A vida sem Luciano do Valle
25/04/14 19:04José Ferreira Neto, 47, o Neto, trabalhou dez anos com Luciano do Valle. Foi o comentarista que por mais tempo atuou ao lado do narrador esportivo, falecido no dia 19.
Esta é a primeira entrevista de Neto desde então. Ele relembra o companheiro e à sua maneira, também discorre sem meias palavras sobre a Copa (“acho que 12 sedes é muito), favoritos – Brasil, Alemanha, Argentina -, CBF (“estamos despreparados democraticamente para um futebol melhor”) e o status atual do futebol jogado no Brasil (“medíocre”).
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Qual o legado de Luciano do Valle?
Acho que todo narrador de hoje deve ou imita o Luciano.
Até o Galvão Bueno?
Já não posso responder porque não sou amigo dele. O Galvão é um baita narrador. O problema é que ele está há 30 anos, pode gerar antipatia. Mas assim como no caso do Luciano, ninguém vai substituir o Galvão. Nem o Cleber Machado, nem o Luís Roberto, nem o Milton Leite.
Qual o estilo do Luciano?
Luciano é único como Pelé, Senna, Picasso, Mandela. Pega um gol de todos os narradores. Todos têm oscilação. O gol dele é reto.
Ninguém mais vai narrar como ele narrava. O Luciano narrava o jogo. Ele não tinha bordões. Vinha da alma, do coração. Por exemplo, quando narrou “gênio, gênio, gênio” em um gol meu de bicicleta, ou “não há palavras para descrever”, sobre um lance do Zico. Aquilo não havia sido pensado, saiu na hora. Por isso que ele é mito. E era um narrador completo, narrou todos os esportes, vôlei, basquete, box.
Por que o apelido dele era “bolacha”?
É que antes de emagrecer, ele tinha um rosto bolachudo.
Como era sua personalidade?
Mais calado que falador. Nunca reclamou de nada. Sua maior virtude era a gentileza no trato com as pessoas. Nesse meio tem mascarado pra caramba, gente que se acha o dono da bola.
O que representa a perda dele para o futebol?
É como se o Neymar não fosse jogar a Copa. Sem o Luciano, perdeu-se uma referência.
Luciano teve fases melhores e piores, não?
Verdade que já tinha 66 anos. Não tinha o mesmo pique de quem tem 40. Mas ele sempre superou as dificuldades, por exemplo, para memorizar algum nome. A pessoa entrava na transmissão da Band, ouvia a voz dele e não saía mais.
Como funcionava sua dobradinha com o Luciano?
A gente tinha uma amizade muito forte. Sempre jantávamos nos melhores restaurantes da cidade, após as transmissões. Sempre um bon vivant. Em São Paulo por exemplo, era no Rubayat. Gostava de massa e vinho – mas eu não bebo. Os jantares se estendiam até três, quatro da madrugada.
O que aprendeu com ele?
Comecei como convidado. Foi ele que me orientou sobre posicionamento de voz, câmera e entrada – sempre comentei no momento que ele respirava. E também me orientou a não ser tão duro com as palavras.
Mas você não é duro com as palavras?
Me orientou no sentido de pegar leve com as polêmicas e soltar comentários mais inteligentes, sobre a tática do jogo. Por exemplo, dificilmente erro pênalti. Em cada dez, acerto oito. Ou uma substituição: sugerir a troca de um meia por um centroavante, um lateral por um volante, e assim por diante. É que eu enxergo muito bem o jogo.
Ele sempre concordava?
Nem sempre concordou mas foi sempre gentil. Havia jogos que eu achava uma merda e ele os transformava em grandes espetáculos para não perder a audiência. Não sei em que outra TV você pode fazer isso.
Mudando de assunto, que está achando da Copa?
Muito triste de não estar ao lado dele. Ao mesmo tempo estou com muito gás. Gosto muito do Téo José, acho que vamos fazer uma boa dobradinha.
Qual a diferença da Band com a Globo, do ponto de vista das transmissões?
A liberdade de eu falar o que quiser. Vou fazer esta Copa e a da Rússia, em 2018. Aí vou parar. Porque quero viver melhor, viajar menos, ao lado da família. Guardar uma poupança de 10, 15 mil reais e parar. Quero parar de trabalhar.
E as polêmicas em torno da Copa?
Se você pensar que o país precisa ter calçada, escola, hospitais, não era pra ter Copa. Mas também um evento como esse pode ser muito positivo. O problema é o jeito que usam o dinheiro.
Acho que 12 sedes é muito. Deviam ser 6. Em um país tão grande, você não pode ter 12 sedes com tantos problemas como aeroportos e infra-estrutura. Agora, não sou expert sobre o que o governo tem que fazer. Se tem gente roubando aí não sou eu. Para minha profissão é importante e vou adorar cobrir a Copa. E na Copa das Confederações, o povo mostrou emoção, ao cantar o hino brasileiro em voz alta.
Você acha que a gente leva esta Copa?
Se a seleção jogar o que jogou na Copa das Confederações, e se o Felipão chamar o Luis Fabiano e o Fabio (goleiro do Cruzeiro), leva. Mas o Felipão não vai chamar.
Para mim tem três seleções favoritas: Alemanha, Argentina, Brasil. A Espanha está com um time mais velho, acho que não leva. E cinco fenômenos: Schweinsteiger, Neymar, Messi, Cristiano Ronaldo e Robben.
Que achou da eleição na CBF?
Marco Polo del Nero está há 25 anos na Federação Paulista e foi eleito presidente, até 2015. Votação foi unânime e não havia oposição. Isso mostra que estamos despreparados democraticamente para um futebol melhor.
Sempre foi assim, não?
No Corinthians por exemplo, o Mario Gobbi sucedeu o Andrés Sanchez, que fez um mandato. Mesmo sendo um cara dele, ninguém pensa igual.
O Itaquerão foi um acerto?
Não para o Corinthians. O clube gastou muito mais que deveria, não precisava de um estádio de Copa do Mundo.
Qual o status atual do futebol jogado no Brasil?
Medíocre. E não vejo um grande futuro.