Gaza, Itamaraty e Edir Macedo, segundo Henry Sobel
11/08/14 08:08
O rabino Henry Sobel, protagonista histórico na defesa dos direitos humanos no Brasil, afirmou que Israel tem o direito de se defender no conflito em Gaza e disse compreender a ação do Exército, embora não concorde. “Um país que é submetido a ataques de foguetes tem o direito de se defender, mesmo que se interprete que estes ataques sejam relativamente ineficazes. Pode até se questionar a dimensão desta defesa, mas o direito a ela não pode ser questionado”.
“A verdade deve ser dita: o Hamas não tem mostrado interesse em poupar civis em Israel ou Gaza. A estratégia do grupo de lançar foguetes a partir de áreas residenciais, armazenando armamento em escolas, reflete a disposição dos seus líderes de colocar seus civis em situação de risco, de modo que Israel se defenda com a nefasta alternativa de matar civis ou permitir que os ataques de foguetes continuem”.
“Israel tem objetivos militares legítimos em Gaza. Acabar com os foguetes e os túneis. E vai continuar perseguindo tais objetivos embora demonstre preocupação com os civis.
Tento compreender o comportamento do establishment militar de Israel. Não concordo em assistir passivamente a morte dos civis em Gaza. Não concordo com bombardear escolas. Não concordo com a atitude do Exército, mas compreendo”.
Sobel critica os governantes de lado a lado: “acho que o diálogo é imprescindível no Oriente Médio e infelizmente a liderança de Israel e do Hamas, ambos os lados, não deixa o diálogo como algo viável. Israel sob Netanyahu, e a liderança do Hamas, se preocupam em matar ao invés de ouvir”.
“Netanyahu faz mal para Israel, mas felizmente o Estado é maior do que sua pessoa, não podemos confundir o Estado com o governo”.
E acrescenta: “o que o Oriente Médio precisa é acabar com o fundamentalismo, este pensamento religioso radical que está predominando naquela região. É preciso negociar, negociar, negociar. Uma criança não é palestina, nem israelense. Uma criança é uma criança”.
Sobel criticou também a postura do Itamaraty durante o conflito: “Creio que quando chamou o embaixador brasileiro em Israel para consultas, e fez uma crítica aberta à política israelense, a presidente Dilma deveria também ter expressado sua posição sobre os ataques terroristas do Hamas. Nós sabemos que o governo brasileiro é contrário ao terror e defende uma solução negociada para o conflito”.
“Achei a nota do Itamaraty muito esquisita. Não concordo com a crítica feita. A política externa de um país não deve interferir na política interna de outro. Moro aqui há 44 anos, fico decepcionado com a tomada de partido de um dos lados. Não é o papel do Brasil”.
“A crítica construtiva seria perfeitamente legítima. Mas foi uma crítica visando valores. O Brasil está tão longe geograficamente e politicamente, o que os israelenses precisam não são palavras ofensivas. O Brasil precisa ser sério em sua crítica, e tomar a iniciativa de colocá-la em prática”.
Sobel também se disse decepcionado com a chancelaria israelense, que chamou o Brasil de “anão diplomático”: “é uma posição ruim, incompatível com a tradição de alta qualidade da diplomacia israelense”.
“O Hamas tem falhado, o governo de Israel tem falhado, e o Itamaraty falhou”, concluiu.
Sobel também foi indagado sobre a indumentária religiosa judaica usada pelo bispo Edir Macedo, e a inauguração do Templo de Salomão. “Cada religião tem sua particularidade, suas tradições e seus símbolos. Cada religião é igual. O importante não é o quipá (solidéu). É o talit (xale religioso cujo uso tem em um de seus objetivos sublinhar a igualdade entre os oradores), do Macedo. O importante é a tolerância dele ou a falta de tolerância em relação a outras religiões”.
“Foi um gesto simpático por parte de Edir. Um gesto de amizade. Mas não deve ser levado a sério. Fui convidado para a inauguração da igreja, mas não compareci. Eu acho que o caminho de um líder religioso não é vestir o símbolo de outra religião, não é aparecer mascarado de outra religião”.
“Não sei quais são as finalidades dele, lhe dou o benefício da dúvida”, concluiu.
DOCUMENTÁRIO
A TV Cultura apresentou no último domingo, um documentário inédito sobre Henry Sobel, produzido pela própria emissora.
O documentário mostra a trajetória do rabino – as origens da família, a infância e adolescência nos Estados Unidos e principalmente, o papel de destaque de Sobel como líder comunitário judaico em São Paulo, onde atua há 44 anos.
Contrariando o regime militar, Sobel refutou a farsa montada em torno do assassinato de Vladimir Herzog, nos porões da ditadura, recusando-se a enterrá-lo na ala dos suicidas no cemitério israelita. O ato ecumênico em sua homenagem, na Catedral da Sé, do qual Sobel participou, ao lado de Dom Paulo Evaristo Arns e do reverendo Jaime Wright, é um marco das manifestações de protesto da sociedade civil contra as práticas da ditadura.
O filme conta com depoimentos de FHC, Juca Kfouri, Maria Adelaide Amaral, entre outros.
O episódio do furto das gravatas – em 2007 o rabino foi flagrado furtando 4 gravatas em uma loja de Miami – também é lembrado, e, embora dita em um outro contexto, a frase de Sobel logo no início do filme vem carregada de significados, “antes de ser rabino, eu sou homem”.
Mais adiante, referindo-se ao episódio, diz: “aquilo foi uma falha moral e o preço mais alto foi uma alma machucada”.
Em São Paulo, o rabino pretende celebrar o casamento de sua filha Alisha, em novembro. Depois, deve passar uma temporada em Miami, onde exerce o rabinato emérito. Aos 70 anos, sua ideia é ficar na ponte aérea entre Miami e São Paulo. Na capital paulista Sobel também exerce o rabinato emérito, como o trabalho semanal de visitas aos pacientes do hospital Albert Einstein.