Paulo Coelho: "você pode ser simples sem ser superficial"
05/04/14 07:30Aos 66 anos, o escritor Paulo Coelho se prepara para lançar seu vigésimo oitavo livro. “Adultério” (Sextante) será publicado inicialmente no Brasil, com uma tiragem de 100 mil exemplares. Até o final do ano, será lançado em mais de 34 países.
O livro trata de um triângulo amoroso envolvendo três personagens arquetípicos. Linda, uma bonita jornalista de 31 anos que vive aparentemente um conto de fadas, ao lado do marido que é rico herdeiro e trabalha com finanças, e os dois filhos. E um antigo namorado dos tempos de escola, político em ascensão, também casado.
A rotina e o tédio são o pano de fundo. A história se passa em Genebra, na Suíça, onde vive o escritor.
Nesta entrevista, Coelho conta que a ideia de escrever sobre adultério surgiu após consultar seus seguidores na internet. São 19 milhões no facebook, 1 milhão no twitter, além dos blogs que mantém. Paulo Coelho é o escritor com o maior número de seguidores no facebook. Tem o triplo de Dan Brown, que ocupa a segunda posição.
“80% das pessoas consultadas falavam em depressão induzida por uma infidelidade conjugal. Comecei a entrar em fóruns de maneira anônima para entender porque as pessoas reagiam dessa maneira. O resultado foi que terminei em duas ou três pessoas que me serviram de base para a composição dos personagens”, diz.
Ocupante da cadeira de número 21 da Academia Brasileira de Letras, Paulo Coelho tem 165 milhões de livros vendidos no mundo, traduzidos em 80 idiomas.
A editora Sextante, que publicou “O Aleph” em 2010 e “O manuscrito encontrado em Accra” em 2012, afirma já ter vendido 500 mil exemplares das duas obras.
De acordo com levantamento feito pela Nielsen, de junho de 2013 até hoje Paulo Coelho vendeu 62.340 livros. “O Alquimista” representa 20,3% do total. Em segundo aparece “Manuscritos encontrados em Accra”, com 11,2%, e em terceiro “O Diário de um Mago”, com 10,8%.
Segundo Carlos Carrenho, do PublishNews, portal de informações sobre o mercado editorial, a venda de Paulo Coelho nos últimos anos “está muito aquém” do que já foi antigamente. “Nos últimos anos, raras vezes seus livros frequentaram a lista dos vinte mais vendidos. Acredito que seus números no Brasil sempre foram menores proporcionalmente, quando comparados ao resto do mundo”, diz.
Para esta entrevista, o escritor recebeu vinte e duas perguntas por email. Decidiu selecioná-las e gravou as respostas em um podcast que totalizou 15 minutos de duração.
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Por que escolheu o tema do adultério?
Eu tinha visto um filme sobre um estudo que marcou a geração dos meus pais, que foi o relatório Kinsey, no qual um cientista desenvolveu uma pesquisa de comportamento sexual. Depois dele, as pessoas passaram a ficar menos preocupadas e encucadas com seu próprio comportamento sexual. Antes todo mundo achava que era único, que só ele tinha esse problema, que só ele se masturbava, que só ele gostava disso ou daquilo. Com o relatório, houve uma espécie de alívio geral, ficou evidente que ninguém estava sozinho. Daí pensei, ‘puxa vida, qual seria o grande problema hoje em dia’?
A que conclusão chegou?
Achei que fosse a depressão. Pensei em fazer um post a respeito para meu blog. Mas antes decidi lançar o tema. Perguntei aos meus leitores na web sobre o que achavam da depressão, que me parecia ser o maior problema humano hoje. Efetivamente as pessoas começaram a falar a respeito, mas na verdade 80% delas falavam em depressão induzida por uma infidelidade conjugal. Então deduzi que o tema era adultério.
Qual foi o passo seguinte?
A ideia no início era escrever um post. Mas aí comecei a entrar em fóruns de maneira anônima para entender por que as pessoas reagiam dessa maneira. O resultado foi que terminei em duas ou três pessoas que me serviram de base. Aí nasceu o livro, um triângulo amoroso com personagens muito fortes.
80% das pessoas com depressão induzida por uma infidelidade conjugal é um número muito alto, não?
No final das contas infidelidade conjugal e depressão, como eu falo no próprio livro, são duas coisas diferentes. O verdadeiro deprimido não quer saber de conversar sobre depressão. Uma coisa são esses problemas que a gente tem na vida diária, outra são as questões médicas, a serem tratadas com remédio.
Qual seu entendimento sobre a depressão e a melancolia na vida contemporânea, e o uso disseminado de remédios de tarja preta?
É engraçado porque quando entrei em contato nos fóruns sobre adultério, nenhuma das pessoas se tratava com remédio. Acho que o remédio sufoca teu enfrentamento com o problema, ele não mostra. Ninguém ali estava se tratando. As pessoas realmente deprimidas, elas não participaram da discussão, nem estão em fóruns nem nada. Estão tomando seus remédios de tarja preta.
O adultério deve ser considerado um pecado?
Eu não julguei o casamento, o adultério, eu não julguei nada. Eu acho que um escritor muitas vezes é apenas um repórter do seu tempo.
O que há de biográfico no livro?
O vôo de parapente (que encerra o livro), foi o que me fez casar. Ocorreu exatamente tudo aquilo que eu descrevo no texto, só que na hora que eu fui agendar com o concierge, a minha mulher disse que não iria, pois não queria morrer solteira. Nós já vivíamos juntos há 24 anos, mas nunca nos casamos. Então eu disse: “Está bom, a gente casa!”. Foi assim, de brincadeira. Depois ela me cobrou, e eu casei. A única diferença é que na hora o concierge falou uma coisa que nunca devia ter falado: “Só temos o parapente às 16h”. Aí dançou, porque se você faz isso no impulso, está tudo bem. E eu queria fazer isso no impulso, mas como era só para mais tarde, você acaba pensando, vendo, refletindo, e termina não pulando. Mas eu ainda tenho a intenção de pular.
O que representa este livro para você e no contexto de sua obra?
Foi um desafio interessante. Não posso viver sem desafios, aliás nunca pude viver sem arriscar. Meus ciclos são de dois anos. Posso falar de qualquer assunto. Em outros livros já tratei do espiritual, da prostituição, da lenda, da loucura ou da cultura das celebridades. Mas o que marca todos é a ideia do estilo. Você pode ser simples sem ser superficial.
Qual seu momento atual?
Vivo hoje em dia de maneira praticamente isolada. Não faço lançamento e não dou autógrafo. Atualmente tenho comunidades muito fortes, no facebook já cheguei a 19 milhões de seguidores, no twitter tenho 9 milhões. 20% são brasileiros. Isso tudo me permite interagir com meu leitor, coisa que não podia fazer antigamente.
A superficialidade das relações nas redes sociais não o incomoda?
Eu discordo quando você diz que tem superficialidade. Acho que também pode ser superficial, inclusive a trolagem é muito superficial. Mas existe uma relação muito intensa também. Eu acabei conhecendo gente muito interessante nas comunidades sociais. Há mais ou menos um mês, por exemplo, eu acabei ficando amigo de um autor que eu havia gostado do livro, o “Dirty Wars”, e que tinha sido correspondente de guerra. Ele acabou concorrendo ao Oscar, pois fez um filme depois também. Ou seja, é só saber o mapa da mina e procurar pessoas que te interessam. Mas sobre passar muito tempo nas redes sociais, é verdade, eu fico aqui muito tempo, mais tempo do que deveria.