De volta para o Futuro
05/06/14 14:29Há uns dez dias, mais precisamente no domingo 25, fui visitar uma das comunidades mais pobres da cidade, chamada Futuro Melhor. Um labirinto de barracos, muitos deles sustentados por palafitas, na beira de um córrego nos limites do Parque da Cantareira, zona norte.
O córrego virou um esgotão. Energia elétrica e água encanada, só no gato.
Por falar em gato, dizem os moradores que ali são os felinos que têm medo das ratazanas, de tão grandes. E há cobras, jararacas e cascáveis, por conta da proximidade da mata. Claro que nestas condições os incêndios são frequentes. E por aí vai. A íntegra desta reportagem está em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/especial/169420-tem-futuro.shtml
Bom lembrar que praticamente todo mundo tem seu celular, quase todo mundo tem TV, as antenas para captar os sinais de satélite – mensalidade de uns R$ 80- são comuns, assim como micro-ondas e freezer, além de geladeira.
Futuro Melhor não é exceção. Como diz o vereador e professor da FAU-USP Nabil Bonduki (PT), toda favela tem sua excentricidade – e a de Futuro Melhor são as palafitas, que remetem às comunidades carentes amazônicas em plena capital paulista. Feita esta pequena consideração, Bonduki lembra que existem várias comunidades em iguais condições de precariedade pela cidade.
O que não escrevi na reportagem, até porque fugia do seu escopo, foi a pergunta que me fiz quando saí da favela: “mas peraí, será que em Higienópolis as pessoas vivem mais felizes?”. Difícil essa resposta, até porque cada um é um.
Enquanto caminhávamos pela Futuro Melhor vimos os preparativos para um churrascão na laje, isto é, com o povo já tomando pinga e cerveja pelas onze da manhã, e o futebol soçaite correndo solto no único espaço comunitário, um descampado com uma quantidade enorme de lama e poças d´água.
Já pros lados do córrego, era muito lixo no chão e nas bordas, com as crianças brincando entre uma montanha de dejetos e água cinzenta que corria abaixo.
Visitamos uma das lideranças da comunidade, Eliana Kanashiro de Araujo, 49, faxineira, que nos recebeu com um daqueles cafés adocicados tão comuns na periferia, em seu barraco de 12 por 9 metros. Lá moram 11. Ela, o marido, os quatro filhos (todos casados), de 17, 19, 23 e 17, além de um neto.
Eliana explicou que todos cursaram pelo menos até a oitava série, mas que especialmente os meninos, tinham muita dificuldade de ler e escrever. Todos os homens da casa estão desempregados.
Ela é faxineira, uma das filhas trabalha como auxiliar de escritório, a outra como operadora de telemarketing, e a renda familiar média é de uns R$ 2,2 mil. Ah sim, eles ainda conseguem tirar uma lasca do Bolsa Família, segundo ela algo em torno de 80 reais.
Uma coisa que notamos enquanto visitávamos os moradores e os barracos, é que o padrão de homens desempregados e mulheres separadas (com vários filhos), trabalhadoras, se repetia.
Quando, um dia depois, me fiz esta pergunta sobre Higienópolis, deitado no divã de minha psicanalista lacaniana, ela mencionou o sociólogo francês Émile Durkheim, que constatou que o suicídio é mais comum nas classes sociais abastadas.
Coincidentemente estava lendo nesse período um livro da psicóloga Rosely Sayão (“Família: modos de usar”, editora 7 Mares), de onde extraio este trecho:
“Eu estava no cabeleireiro e, ao meu lado, estava uma jovem de classe média alta com a filha de menos de cinco anos acompanhada de sua babá, lógico. A menina então decidiu ser atendida pela manicure e, além disso, decidiu o tipo de corte que queria no cabelo. Em determinado momento, ela pediu um lanche e a babá foi buscar. Na hora de dar de comer à garota, a mãe orientou a babá a dividir o lanche em vários pedacinhos. A auxiliar de cabeleireira que estava me atendendo virou-se para a colega e falou; ‘Está vendo? É por isso que filho de pobre enfrenta a vida mais bravamente’”.
Ao que Julio Groppa Aquino, que dialoga com Rosely no livro, responde: “Pois então. Sem romancear a questão da pobreza, é preciso reconhecer que a criança de classe popular é muito mais resistente porque está constantemente em contato com o mundo adulto e seus revezes”.
Lembrei do provérbio africano, “é preciso uma aldeia para educar uma criança”.
Não vou terminar este texto com uma conclusão simplificadora. Só sei de duas coisas, primeiro que ninguém por lá encara o nome da comunidade como uma ironia. Até porque, antes de construírem seu barracos, viviam em barracas de lona, o que é bem pior, pois não protegem nem do frio nem do calor.
A outra coisa é que naquela noite, já em casa, no Higienópolis, quando fui servir um suco de uva orgânico para minha filha e lembrei de quanto custa (R$ 12 a garrafa de 500 ml), uma vez mais me apanhei no impasse, sobre como ser coerente e agir com algum senso no meio desta cidade.