"Todos querem viver como americanos, mas com garantia de suecos. Não dá"
17/08/14 20:54
“A esquerda só atrapalha nosso esforço de compreensão das contradições do capitalismo, justamente porque ela é infantil e mitológica em sua visão de mundo”.
“O homem contemporâneo é, talvez, o mais covarde que já caminhou sobre a Terra”.
“Talvez a melhor forma de definir uma mulher independente seja como alguém incapaz de encontrar um homem que queira fecundá-la e que a obedeça”.
“Em matéria de sexo, não tenho dúvidas de que o mundo foi melhor um dia”.
“Mulheres feias e chatas estão ganhando a guerra contra as felizes e belas”.
“Uma nova praga: gente de bike na rua. Nada contra bicicletas, tudo contra playboys lights que desfilam bikes como se isso os tornasse membros de um novo clero de puros”.
Goste-se ou não, as provocações de Luiz Felipe Pondé, doutor em filosofia pela USP e pela Université de Paris VIII, e colunista da Folha, convidam a debates acalorados sobre as ideias e valores do cotidiano atual. Livros seus, como o “Guia Politicamente Incorreto da Filosofia” (editora Leya), já ocuparam o topo das listas de vendas por semanas.
Agora, ele lança “A Era do Ressentimento” (Leya), em que se propõe esmiuçar o que define como tal: “é você achar que todos deviam te amar mais do que amam, você achar que todo mundo devia reconhecer em você grandes valores que você não tem”.
Pondé parte do conceito de Nietzche sobre o ressentimento, como chave de análise do comportamento contemporâneo. O Édipo de Freud acaba suplantado por Narciso. “Acho que o caráter mimado de nossa época é fruto do ressentimento que se depreendeu de Deus, com sua “morte”, e se alocou na busca de garantias sociais e afetivas gerando uma coleção de comportamentos que negam nosso medo a favor de uma ilusão de segurança. Todos querem viver como americanos, mas com garantias de suecos. Não dá. O mundo explode”, diz ele, na entrevista a seguir.
E quanto ao filósofo – seria o próprio Pondé um ressentido? “Toda vez que alguém me confunde com um direitista autoritário (por má fé ou ignorância), me ressinto do fato de ter que explicar o óbvio o tempo todo. Como casei muito cedo e fui pai aos 24, nunca tive tempo de cultivar o ressentimento”.
Numa obra praticamente confessional, para onde mira, o autor desfia sua já conhecida verve. Todas as frases selecionadas no começo desta reportagem fazem parte do novo livro.
Até que ponto as provocações fazem parte de um ‘marketing pessoal’ ou digamos, do prazer pela polêmica, é outra pergunta que foi feita ao filósofo. Viveria Pondé em acordo com o que escreve? “Nunca me preocupo em ser um guru existencial. Trabalho muito, corro atrás de resolver problemas, como todo mundo. Sou um romântico na realidade, uma espécie que se sente continuamente no exílio. Minha vida pessoal é tomada por família, pizza, charutos e casa no interior. Gosto do silêncio e de lugares vazios”.
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Como foi a gênese deste livro?
Sempre quis discutir Nieztsche, mas cada vez mais me interesso por uma filosofia do cotidiano contemporâneo. Metade dele foi escrito entre Israel e Jordânia, portanto, numa região do mundo em que as ilusões de segurança do mundo ocidental inexistem e por isso é tão incompreendida por nós.
Por que escolheu o tema do ressentimento?
Acho que este conceito de Nietzsche foi pouco explorado como chave de análise do comportamento contemporâneo. Acho que o caráter mimado de nossa época é fruto do ressentimento que se depreendeu de Deus, com sua “morte”, e se alocou na busca de garantias sociais e afetivas gerando uma coleção de comportamentos que negam nosso medo a favor de uma ilusão de segurança. Todos querem viver como americanos, mas com garantias de suecos. Não dá. O mundo explode.
De Édipo chegamos a Narciso, é isso?
Sim, mas o Narciso da psicanálise, alguém excessivamente dependente dos outros e que nega isso transformando sua dependência em demanda de direitos afetivos e sociais.
Você mesmo, é um ressentido? Exemplos.
O ressentimento é universal porque brota da condição humana, de uma raça de abandonados, como dizia Horkheimer. A questão é reconhecê-lo e iluminá-lo. Logo, quando não discutido piora. No meu caso, toda vez que alguém me confunde com um direitista autoritário (por má fé ou ignorância), me ressinto do fato de ter que explicar o óbvio o tempo todo. Como casei muito cedo e fui pai aos 24, nunca tive tempo de cultivar o ressentimento. Em meio a isso, a troca da medicina pela filosofia também me ajudou a criar músculos… tb queria ser mais rico rsrs…
Como se define filosoficamente? É um conservador?
Sou um cético em política, isso faz de mim alguém que suspeita das teorias abstratas de gente como Rousseau, Marx ou Hegel. O termo conservador é uma armadilha política principalmente no Brasil. É usado pra dizer que a pessoa é “do mal”. Sou a favor da propriedade privada, contra comitês participativos, a favor da liberdade de expressão, do casamento gay, da liberdade religiosa, acho a esquerda uma fonte de promessas falsas e cheia de vocação autoritária (o século 20 prova isso). O termo conservador na filosofia está associado a filósofos sofisticados como David Hume, Edmund Burke, Alexis de Tocqueville, Michael Oakeshott, Robert Nisbet, Russel Kirk. Acho-os melhores como analistas do comportamento social e politico do que Foucault ou Marx. Sou um conservador cético em política e uma liberal em comportamento moral.
Existiria uma esquerda inteligente ou é tudo infantil e mitológico como escreve?
O debate público exige ideias diretas e contundentes. Como diz Vargas Llosa, a esquerda perdeu em tudo menos na cultura onde exerce poder autoritário em grande parte das instâncias produtoras de conhecimento e divulgação dele. Ser de esquerda é como algo óbvio, um marketing de comportamento. Acho que ela atrapalha com sua falsa análise do ser humano e da sociedade, para pensarmos de fato nos problemas da sociedade de mercado.
Aliás, o conceito que discuto no livro, ressentimento, é puro fruto da sociedade rica de mercado. Logo, sou de esquerda? Não, como Adam Smith, acho que a riqueza material nos torna viciados em luxos cotidianos e nos faz querer que o mundo seja uma garantia. Minha crítica à esquerda é antes de tudo ontológica (erra na compreensão dos fenômenos), cognitiva (vê o mundo através de utopias), epistemológica (se vende como ciência social mas não é).
Uma esquerda inteligente pra mim é algo como Adorno e seu marxismo negativo. Concordo com a ideia de mercantilização das relações e de seus danos à vida. Também acho que não há saída para isso. Discordo que utopias políticas autoritárias resolvam isso. Acho que temos que lidar com os sintomas e efeitos colaterais e não achar que podemos inventar outro mundo.
No livro você diz que foge das modas de um mundo viciado em seus ridículos fantasmas de sucesso. Pode dar exemplos de como se dá essa fuga?
Escrevendo, indo pro mato. Sou por natureza alguém muito concreto e tomado pelas tarefas do dia a dia. Entretanto, a vontade de fuga é um misto de estoicismo (o mundo engana) e romantismo (mal estar com a modernidade). Não há muito pra onde fugir porque todo lugar tem IPTU. Quanto ao sucesso, meu temperamento melancólico me mantém, à revelia da minha vontade, um pouco alheio à crença no sucesso, a começar pelo meu. Neste sentido, sou como Blase Pascal (séc. 17), meu objeto de doutorado: há certas quadros clínicos que nos ajudam a manter a lucidez diante de uma saúde sempre falsa.
Quais são seus vícios? Como trabalha com a própria vaidade?
Vícios: charutos, a beleza feminina, cachimbos, vida familiar. Da vaidade ninguém foge porque ela é o modo como lidamos com nosso medo do vazio, aliás, como digo no livro, vanitas em latin é ambos vazio e vaidade em português. Como tem muita gente que me critica, é dificil ficar vaidoso o tempo todo. Quando se tem que enfrentar o risco da acídia, termo medieval pro pessimismo profundo, esquece-se da vaidade facilmente.
Imagino que viva de acordo com o que escreve – o que dá para falar sobre sua vida pessoal?
Nunca me preocupo em ser um guru existencial. Trabalho muito, corro atrás de resolver problemas, como todo mundo. Sou um romântico na realidade, uma espécie que se sente continuamente no exílio, como dizia Goethe, o romantismo é a doença. Fui pra filosofia pra dizer o que de fato penso e neste sentido acabo não tendo tempo pra fingir ou me preocupar em falar o pacote de frases corretas que se deve dizer pra ser visto como alguém legal. Minha vida pessoal é tomada por família, pizza, charutos e casa no interior. Gosto do silêncio e de lugares vazios.
Li uma entrevista que o apresentava como polemista. Concorda com esta designação? Um polemista por excelência, não te soa um pouco gratuito? Em que medida as reações escandalizadas o animam?
Digo que sou polemista no sentido de fazer do colunismo aquilo que deve ser: aumentar a temperatura do jornal e ter opiniões pessoais justificadas numa tradição de argumentação reconhecível. Nada de gratuito. Acho que a hipocrisia é a substância profunda do convívio social e em matéria de filosofia pública, o que eu faço, não se pode fugir facilmente de polêmicas. Mas na realidade, não sou muito ligado nas controvérsias a partir do que escrevo ou digo. Não escrevo pra ser amado, mas sim pra não me sentir só.
Enxerga alguma semelhança no seu protagonismo com o de Paulo Francis?
Ele foi um dos meus formadores como intelectual público. Vejo-o como alguém bem formado e corajoso que bateu de frente com o status quo da intelligentsia. Pra mim é sempre uma honra ser comparado a ele.
Você critica veementemente as redes sociais mas notei que tem uma comunidade de admiradores no facebook com umas 3 mil curtidas. e se estivesse no twitter seria um sucesso…
Mas não tenho paciência pra isso. critico a crença infantil de que as redes sociais farao o mundo melhor.
Oriente Médio: o que esse conflito em Gaza nos ensina?
Que não há solução militar pro conflito, que devemos dar ouvido à Autoridade Palestina, que o Hamas é muito competente em marketing e que o antissemitismo hoje se chama antissionismo. Herzl acreditou que um Estado judeu resolveria o antissemitismo, errou em achar isso.
Por que odeia tanto os ‘playboys lights’ e suas bikes, ou os ‘inteligentinhos’?
Porque estão por toda parte… e porque são os novos puritanos do mundo… se acham superiores moralmente. Hoje em dia, Sade falaria deles e não de sexo.
Toda mulher feia é ressentida? Toda mulher independente é incapaz de encontrar um homem que queira fecundá-la e que a obedeça?
Não, não acho que toda mulher feia seja ressentida, falo isso como figura pra trazer à tona uma forma de inveja e hoje é proibido falar do ressentimento… já tem gente nos EUA querendo taxar pessoas mais bonitas como forma de justiça social. Desconfio da bondade do bons. Nem acho que toda mulher independente não encontre um parceiro, acho que o discurso do sucesso da independência mente sobre esse lado b da solidão de muitas mulheres. Pratico simplesmente a iconoclastia com a intenção de falar o que não se pode falar.
Então em matéria de sexo o mundo já foi melhor.
Hahaha… acho que sim… menos papo, mais fato…
Você é contra as baladas?
Não, acho-as um bode.
Não seria um exagero dizer que os documentos estudados por nossos descendentes para compreender como vivemos serão as pesquisas de mercado feitas pelas agências de publicidade, e que as pesquisas feitas pelas universidades são uma nulidade?
Exagero um pouco sim, for the sake of the argument, mas como o argumento é absurdo, sua função é recusar a ideia óbvia de que essas pesquisas não sejam melhores do que a burocracia das academias e suas ideologias salvadoras. Em publicidade se lida com muito dinheiro, e se você viajar, perde o cliente. Na universidade podemos falar qualquer coisa em ciências humanas porque ninguém vai perder o emprego por isso, a menos que seja por patrulha ideológica.
Você escreve – “ética”, quando você vê alguém usando essa palavra, indica que está diante de um mal caráter. Pensei na Marina Silva. E na Dilma. e no Aécio. Algum comentário geral sobre estas eleições e no modo como vivemos a política?
Acho que é saudável mudar de partido quando a situação está ruim. O discurso sobre ética na política é marketing. Não se pode abusar, mas li Maquiavel muitas vezes pra levar ética e política como coisas obviamente irmãs. Acho que a política é o lugar da competência em gestão de assuntos públicos.