Morrem um professor, um político e as minhas esperanças
14/08/14 12:08Não acompanhei muito a trajetória de Eduardo Campos, mas sei de sua importância no contexto democrático de nosso jovem país. Mas esta nova morte, repentina, de Nicolau Sevcenko me arranca nacos do coração. Acredito mais no ensino do que na política. Sou adepta do sistema finlandês onde professores são o cargo mais alto da sociedade e tidos como heróis nacionais. Pena ser terra tão gélida se não já teria carregado minhas trouxas para lá.
Infelizmente, nunca fui aluna de Nicolau Sevcenko, mas há algumas semanas estávamos nos correspondendo pois ele me daria uma entrevista, que estava marcada para este próximo fim de semana.
Num primeiro contato por email, eu com vários dedos receiosos digitei um pedido para entrevistá-lo, com todo o respeito ao grande homem do saber, o homem que poderia me dar respostas sobre nosso Brasil tão perdido, num mundo tão controverso.
Nicolau era doutor em história , tendo ensinado na USP, Unicamp, PUC e agora era professor em Havard.
A resposta do email veio em menos de 24 horas contendo o gentil acolhimento deste grande professor onde ele aceitava o convite. Mergulhei no seu universo, assisti entrevistas, li seu livro A corrida para o seculo XXI – No loop da montanha-russa, persegui sua história pessoal. Um homem é um homem, como diria Brecht, mas Sevcenko contra todas as adversidades de sua vida chegou ao cargo máximo de nossa sociedade, era doutor em história social com pós doutorado pela University of London. Seu passado foi marcado pela descendência de ucranianos imigrantes pobres em São Paulo, chegou a dormir na rua para poder frequentar suas aulas da USP onde se formou com louvor tendo em sua banca Sergio Buarque de Holanda.
Este homem estrangeiro em sua própria terra enxergou nossas idiossincrasias e com generosidade dos mestres viu a modernidade mecanizando nossas vidas sem amargar.
Versava sobre nosso mundo moderno e contemporâneo, passeando pelas artes. Era um homem de belas letras e a academia não roubou sua alegria. Apaixonado por Lewis Caroll, era seu melhor tradutor, a menina Alice ganhou voz nacional pelas mãos hábeis do professor que afirmava esta obra ser “a melhor lição de ética, de irreverência e de inconformismo, tanto para crianças quanto para adultos.”
Agora resta minha dor egoísta diante das perguntas que ficaram sem resposta. Nossa troca de emails sempre muito agradável, a entrevista estava agendada para este fim de semana pois ele viria ao Rio de Janeiro para dar uma palestra no MAR e nos encontraríamos depois. Eu me preparava com a ansiedade dos grandes momentos, ignorante da tragédia iminente, onde esperava ouvir sobre o Brasil e o mundo, as irrupções do mundo árabe, a Ucrânia caótica contemporânea, a vida acadêmica em Harvard, as reviravoltas nas universidades brasileiras e a crise na USP, entre outras perguntas numa lista que daria uma entrevista longa e certamente brilhante de alguém que analisa o mundo com olhos afiados pelo estudo e a genialidade.
Presto minha homenagem a este homem que eu iria conhecer, mas que a foice do destino foi mais rápida.
Este agosto agourento de 2014 perde um grande homem.