Comemorar o que?
26/08/14 18:25Um telefonema para Guaracy Mingardi, especialista em segurança pública, mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e doutor pela Universidade de São Paulo (USP).
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Um amigo meu, estrangeiro, leu hoje no jornal que o governo estadual considerou positivo o número de roubos no Estado e na capital em julho, devido ao recuo no ritmo de alta – em relação a julho de 2013, houve 20,3% mais casos na cidade, enquanto que na comparação com o ano anterior em relação a junho, foi de 21%.
E daí ele comentou, ‘isso é decretar a falência social’.
Não chega a ser isso. Mas comemorar um número tão alto é ruim porque assim o Estado está introjetando esse dado como se fosse natural. E não é natural. Se o número de roubos estivesse estabilizado, eles até poderiam comemorar, com algumas ressalvas. Agora, comemorar a essa altura não dá, porque isso implica que o Estado não consegue controlar o comportamento criminoso. O número de roubos continua aumentando faz três anos.
O que está acontecendo?
Primeiro é preciso lembrar que o furto implica menos risco para a vítima que o roubo, pois ele é feito às escondidas. Já o roubo é o que a gente conhece como assalto, implicando algum tipo de violência. O que importa dizer é que há dez anos o número de furtos era maior que o de roubos. E no ano passado, o número de roubos de veículos por exemplo, ultrapassou o de furtos. O número de roubos está aumentando de forma geral, e isso é importante porque o roubo implica ameaça, a pessoa corre risco.
Qual a curva de crescimento do número de roubos?
Alguns anos atrás era mais estável, mas começou a crescer vertiginosamente. E o roubo prolifera porque quanto mais o bandido se sente impune, mais pratica.
Onde está a raiz do problema?
Não adianta só fazer patrulha. Se você coloca um monte de policial fardado em um semáforo, o bandido só não vai atuar naquele cruzamento. Ele busca um outro, é simples. Só muda o local do crime. O que é necessário é que haja mais investigação. Identificar e prender. Só isso e mais nada funciona contra o criminoso profissional.
A quantas anda a investigação policial?
Devagar. Nos últimos 30, 40 anos, a Polícia Civil vem ficando cada vez mais burocrática. Preenche mais papel e investiga menos. Então a investigação anda parada. O número de inquéritos produzidos pela polícia é mais ou menos constante enquanto o de crimes aumenta. A verdade é que hoje só são presos ladrões em flagrante.
Como chegamos a essa situação?
Nosso sistema é altamente burocrático. Mesmo quando um bandido é identificado, você precisa de um inquérito de mais ou menos 200 a 300 páginas obrigatoriamente, porque a Justiça pede isso. Eles querem tudo pormenorizado.
O governo atribui o aumento do número de roubos ao boletim eletrônico, que desde o fim do ano passado registra crimes de roubo.
Basta então comparar 2013, quando este sistema ainda não estava em vigor, e 2012. 2013 foi superior a 2012. Não tem jeito, 20% é um aumento muito grande. O novo sistema pode até pesar um pouquinho. Mas há outros fatores. Aumentou o número de bens que as pessoas levam para as ruas, como tablets e celulares, por exemplo.
Qual a diferença do roubo praticado na periferia e nas regiões de classe média?
Na periferia a vítima é mais o transeunte. Nas regiões de classe média, em casa ou dentro do carro.
Como avalia a política de segurança pública estadual?
O que falta é priorização. Em segurança pública o cobertor é curto, não dá pra fazer tudo ao mesmo tempo. É preciso priorizar os crimes que envolvem risco à vida, e roubo é um deles. Esta falha não é desta administração especificamente, é dos últimos 30 anos. Na prática a polícia continua agindo como agia antes.
Na primeira gestão de Covas, vínhamos de Carandiru. Os policiais estavam matando demais e a prioridade era essa. Já no final dos anos 90 os homicídios estavam crescendo pra burro, e então esta foi a prioridade. Mas de lá pra cá não vejo prioridade. Nem o combate ao PCC é prioridade.