveis à legalização das drogas. Principalmente da maconha. Com relação à cocaína, alguns ainda têm um certo receio.
Que acha da atuação da polícia?
Existe uma certa rixa. A PM é mais favorável a UPP. Mas talvez eu não seja parâmetro, pois estou fazendo um treinamento de alta performance com a elite da polícia. Assim como o Bope, o Core é um agrupamento reconhecido no mundo todo como referência no treinamento de guerrilha urbana. Tenho a sensação de que são incorruptíveis, que amam o que fazem.
E as polícias civil e militar?
Elas não se entendem. Por exemplo, discordam sobre como foi feita a invasão do Alemão, que contou com o Exército e a inteligência da polícia civil. Os policiais dizem que o controle e a segurança só duraram um mês.
Que achou dos bailes funk?
São patrocinados pelo tráfico assim como o Carnaval é pelos bicheiros. Pessoalmente não tenho nada contra mas não escuto no meu carro. Tem um funk que diz, “sei que você é casado mas eu não ligo”. Um pouco agressivo talvez, mas mostra o lugar novo da mulher na sociedade. De toda forma é um entretenimento e tem que ter. Quem sou eu para dizer o que pode ou não? Só sei que tem que ser seguro e saudável.
E os moradores, se sentem mais seguros com as UPPs?
Tem de tudo, inclusive quem se sentia mais seguro quando o complexo estava só nas mãos do tráfico. Por conta do carisma dos chefes, acredito.
Há quem diga que “Alemão” é um filme raso quando comparado com “Cidade de Deus”, por exemplo.
São pegadas bem diferentes. Não tínhamos essa pretensão. Nosso objetivo é entreter e fazer um bom produto. É uma obra fictícia que não toma partido, está mais focada na ambiguidade e nos conflitos psicológicos de lado a lado.
E como está sua vida pessoal? Você se separou há cinco meses, as revistas de fofoca falam de um novo relacionamento…
Prefiro não falar sobre o assunto, até em respeito a minha filha pequena. Sinto que o turbilhão da separação já passou. Agora estou bem tranquilo. O mais gostoso é saber que o meu trabalho está tomando uma proporção maior. Como os resultados de “Amores Roubados”, agora o “Alemão”, e logo mais “O Caçador”.