"Devemos sempre nos guiar pelo afeto"
04/10/14 20:56O apresentador Marcelo Tas, 54 anos, tem três filhos. Dois deles, Miguel e Clarice, de 13 e 9, do casamento com a atriz Bel Kowarick. E Luc, gerado em Nova York, fruto do relacionamento com a figurinista Claudia Kopke.
Luc se descobriu bissexual aos 15 e aos 22, transexual. Hoje, aos 25, Luc – nascido Luíza – mora em Washington, exerce a advocacia e é casado com Nicholas, também transexual.
“Uma novidade desse tamanho sempre é surpreendente, mas creio que eu faça parte talvez de uma primeira safra de pais que souberam acolher e tratar com mais naturalidade a questão de forma transparente”, disse Tas, em entrevista à revista Crescer.
“Foi fundamental o contato com o colégio para entender a extensão e consequência da saída dele do armário na adolescência. Para minha surpresa, e até alívio, percebi que casos de homossexualidade e bissexualidade entre adolescentes eram muito mais comuns do que eu imaginava”.
“Sou muito sortudo. A realidade é que minha família sempre me apoiou em tudo. Eu contei que era bi quando ainda era muito novo, e eles nem piscaram. Quanto a eu ser trans, acredito que foi um pouco mais difícil, tanto para mim quanto para eles. (…) Hoje em dia, eles sempre usam os pronomes certos para se referir a mim (ele/dele, etc.) e meu nome (Luc)”, disse Luc, também em entrevista à Crescer.
Segundo Tas os filhos Miguel e Clarice “deram aula” sobre como conduzir o assunto. Aos pais Clarice disse que sempre percebeu que Luc não gostava de usar roupas femininas e que tinha certeza de que ele estava fazendo a coisa certa.
“Eu fico surpreso e até esperançoso de ver como as crianças nos ensinam a tratar assuntos aparentemente espinhosos e complicados de uma forma generosa e elevada”, diz Tas.
A este blog Tas falou sobre o aprendizado com a orientação sexual do filho – “aprendi uma coisa tão óbvia quanto difícil de praticar: que devemos sempre nos guiar pelo afeto. Só assim temos chance de superar o estágio de atraso e preconceito que vivemos no Brasil, um país aparentemente liberal mas extremamente violento quando o assunto é sexualidade”.
E de quebra sobre os desafios do CQC, que anda com a audiência em baixa. “Audiência menor é a fase atual não apenas do CQC mas de toda TV aberta. Aliás, de uma forma mais ampla, de todos os veículos inclusive de jornais e revistas que vivem hoje uma fase de audiência menor do que já tiveram no passado. O motivo é tão óbvio quanto pouco encarado com profundidade: o público leitor e telespectador tem novas telas e um novo comportamento diante delas”.
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Você disse que a sexualidade é assunto que nos desafia desde que o mundo é mundo. O que aprendeu em termos de sexualidade com esse processo do Luc?
Não conheço um ser humano- independente de ser hetero, gay, trans ou bi- que não tenha conflitos em relação à sua sexualidade. Antes de julgar os diferentes, cada um deveria contemplar a própria dificuldade em lidar com o assunto sexo. Com o Luc ampliei minha consciência sobre as questões de gênero e sexualidade. Hoje convivo com mais tolerância e generosidade em relação à vida sexual alheia e à minha própria.
Como entender a ideia de alguém que nasce menino “preso” no corpo de uma menina?
Todos nascemos e vivemos presos a um corpo. A vida é uma correria que tem como prêmio na reta de chegada a finitude do corpo físico. Me parece que o que resta a nós, pobres mortais, é cultivar alguma forma de transcendência para nos safar dessa prisão e aperfeiçoar nossa breve passagem por este mundo. Para alguns, este aperfeiçoamento passa por uma questão de gênero, para outros pela questão religiosa ou pela psicanálise, pelas artes e até pelo trabalho… Quem pode julgar o caminho do auto-conhecimento alheio?
O que foi feito em termos de tratamento hormonal ou intervenção cirúrgica?
Sua pergunta me fez lembrar a resposta da atriz Laverne Cox, que é trans, à grande entrevistadora Katie Couric quando indagada sobre sua anatomia no lançamento da série “Orange Is The New Black”. Laverne educadamente disse que esse tipo de pergunta limita o debate de temas mais amplos. Eu concordo com ela. Ninguém até hoje perguntou ao Tom Hanks se ele tem pau pequeno, por exemplo. Talvez tenha, ou não. E isso não tem tanta importância.
Desde quando Luc está morando nos Estados Unidos e por que? Seria a vida de um trans mais fácil por lá? Ele está namorando um homem?
Luc cursou Direito na PUC do Rio. Em 2012, num intercâmbio nos EUA, ganhou uma importante competição- a Inter American Human Rights Moot Court- entre alunos da American University, em Washington-DC. Conquistou a admiração de uma de suas ilustres professoras, Catalina Botero, relatora da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA. Desde 2013, Luc trabalha diretamente com ela, na sede da OEA em Washington, na defesa da liberdade de expressão e direitos humanos na América Latina. Esta é a razão dele viver na capital dos EUA, onde se casou com Nicholas, seu marido que também é trans.
Laerte é uma inspiração?
Laerte é uma inspiração e um grande amigo. Ou melhor, amiga. Estou sempre pedindo desculpas aos trans pelas minhas dificuldades com os pronomes. Sou um homem antigo, aprendo devagar e espero que eles tenham compaixão de mim.
O que você como pai de Luc aprendeu com tudo isso? O que há em termos de direito LGBT para serem conquistados no Brasil?
Aprendi uma coisa tão óbvia quanto difícil de praticar: que devemos sempre nos guiar pelo afeto. Só assim temos chance de superar o estágio de atraso e preconceito que vivemos no Brasil, um país aparentemente liberal mas extremamente violento quando o assunto é sexualidade. Não estou falando apenas dos direitos LGBT. Falo também de crianças e mulheres que são cotidianamente importunadas por trogloditas, estupradas de forma cruel e sistemática diante dos nossos olhos passivos e atarantados.
Você já fez piada com bissexualidade ou trans? No CQC alguém já fez? Como você reagiu? Até que ponto uma piada pode ser permeada de preconceito?
O CQC faz piada com tudo, inclusive com sexualidade. Não vejo problema nisso. O humor vive de escancarar a dificuldade humana em reconhecer sua precariedade. A única coisa que não se pode admitir numa piada é que ela não tenha graça. O comediante também nunca deve esquecer de rir de si mesmo. Senão ele vira um caga-regras e uma piada egóica dele pode virar tema de debate sub-intelectual.
Sobre o CQC, ouço comentários de que o programa nunca esteve tão ruim. Audiência menor e necessidade de renovação. Que a própria Band estaria discutindo como trazer oxigênio ao programa, e que ele perdeu relevância política e a aura de trazer novidades e polêmicas para a tela. Poderia comentar a respeito?
Renovação é necessidade permanente da TV, mídia gulosa por novidades. Só quero comentar uma característica brasileira curiosa: a dificuldade de lidar com o que permanece. Veja, por exemplo o caso do meu querido amigo Jô Soares. Depois de décadas de sucesso e talento indiscutíveis, ainda tem gente querendo o destruir questionando a habilidade dele como entrevistador. É espantoso e infantil, com a devida desculpas às crianças. Da mesma forma, volta e meia, me chegam comentários de gente irrelevante, que desconhece o ofício do fazer televisão, dizendo de uma suposta irrelevância do CQC.
A história do CQC fala por si. Em sete anos, o programa virou referência no humor e no telejornalismo brasileiros. Influenciou e continua influenciando uma geração de comunicadores e comediantes, revelando uma quantidade indiscutível de talentos.
Entenda, não estou negando altos e baixos inerentes a qualquer atividade artística, especialmente num veículo de alta exposição como a televisão. Audiência menor é a fase atual não apenas do CQC mas de toda TV aberta. Aliás, de uma forma mais ampla, de todos os veículos inclusive de jornais e revistas que vivem hoje uma fase de audiência menor do que já tiveram no passado. O motivo é tão óbvio quanto pouco encarado com profundidade: o público leitor e telespectador tem novas telas e um novo comportamento diante delas.
A TV aberta por conta do DNA “broadcast” dela, de só transmitir, tem uma dificuldade extra em lidar com a nova era digital onde a comunicação é multidirecional. Temos que aprender a ouvir e nos comunicar com o público 24 horas por dia, sete dias por semana e não só na hora do programa. Com coragem e ousadia, a televisão pode encontrar nessa crise uma excelente oportunidade para se reinventar.
Você tem vontade de continuar no programa? Seu talento talvez seja maior que a bancada do CQC…
Estar na bancada do CQC durante todos esses anos tem sido uma tarefa tão honrosa quanto desafiadora. Contracenar com os grandes talentos de uma geração de comediantes é um privilégio precioso. Meu contrato vai até o fim do ano. De uma certa forma, é o final de um ciclo da minha contribuição ao CQC. Antes de tomar qualquer decisão sobre continuidade, quero ouvir a Band. Sou grato à emissora pela forma como fui acolhido. Espero continuar e que nossos planos sejam convergentes.
Quais seus planos para o futuro? Gostaria de apresentar uma atração própria?
Não tenho, de verdade, o sonho da atração própria. O meu plano sempre é o mesmo: me divertir e ser desafiado pelos projetos onde atuo. Creio que os grandes desafios atuais são: usar a internet para aperfeiçoar a comunicação com jovens e crianças; e fazer TV e rádio para todas as gerações. Como se diz por aí, o futuro já é.
Que tem achado do encolhimento da programação infantil na grade da TV aberta?
As emissoras estão dando um tiro no pé, deixando de conquistar o futuro telespectador. Boa parte da culpa desse verdadeiro crime que é não atender as crianças na TV aberta é de um grupo de bem intencionados que conseguiu barrar a publicidade para as crianças. Não sou contra a regulação da publicidade. A pura e simples eliminação dela é um pensamento paternalista que envia o seguinte recado: atenção senhores pais, voces não tem competência para educar seus filhos, nós vamos fazer isso por voces. Sou cotidianamente abordado por populares que me assistiam no Rá-Tim-Bum dizendo que hoje não tem uma emissora aberta para deixar seus filhos assistirem TV. São os sem TV por assinatura, órfãos dos bem intencionados.
Sobre as eleições, que está achando da campanha presidencial?
Foi uma campanha de baixa qualidade. Parecia briga de vizinho ranzinza que só discute picuinha. Candidatos engessadinhos, alguns chatíssimos ou simplesmente burros. Comunicação e dicção no nível da mocinha do telemarketing. Continuamos no império dos marketeiros e da maior aberração da mídia mundial: o tal horário eleitoral que não tem nada de gratuito. Para sacramentar essa bobageira, a infeliz Lei Eleitoral que agora censura até a Internet, impede o livre debate justamente na hora que a gente mais precisa dele. Infelizmente, a democracia brasileira está andando de lado, na melhor das hipóteses.
Não é uma loucura que o Maluf quase tenha concorrido a esta eleição? Gosta da campanha do Tiririca?
O Tiririca, antigo palhaço genial da TV, se tornou um oportunista que faz Maluf parecer um novato. Loucura mesmo são os inúteis candidatos nanicos. Sempre me sinto pagando algum pecado a Papai do Céu quando tenho que aguentar o blablablá de Levy Fidelix ou Luciana Genro.
Gosta de alguma campanha? Será que a campanha na TV não tinha que ser abolida?
Vale registrar a espontaneidade e humor do Eduardo Jorge. Pena que o partido dele, o PV, seja tão trivial e insosso como os outros. Sobre abolir o horário eleitoral, acho uma grande ideia. Sou a favor do Voto Distrital que resolveria parte dessa bizarrice eleitoral.