Por dentro da Rede
19/08/14 16:43Os sonháticos estão de volta. De acordo com Walter Feldman, 60, um dos porta-vozes da Rede Sustentabilidade, uma parcela significativa de jovens desiludidos com a adesão de Marina Silva ao PSB, está retornando às bases de apoio.
“Quando Marina optou por Eduardo, parte dos sonháticos a abandonou. Mas agora estão voltando e muito. E outros vários no processo já haviam acabado por admirar e gostar do Eduardo. Diria que 95% voltaram”.
E o que são os sonháticos? No que a Rede, partido que Marina Silva começou a organizar depois de romper com o PV, mas que não obteve registro para participar destas eleições, se diferencia de outros? Aliás, o que será da Rede caso Marina seja eleita?
Na entrevista a seguir, o ex-deputado federal e ex-secretário de esportes de São Paulo (2007-2012) esboça um panorama atual.
E como introdução ao tema, convida à leitura do estatuto da Rede, que entre outras diretrizes, determina que os cargos de comando sejam compartilhados. É sempre preciso que haja um homem e uma mulher, um mais novo e um mais velho. Existe também a proposta de que um parlamentar deva se reciclar por um período, após dois mandatos.
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Uma semana após o acidente, qual o status da situação atual?
Nós temos uma coligação que foi composta praticamente pelo PSB, com seis partidos. Mas política não é feita apenas de partidos, é também reflexo de pesquisas e movimentos sociais espontâneos, algo que Marina Silva define citando pensadores europeus como Manuel Castells e Zygmunt Baumann.
No que consiste este pensamento?
É um novo modelo de fazer política, que não se articula com as instituições clássicas da democracia. Estas foram criadas após a Revolução Francesa e até hoje não mudaram. Refiro-me à estrutura de sindicatos e partidos que encapsularam a política para si através de uma organização piramidal.
Em seu livro “A soma e o resto”, FHC aponta esse esgotamento do processo político baseado nessa democracia que excluiu a sociedade como um todo, mas que agora se reorganiza de forma independente através das redes sociais. O novo modelo ainda não sabemos como vai ser.
Exemplos inspiradores?
No Brasil, todo esforço das manifestações de junho de 2013, e experiências de mobilização popular similares na Itália, Espanha, mesmo Israel. É uma caminhada para uma democracia de alta intensidade, ou 2.0, como alguns chamam. Após a revolução da comunicação, houve uma releitura da estrutura financeira, industrial ou de serviço. Mas não houve uma releitura da vida partidária. Não dá para negar que a ruptura representada pela internet não se fez representar na política.
A impossibilidade de registrar a Rede como um partido para estas eleições, foi uma injustiça?
Nós recolhemos 1 milhão de assinaturas, pela lógica percentual deveríamos ter a Rede aprovada. Agora, nós trabalhamos de maneira militante, algo que está praticamente em desuso. Se tivéssemos feito algo profissional, teríamos certamente chegado a 2 milhões. Nós achamos que houve excesso de preocupação por parte dos adversários. Tanto que a legislação foi mexida, partindo de bases da Justiça muito estranhas. Por exemplo, não deu para entender como 70% das fichas foram desaprovadas em São Bernardo.
Como a morte de Eduardo Campos foi recebida pela Rede?
É um cenário antes de mais nada de muita emoção. Sua morte nos pega num momento de crescimento e perspectiva, um momento de consolidação.
A relação entre Marina e Eduardo era de muita proximidade e respeito mútuo. Não se forma uma liderança todo dia, nossa única tarefa a essa altura é levar o legado que ele e Marina construíram.
Quais são as diferenças entre Eduardo e Marina?
Eduardo entendeu as características de Marina e espraiou sua visão para o PSB. As diferenças são mais de origem, ele da classe média pernambucana, ela de origem mais humilde, de outra região.
Existem alas do PSB que não concordam com a visão de Marina sobre alguns tópicos específicos como o agronegócio, não?
Em palestra recente na CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), Eduardo Campos foi muito corajoso, ao afirmar para uma plateia de produtores que grande amigo não é aquele que diz necessariamente o que o outro quer ouvir. Ele defendeu um diálogo entre o crescimento do agronegócio e o respeito à sustentabilidade, diferentemente de outros candidatos ouvidos pela plateia. E foi muito elogiado por isso.
O PSB está unido em torno de Marina?
Não acreditamos que hoje haja resistência interna. De tudo que ouvimos, as dificuldades de compreensão eram de segunda monta. Questões leves, discretas, superficiais em relação à grandeza do momento, como por exemplo na manutenção das alianças regionais –especificamente no Rio de Janeiro e também em São Paulo, onde o vice do Alckmin é do PSB. Existe uma compreensão da dificuldade de Marina ir ao palanque nesses casos.
O que são os “sonháticos” dentro da Rede? Não é muita teoria e pouca prática?
É uma visão fundamentalmente humanista, de uma sociedade justa com redução de desigualdades. Estou há 40 anos na política e continuo sonhando, mesmo que este sonho esteja distante, com um projeto a ser construído. Sonho com uma sociedade que se expresse através dos políticos. Se perde isso, o político vira pragmático e deixa de compartilhar.
Dentro da Rede os sonháticos desfrutam um grande prestígio, a maioria deles são jovens que sempre empurram a discussão para algo mais avançado, que não nos deixa acomodar. Mas tem o dia a dia que tem que ser feito. E quando Marina optou por Eduardo, parte dos sonháticos a abandonou. Mas agora estão voltando e muito. E outros vários no processo já haviam acabado por admirar e gostar do Eduardo. Diria que 95% voltaram.
Qual o círculo de pensadores em torno de Marina?
Na economia, Eduardo Giannetti expressa grande parte do que Marina pensa a respeito. E temos o Guilherme Leal, o José Eli da Veiga, o João Paulo Capobianco, Ricardo Young, a Maria Alice Setubal.
E como está a Marina?
Muito emocionada por conta da morte de Eduardo. Sobre ela recai o bastão de levar o legado adiante.
Como a Rede enxerga o legado de Lula e Dilma?
A visão da Rede é de que PSDB e PT deram grandes contribuições ao Brasil, por isso insistimos em não ficar no papel da oposição. Achamos que ao Brasil falta um instrumento de unificação das forças de transição para um novo modelo. Uma sustentabilidade não apenas ambiental mas em todas políticas sociais, culturais, éticas, estéticas e assim por diante. Como PT e PSDB são adversários inconciliáveis, há um prejuízo nas reformas. Nossa proposta é justamente unir as forças dispostas.
Há quem questione a capacidade de Marina enquanto gestora.
Qual era a experiência de FHC ao assumir a presidência?
Plano Real, por exemplo.
Tinha o Plano Real nas costas mas pouca experiência política. Tinha sido acadêmico, parlamentar e foi ministro. Lula menos ainda, nenhuma experiência a não ser como dirigente sindical. O que faz um estadista é seu olhar estratégico. Quanto alguém se diz gerente e não político, como no caso do Collor ou da própria Dilma, aí o país desanda. Daí este governo atual pífio, de desconstrução dos avanços que obtivemos.
E se Marina for eleita, o que acontece com a Rede? Ela sai do PSB?
Isso só vamos tratar depois da eleição. Nem sei se um presidente pode mudar de partido. A institucionalização da Rede nunca foi vista como um problema pelo PSB. A Rede será criada, independente do resultado da eleição. Só nos faltam 50 mil registros de assinaturas.