Não houve Copa no acampamento do MTST
13/06/14 12:01Não houve Copa no acampamento Copa do Povo do MTST. Ou melhor, não houve Copa do Mundo. O que houve algumas horas antes foi o campeonato da Copa do Povo, em que integrantes da ocupação atuaram por seleções que homenageavam categorias que ganharam notoriedade em mobilizações recentes pelo país: metroviários, garis, rodoviários, estudantes, professores, operários de estádio.
Quando a bola começou a rolar no Itaquerão, que fica a 3 km do acampamento, a única televisão do Copa do Povo, que tem 4,8 mil famílias cadastradas e cerca de mil famílias morando, estava desligada, por decisão da liderança do movimento.
Guilherme Boulos, admirador confesso do movimento da Democracia Corinthiana, nos idos dos anos 80, e que coordena o MTST, explicou os motivos: “se a gente montasse um palco o pessoal ia achar que a gente ‘se rendeu à Copa’, e não foi bem isso. Fizemos um acordo com o governo no qual nos comprometemos em não inviabilizar frontalmente o evento esportivo”.
“Não inviabilizar”, segundo Boulos, significa por exemplo “não convocar um ato com 20 mil pessoas em dia de jogo”.
Há três semanas, Boulos foi recebido pessoalmente pela presidente Dilma Roussef. O encontro serviu como ponto de partida para uma negociação na qual o governo federal garantiu construir 2 mil casas no terreno ocupado pelo MTST há um mês. O desfecho foi considerado uma vitória do movimento. “Se a gente tivesse ocupado um terreno que não ficasse tão perto do estádio, o desfecho certamente seria outro”, completou.
Segundo a liderança do MTST, o terreno só será desocupado quando a Câmara Municipal aprovar o novo Plano Diretor, que transformaria a área em zona de interesse social, e aprovação de financiamento pela Caixa Econômica.
SEM TV
“Se o Brasil ganhar ou perder, o que muda? Nossa luta não é contra outros países”, afirmou Bruno Rodrigues da Silva, 24, perueiro. Bruno estava sentado na beira do pátio que fica logo à entrada da ocupação, e funciona como espécie de ponto de encontro.
Quando a Croácia fez o primeiro gol, um alto falante reproduzia alguns raps do falecido Sabotage. Umas poucas mulheres dançavam, e as crianças batiam bola. “Meu negócio vai ser ficar ligado no rap e vendo as pipas”, concluiu Bruno. Sua mulher, a copeira Luana Catarina Ribeiro, 29, ainda perguntou: “você sabe quanto está o jogo?”.
À exceção de algumas cozinhas comunitárias e o pátio central do acampamento, não há energia elétrica na ocupação (chuveiros elétricos em funcionamento, há apenas dois). Por isso, quem quis assistir Brasil X Croácia foi aos botecos nas imediações ou mesmo na entrada do estádio.
De fato, o acampamento estava esvaziado durante o jogo. Para o camelô Moisés da Silva Oliveira, 38, que se encontrava em animada roda de cerveja e churrasquinho com outros companheiros, a cerca de 200 metros da entrada da ocupação, em frente a uma TV, a hora do jogo é “um momento sagrado em que você esquece religião e política, um momento 100% brasileiro”.
“Todo mundo ama futebol e pelada”, acrescentou o tapeceiro Maikel Wagner, 22. “Menos os mentes fechadas, mas estes são minoria no acampamento”, acrescentou.
Algumas horas antes, pela manhã, ao som de um funk cujo refrão dizia “Família inconformada com aumento de aluguel/ Morar em favela isso é cruel/ Pai de família nem sabe o que faz/Se paga aluguel ou se dá de comer/ Não temos nada contra a Copa do Mundo/ Mas viver no Brasil sem moradia é um absurdo”, teve início a primeira fase do campeonato da Copa do Povo.
“O Brasil não está satisfeito com o mando da FIFA e a exclusão dos trabalhadores da periferia”, anunciou Josué Augusto do Amaral Rocha, 25, graduado em medicina pela Unicamp, e coordenador geral do acampamento do MTST. Em seguida, pediu para que se ateasse fogo em um boneco feito de espuma ornado com figurinhas adesivas do álbum de jogadores da Copa. “Este boneco representa o tratamento que queremos dar para a FIFA”, acrescentou.
Cerca de 300 pessoas, entre militantes, moradores do acampamento e jornalistas – havia um representante do The New York Times, e colegas argentinos e alemães, entre outros -, acompanharam o ato simbólico.
Josué apresentava cada uma das seleções mencionando as conquistas das categorias e debaixo de uma salva de palmas, aos gritos de “Fora FIFA”.
Também se apresentaram duas seleções de mulheres, e uma de ronaldetes – com homens usando vestimentas femininas, em uma crítica bem-humorada às declarações do ex-camisa 9 da seleção sobre a Copa.
O autor do primeiro gol do campeonato foi o gari Rafael Santana, 24: “o preço do aluguel depois da construção do estádio ‘matou o papai’. Eu pagava R$ 380 por um imóvel de dois cômodos, foi para R$ 1,2 mil. Por isso vim parar aqui”.
Ao final, Guilherme Boulos entrou em campo na seleção dos coordenadores, e mostrou ser melhor em política. Primeiro jogou na defesa, depois no ataque. Sua participação foi discreta. Pediu para ser substituído por duas vezes.
A final do campeonato da Copa do Povo ocorrerá no mesmo dia da final no Maracanã.