Fernando Meirelles: por que decidi apoiar Marina
24/09/14 15:47“Dilma e Aécio são cabeças desenvolvimentistas e centralizadoras, vejo-os como criaturas do século 20”.
“Partidos no Brasil, não significam nada”.
“O forte (da campanha de Marina) é a mensagem e não a produção como no programa do PT que por ser muito rico é também muito bem realizado. Agora no segundo turno, com 10 minutos para cada candidato o equilíbrio deve favorecer a Marina que não precisará gastar seu precioso tempo desmentindo o que foi inventado. Se com 1/5 do tempo e 1/5 do dinheiro ela ainda se mantém em primeiro lugar nas pesquisas quero crer que no segundo turno, com equilíbrio de tempo, a situação fique mais favorável”.
“Dilma prometeu que faria o diabo na campanha e ao menos esta promessa está cumprindo. Até amigos petistas se dizem constrangidos com a truculência desleal. Outro dia li uma frase que resume bem esta campanha do PT: ‘Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade’, a frase vinha assinada por João Goebbels Santana (sic). Foi na mosca, é exatamente dali que vem a inspiração do marqueteiro-mor. Como se pode votar numa candidata cujo principal colaborador é um marqueteiro que lhe aconselha a mentir e ela obedece?”.
Engrossando o time de artistas que apoiam Marina Silva, como Wagner Moura, Gil, Caetano, Marcos Palmeira, Adriana Calcanhoto, Arnaldo Antunes, Maria Fernanda Cândido, está o cineasta Fernando Meirelles, diretor, entre outros, de “Cidade de Deus” e “Blindness”, e sócio da produtora de filmes 02.
Muito se tem especulado sobre a participação de Meirelles na produção dos filmes da campanha. O cineasta afirma que está acompanhando a campanha “por tabela”, pois no momento está rodando uma mini-série em Brasília, e o tempo vago disponível é pouco.
Interlocutores de Marina dizem que o cineasta está prestando uma espécie de consultoria informal para a equipe comandada pelo argentino Diego Brandy, responsável pelos programas de TV. Segundo a Veja, por exemplo, Meirelles sugeriu que a vida pessoal de Marina fosse abordada com mais ênfase.
Em 2010, quando foi candidata ao Planalto pelo PV, Marina contou com o apoio de Meirelles, que dirigiu uma de suas peças na TV, com pouco mais de um minuto.
Quanto à mini-série que está sendo rodada, chama-se “Felizes Para Sempre”, escrita por Euclydes Marinho. É uma espécie de adaptação livre de “Quem Ama não Mata”, uma mini-série do mesmo Euclydes Marinho, dos anos 80. “A história se passa em Brasília porque faz tempo que eu queria filmar aqui. A cidade é linda e ninguém conhece nada fora os monumentos. É uma história sobre relacionamentos com um crime passional no final. Mentiras, desejos, dilemas morais”, explica Meirelles.
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Que está achando do quadro da sucessão presidencial?
Estou achando bom ver a disputa entre PT e PSDB perder o protagonismo nestas eleições. Vença quem vencer, o fim da polarização pretendida pela Marina já foi alcançada. Disseram que seria impossível quebrar essa lógica mas a história, como uma fila, anda. Boas ideias e boas cabeças ainda são detonadas apenas por virem do campo “inimigo”, isso tem que acabar.
Como você se define politicamente?
Se a pergunta se refere a direita ou esquerda acho que fico fora deste mapa. Votei no Lula muitas vezes, mas quando vi que o sistema de troca de cargos por apoio havia sido institucionalizado por ele deixei de votar no PT. Hoje busco candidatos que tenham propostas interessantes principalmente para educação e meio ambiente. Meu deputado será o Ivan Valente, do PSOL, meu senador será do PSDB, para presidente a Marina. Vou pelo perfil do candidato e pelo programa. Partidos no Brasil, com este sistema de loteamento de cargos e alianças partidárias, não significam mais nada.
Como enxerga o Brasil hoje?
Enxergo o Brasil com certa ansiedade por duas razões: a primeira é que, segundo o IBGE, o Brasil está dentro de uma janela demográfica muito favorável, nossa população deixou de crescer e por um período curto teremos menos crianças e menos idosos para sustentar, e a maior parte da população, ativa. Foi nesta situação que muitos países da Europa conseguiram enriquecer no século 19. Sempre que se vê países que deram um salto em seu desenvolvimento constata-se que este salto foi dado dentro desta janela demográfica. Esta é a nossa hora.
O problema é que para darmos este salto, mais do que portos ou pré-sal, precisamos de educação e é daí que vem a minha ansiedade, a educação no Brasil está patinando há uma década. Até o final dos anos 90 conseguimos universalizar o acesso a escolas mas o próximo passo, que seria melhorar a qualidade do ensino, não aconteceu. Foi frustrante olhar os resultados do último IDEB publicado no mês passado.
A janela demográfica brasileira terá seu ápice em 2025 e se fecha por volta de 2055 quando então passaremos a ser uma nação com mais idosos e com o custo que isso implica. Se nos próximos 15 anos não dermos uma virada no sistema educacional do país poderemos perder este bonde e estaremos condenados a ser uma nação sucateada. Ao ver como estão nossas escolas minha ansiedade se justifica. O relógio está correndo.
A segunda razão da minha ansiedade é ver a maneira como temos lidado com o meio ambiente. Uma árvore na Amazônia capta em média 500 litros de água do solo e joga na atmosfera através da “transpiração”, criando os rios aéreos que irrigam não só a maior parte do Brasil mas toda a América Latina a oeste dos Andes, ou seja, cada árvore derrubada na Amazônia significa 180 mil litros a menos de chuva no país no ano seguinte, mas continuamos cortando. Ironicamente, são justamente os que mais dependem desta água, os ruralistas, que fazem pressão para poderem abatê-las ou não ter que replantá-las. Não sei qual a dificuldade de se entender que derrubando as torneiras lá no norte secaremos o país. A tendência é termos mais secas como esta que estamos vivendo em SP, não vai ser bonito.
Por que decidiu apoiar Marina?
Apoio a Marina justamente por que sei que ela compreende essas questões. Ela sabe que combater o aquecimento global e preservar as florestas não é um cacoete poético de eco-chatos, mas uma condição vital para o nosso futuro. Como educadora a Marina também conhece as deficiências da nossa educação e fala em criar uma “escola que ensine”, o que parece um pleonasmo, mas não é. Sua escudeira, a Neca Setubal, trabalha com educação há 25 anos e tem ideias muito boas para dar um “sacode” nas nossas escolas. Aliás, o bom time que a rodeia também é razão para eu dar meu voto. A Marina tem bom senso, vê os brasileiros não só como números mas como indivíduos que tem uma psique, faz diferença pensar em cidadãos e não em massa de eleitores ao olhar para o país.
Como foi essa aproximação?
Durante a campanha “Florestafazdiferença,” que tentou combater as mudanças nocivas aprovadas pelo novo Código Florestal , me aproximei de pessoas ligadas a Marina e vim a conhecê-la. Sua visão do país a longo prazo e seu pensamento estratégico me encantaram de cara como encantam a todos que tem a oportunidade de escutá-la sem pensar nas bobagens que tentam colar nela.
Como tem se dado esse apoio ou seja, em que medida está participando da campanha?
Como estou rodando uma mini-série em Brasília não estou perto da campanha, acompanho por tabela. Raramente consigo assistir o que vai ao ar por causa do horário. Rodamos todos os dias até às 11 da noite. O que vi foi pela internet. O forte é a mensagem e não a produção como no programa do PT que por ser muito rico é também muito bem realizado. Agora no segundo turno, com 10 minutos para cada candidato o equilíbrio deve favorecer a Marina que não precisará gastar seu precioso tempo desmentindo o que foi inventado. Se com 1/5 do tempo e 1/5 do dinheiro ela ainda se mantém em primeiro lugar nas pesquisas quero crer que no segundo turno, com equilíbrio de tempo, a situação fique mais favorável.
Quais os pontos fortes e pontos vulneráveis de Marina e da campanha de Marina?
Paradoxalmente alguns pontos fortes são também os pontos vulneráveis da Marina. Ela tem alguns princípios e uma coerência interna que não flexibiliza. Isso às vezes complica sua própria vida. Por exemplo, ela não quis apoiar o Alckmin em SP. Teria sido mais fácil apoiá-lo, ela teria tido menos desgaste e quem sabe o Aécio não estaria atacando-a tão pesadamente agora, mas como ela defende uma alternativa ao Fla-Flu entre PT e PSDB, não se permitiu apoiar um candidato de um destes partidos pois seria incoerente. Faz sentido, mas ela pagou um preço alto por isso e sempre paga. Aliás ela perdeu seu cargo de ministra justamente por esta razão, para não ser obrigada a fazer o que condenava. “Perco a cabeça mas não perco o juízo”, disse na época.
Que pensa de Dilma e de Aécio? Do PT e do PSDB?
Ambos tem cabeças desenvolvimentistas e centralizadoras, vejo-os como criaturas do século 20. Ficaram para trás, o mundo já não é mais o que imaginam, as decisões não vem mais do centro, hoje o mundo funciona em rede. Fora isso, o PT e o PSDB, sabe-se lá por que razão, nunca conseguiram se unir pelo bem do país, criando espaço para o que há de pior na política se transformar no fiel da balança e dar as cartas no jogo do poder. Ganhando PT ou PSDB sabemos que lá estarão novamente Sarney, Renan, Barbalho, Alves e esta turma que tem atrasado o país. Tanto faz se vencer um ou outro pois em ambos os casos será o Sarney quem vai indicar o ministro das Minas e Energias de qualquer maneira. Estou fora.
Quando a Marina fala em sair deste Fla-Flu o que está querendo fazer é o que deveria ter sido feito há 10 anos, juntar o que há de melhor nestes dois partidos e dar um chega para lá no PMDB, que vive dependurado no poder. Numa de suas falas ela chamou esta turma de “sequestradores dos sonhos do PT” e concluiu que o PT sofre de síndrome de Estocolmo, se apaixonou pelo seus sequestradores. Faz sentido.
Sem reforma política não corre o risco de, se eleita, Marina se ver obrigada a compor com os velhos caciques da política para conseguir uma condição mínima de governabilidade?
Pelo que entendi, se eleita , a ideia será buscar apoio a pontos do programa e não apoio partidário. Não haverá a “base aliada”. Mesmo assim ela conta com uns 180 parlamentares que a apoiarão, mais uns 250 que podem ir e vir e segundo li, uns 106 que não votarão com ela de maneira nenhuma. Isso é bem melhor do que tinha o Collor quando assumiu e pelo bem ou pelo mal, ele conseguiu mexer em alguns vespeiros. Se eu tiver que acreditar que não se governa no Brasil sem o Sarney prefiro me mudar para a Mauritania.
A Marina está disposta a esvaziar o super-poder dos caciques e sabe que não será fácil, talvez tenhamos muitas crises no começo de um possível mandato pois ninguém perde seu poder impunemente, mas acho que valerá a pena estas crises. Ninguém faz um omelete sem quebrar os ovos, temos que passar por isso uma hora ou outra, nem PSDB e nem PT tiveram coragem ou conseguiram defenestrar a turma lá, torço por ela.
O que há para ser feito em termos de política áudio-visual no Brasil?
Desde 1993, quando foi criada a lei do áudio-visual, as políticas públicas para o setor vem sendo aperfeiçoadas. A criação da Ancine, o Fundo Setorial do Audiovisual, a Lei da TV Paga são iniciativas acertadas. Evidentemente há inúmeros ajustes de rota a serem feitos mas hoje o audiovisual já representa 0,48% do PIB, isso é mais do que a indústria farmacêutica e 3 vezes mais do que o turismo gera no Brasil. Escolas de cinema foram abertas por todo lado e ha um exército de jovens profissionais com formação entrando no mercado. Alguns colegas vão discordar mas, apesar de precisar de acertos, não é aí que moram os problemas do Brasil.
Como avalia as campanhas políticas na TV? Que tem achado da campanha de Tiririca por exemplo?
A maneira de se fazer campanha no Brasil precisa ser reformada a começar pelas regras de financiamento. A troca de financiamento por contratos ultrapassou todos os limites do razoável. Me desculpe o Tiririca que tenta ser engraçado, mas a atuação da JBS, da Odebrecht, da OAS, da Andrade Gutierrez , da Camargo Correa e de suas co-irmãs em campanhas políticas, é que é uma piada.
Quanto ao Tiririca, nunca escondeu que é um palhaço, aliás uma profissão que tem seu encanto, neste sentido ele faz uma campanha muito honesta. Se um palhaço deve ou não estar no Congresso, cabe aos eleitores e não a ele decidir. De qualquer maneira nós o vemos ali e se nos recusarmos a aceitá-lo, isso é como recusar a aceitar que o rei está nu.
O marketing político enquanto estratégia para se ganhar mais votos – isso é salutar para a democracia?
Da maneira como tem sido usado não é nem um pouco salutar, hoje o marketing e a mentira se confundem na política. A mentira como estratégia de campanha pode até funcionar por um tempo mas não se sustenta a longo prazo e não constrói uma nação. Mas nem todos pensam assim. Outro dia li uma frase que resume bem esta campanha do PT: “Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”, a frase vinha assinada por João Goebbels Santana (sic). Foi na mosca, é exatamente dali que vem a inspiração do marqueteiro-mor. Tanto Goebbels como nosso Santana acreditam que a força da repetição gera um fato. Mais impressionante é ver como a presidente se presta às ideias que ele lhe empurra goela abaixo, tenho certeza que ela faz isso com certo constrangimento. Se bem que ela prometeu que faria o diabo na campanha e ao menos esta promessa estácumprindo. Até amigos petistas se dizem constrangidos com a truculência desleal. Como se pode votar numa candidata cujo principal colaborador é um marqueteiro que lhe aconselha a mentir e ela obedece?
Em 2005, você próprio concedeu uma entrevista dizendo que fez campanhas para o PMDB e o PT nos anos 80, e que recebeu parte do dinheiro sem emitir nota fiscal. Na entrevista, disse que nunca mais faria programas políticos. No entanto produziu uma peça para Marina em 2010 e agora atua como uma espécie de consultor informal.
É fato. Nos anos 80, moleque, fiz um programa político para o PT e uma campanha para o Álvaro Dias, então candidato do PMDB a governador do Paraná. Em ambos os casos recebi uma parte do que que era devido sem emitir nota, como fazem alguns dentistas. Era assim que funcionava com todos os partidos.
Ao sabermos que um recibo bastaria ficamos com o pé atrás e por esta e outras razões criou-se uma crise entre a garotada que estava junto comigo e o PMDB, e o trabalho foi terminado num clima muito tenso.
No ano seguinte pagamos o imposto devido e uma enorme multa e de fato resolvi nunca mais trabalhar com política e não trabalhei. Na verdade esta entrevista que você menciona nem era uma denúncia, até porque esta era a prática corrente nos anos 80, eu estava apenas respondendo uma pergunta do jornalista sobre o por que de nunca mais ter feito programas políticos.
Minha ajuda na campanha da Marina em 2010 foi voluntária, queriam contratar a minha produtora, com nota, mas preferi não participar, o pouco que fiz foi como uma doação, não remunerado. Qualquer coisa que eu venha a fazer ligada a partidos será por convicção, nunca mais como trabalho profissional.
Como te soa o fato de Marina ser evangélica?
Não tenho problema nenhum com isso. Só faltava começar a discriminar a fé alheia. Já fizeram isso na Alemanha, na Irlanda e em muitos outros lugares ao longo da história e nunca deu certo. Ha evangélicos retrógrados, católicos retrógrados e ateus retrógrados. Porque conheço um ateu que é um imbecil não posso concluir que todos os ateus sejam imbecis.
Recentemente houve uma mudança no seu programa de governo, sobre a questão dos direitos LGBT.
Foi um grande vacilo ter mudado o texto mas o fato é que o programa do PSB, mesmo sem a criminalização da homofobia, avança na defesa das minorias. Em termos de recuo o governo foi mais longe que o PSB quando recolheu o famoso “kit-gay” por pressão da bancada evangélica, de quebra ainda deu um belo prejuízo ao recolher material já pronto para a distribuição. O fato é que embora totalmente razoável, o combate a homofobia está longe de ser um consenso no Brasil. Aliás, para saber como a Marina sempre se portou diante da questão, vale ler este depoimento de um petista: http://terramagazine.terra.com.br/blogdaamazonia/blog/2014/08/28/marina-pode-ser-elo-dos-religiosos-com-o-movimento-gay-diz-lider-lgbt-do-acre/
E mais uma: li hoje que a Marina Silva saiu numa lista do “The Guardian” das 50 pessoas que podem mudar o mundo. Certamente isso se deve a sua postura em relação ao meio ambiente. O Brasil poderia conseguir um protagonismo no mundo sob sua presidência, coisa que Lula tentou sem sucesso. Por outro lado, na cúpula do clima em NY ontem, Dilma se recusou a assinar um documento se comprometendo a acabar com a derrubada de florestas. Até onde vai a cegueira e falta de visão estratégica deste governo? Quando falo em visão do mundo do século 19 não estou fazendo frase de efeito. É de uma pobreza atroz.