A bossa de Charlie Haden
21/07/14 11:00Por Horacio Tomizawa De Bonis
No fim da semana passada, em meio a uma avalanche de notícias sobre a Copa do Mundo e com a goleada da Alemanha sobre o Brasil ainda rendendo matérias, análises e muitas piadas, a morte do contrabaixista norte-americano Charlie Haden passou praticamente batida. Somente alguns fãs do jazz, mais ligados, lamentaram a morte do músico que era uma lenda viva do jazz.
Sua morte aos 76 anos, ocorreu na sexta-feira, dia 11 de Julho, em consequência de complicações de síndrome de pós pólio, decorrente da poliomielite que ele contraiu quando tinha 14 anos de idade. Essa doença que teve na juventude foi responsável pela guinada em sua carreira musical, iniciada muito precocemente, cantando música country e folk na Haden Family Band. A banda familiar chegou a ser bastante popular, se apresentando com frequência em feiras no meio-oeste americano, tendo ainda um programa transmitido diariamente em uma rádio de Shenandoah, Iowa.
A sequela da pólio afetou as cordas vocais de Charlie Haden, porém nesta altura o jazz já chamara sua atenção e então ele começou a tocar no contrabaixo de seu irmão mais velho. O uso do instrumento na música clássica também fascinava Haden, especialmente o que ele ouvia nas composições de Bach.
Em 1957, aos 20 anos, se mudou para Los Angeles e nesse mesmo ano fez sua primeira gravação, acompanhando o pianista Paul Bley, com quem trabalhou até 1959. A partir daí a trajetória de Charlie Haden cruzou com inúmeros músicos importantes do jazz, primeiro como acompanhante, depois como integrante de grupos, e posteriormente dividindo parcerias e discos nas mais variadas formações e vertentes do jazz e de outros gêneros musicais.
Destaques na carreira
A primeira grande marca em sua carreira foi como integrante do Coleman Quartet, liderado pelo saxofonista Ornette Coleman, que iniciava o que acabou se chamando free jazz. Apesar de curta, apenas 1959/60, a experiência ao lado de Coleman foi primordial para vários projetos futuros de Haden.
Em 1969 fundou com Carla Bley a Liberation Music Orchestra, que unia o free jazz e uma música com viés político. O álbum “The Ballad of Fallen”, de 1982, contém alguns temas revolucionários, como músicas da guerra civil espanhola, de El Salvador, Portugal e Chile. Esse álbum foi lançado pelo prestigiado selo alemão ECM, por onde Haden gravou muitos discos e teve ligação histórica. Dentre as gravações pelo selo, os antológicos “Magico” e “Folk Songs”, ao lado do brasileiro Egberto Gismonti e do saxofonista norueguês Jan Garbarek.
Outra ligação importante foi com o pianista Keith Jarrett, com o qual trabalhou entre 1967 e 1976 e depois em diversos projetos, culminando com “Last Dance”, lançado no mês passado pela ECM, disco que celebra a parceria entre os dois. Nesse trabalho, não só o título faz referência aos momentos finais de sua vida. Músicas como “Every Time We Say Goodbye” e em especial as que abrem e fecham o disco, “My Old Flame” e “Goodbye”, já davam o sinal da partida.
A história pessoal de Haden, a tradição musical da família, o trânsito por diversos gêneros do jazz e fora dele também, que o fez tocar com centenas de músicos mundo afora e gravar por dezenas de selos, o Grammy (Perfomance de Jazz instrumental) ganho com o disco “Beyond the Missouri Sky (Short Stories)”, de 1996, feito em parceria com Pat Metheny, no qual contém um dos mais belos temas que gravou, “Spiritual” – composição de seu filho, Josh Haden -, tornaram sua morte uma das mais sentidas fora do mundo das estrelas da música pop. A imensa discografia e energia para novos projetos dava a impressão que Charlie Haden sempre estaria entre nós tocando e lançando discos. Seu contrabaixo agora está silenciado, mas todos seus acordes sempre soarão por aí.
Veja: Charlie Haden Family & Friends, interpretando “Spiritual”, composição de Josh Haden, filho de Charlie Haden: https://www.youtube.com/watch?v=WbYYOoDlNZc