A economia sob a perspectiva dilmista
09/10/14 17:39O ajuste fiscal na economia não é necessário. Não há necessidade de um “tranco”. O que faz o governo Dilma é trazer a inflação para o centro da meta de forma gradual. A inflação, a propósito, não está fora da meta -está fora do centro, e continua dentro da banda de flutuação. E o brasileiro não deve se deixar impressionar pelo crescimento abaixo da expectativa. Esta seria uma visão limitada pelo curto prazo.
Em linhas gerais, neste segundo turno teremos o embate entre um modelo de austeridade fiscal entrelaçado com responsabilidade social, representado pelo governo Dilma, e uma visão neoliberal clássica simbolizada pela candidatura Aecio Neves.
Este é o diagnóstico do economista Marcio Pochmann, um dos principais quadros do PT, ex-presidente do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), hoje à frente da Fundação Perseu Abrahmo, espécie de think tank do partido.
Pochmann apresenta uma visão crítica sobre o Plano Real e ataca a privatização da Vale do Rio Doce. Sobre a Petrobras, arremata: “É preciso saber se a Petrobras é do Brasil, ou se o Brasil é da Petrobras”.
Indagado sobre o represamento das tarifas, em entrevista a este blog, Pochmann defendeu a manutenção dos preços administráveis, e disse não enxergar exagero algum no controle dos gastos públicos.
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Acho que a gente podia falar do pleito, inicialmente. Quais são suas considerações?
Para contextualizar, em primeiro lugar, estamos diante da mais grave crise do capitalismo. Tem seis anos que a crise de 2008 se iniciou e não há, portanto, um desfecho ainda.
É a pior de todas?
Depois da depressão de 1929 , essa não tem paralelo. Estamos num cenário internacional desfavorável, na semana passada o próprio FMI soltou um documento que analisa uma trajetória de quase estagnação da economia mundial. Então, é um quadro internacional complexo, e estamos realizando a sétima eleição presidencial desde que transitamos da ditadura para a democracia.
Essa, possivelmente, é a eleição mais importante do mundo nesse ano, porque ela é de certa maneira uma eleição divisora de águas na medida em que você tem dois modelos de enfrentamento da crise, olhando em termos internacionais.
Nós temos um modelo que é um pós-70, um modelo de sociedade que de certa maneira libertou os ricos de uma perspectiva de que é possível os ricos ficarem ricos sem necessariamente elevar o bem-estar dos pobres, que é a trajetória que se percebia até a crise de 29. Ali você tinha a expansão da riqueza sem trazer consigo uma melhora do bem estar material dos mais pobres. Então, o capitalismo convivia com desigualdades imensas no final do século XIX e começo do século XX.
Hoje, nós estamos vendo que nesse modelo, que está em curso nos EUA e na Europa, é inegável a ampliação das desigualdade –não obstante a melhora da renda dos ricos; esse é um modelo que é uma alternativa de enfrentamento à crise em que você descola as grandes rendas da possibilidade de que os de baixo melhorem.
De outro lado, nós temos um outro modelo que é um modelo que se construiu na saída da segunda guerra mundial em que, para que os ricos pudessem continuar com sua riqueza, era necessário ancorar a melhora do bem-estar dos mais pobres. É o projeto que durou praticamente quase 30 anos nos EUA e na Europa e que é conhecido como os quase 30 anos gloriosos do capitalismo do pós-guerra. Os ricos continuaram ricos, evidentemente, mas houve uma melhora dos de baixo e construiu-se uma sociedade menos desigual.
Nós nunca tivemos isso no Brasil, por várias razões, e essa a meu modo de ver é a tentativa que se constitui com a vitória do Lula em 2002, com o objetivo de se construir um crescimento que precisa ser acompanhado da elevação do bem-estar material dos mais pobres sem que isso signifique prejuízo para os mais ricos.
Então, ao meu modo de ver, nós estamos diante dessas circunstâncias, de dois caminhos de como enfrentar o cenário desconfortável de uma crise de dimensão global. Essa eleição vai desempatar. Desempatar o que? Os 12 anos que tivemos de 90 a 2002 – com a ressalva de que obviamente são governos diferentes, tem o Collor, o Itamar e o próprio FHC… -, e os 12 anos de PT.
O Plano Real foi importante?
Com o Collor se estabelece uma perspectiva de que o Estado é o problema do país, e portanto o Estado tem que passar por modificações etc. Tem diferenças das duas gestões FHC para o Collor, mas ali também está claro que o Estado é o problema. É óbvio que eu não quero dizer que o Collor é igual ao FHC, mas no fundo tem ali uma linha que conduz uma perspectiva comum de que o Estado é o problema.
Eu diria assim, que de 2003 até agora, tem uma perspectiva de que o Estado é parte da solução. Obviamente que o Estado é problema também, assim como o setor privado tem problemas.
Então são 12 anos de uma perspectiva e 12 anos de outra e essa eleição é uma eleição que vai desempatar.
Eu fiz uma entrevista com o Fabio Wanderley Reis há um tempo e ele falou que na visão dele houve um círculo virtuoso que passava pelo Plano Real e desembocava no Lula. Como isso te soa?
Eu, na verdade, não concordaria, pois acho que o Plano Real na verdade se resumiu a um projeto de estabilização da inflação e não a um projeto de desenvolvimento econômico como fora o PAEG da ditadura em 64. O PAEG foi um plano para combater a inflação, mas ao mesmo tempo um plano que estabilizava a inflação e estabelecia um projeto de desenvolvimento. O Plano Real não conseguiu isso porque na verdade a taxa de expansão da economia foi baixíssima, conviveu com alto desemprego.
Até porque também tinha aquela perspectiva de que o desenvolvimento é quase que espontâneo das forças de mercado. Se você faz a estabilização a economia arranca por si só e vai embora, essa era a ideia. Então combatendo a inflação você leva a essa expansão.
O Plano Real trouxe estabilização.
Obviamente que a estabilidade monetária é um passo importante mas ela não é suficiente por si só.
E as privatizações, quando se fazem necessárias?
Eu diria o seguinte: na verdade, estamos discutindo a questão do Estado. A meu modo de ver, acredito que há espaço para o Estado não estar presente na economia brasileira, mas há setores que ele deveria estar presente e não está. O que estou querendo falar em relação a isso? Na segunda metade dos anos 1950, a única fábrica montadora de veículos no Brasil era estatal, a Fábrica Nacional de Motores e, por outro lado, você olhava o Brasil da época e nós não tínhamos uma rede nacional de energia elétrica, não tínhamos um sistema de telefonia decente (tinha aquela música que dizia, “Rio de Janeiro, cidade que me seduz, de dia falta água e de noite falta luz”). Prevalecia o modelo privado e as empresas obviamente davam água e energia para quem tinha dinheiro para pagar.
Não estou cobrando isso, é a natureza do capitalismo isso, tá certo? O problema é que somos um país de dimensões continentais. Deixado nessas circunstâncias, você não vai unificar o país. Então, ali, o JK faz uma opção: ele privatiza por exemplo a Fábrica Nacional de Motores e há um movimento de estatização da telefonia e do setor elétrico brasileiro. Isso, na verdade, permitiu fazer um movimento de integração nacional.
Esse, ao meu modo de ver, é um fator importante a ser considerado. Obviamente o Estado brasileiro não pode estar em tudo o que é lugar, mas onde é que o Estado tem que estar e onde é que o setor privado tem que estar? Isso, de certa maneira, não está muito bem resolvido. Mas veja que no governo Lula e sobretudo no da Dilma a ideia das concessões aparece como uma declaração de que em determinados setores não se justifica mais a presença do Estado.
Como é que você avalia esse primeiro governo Dilma?
O governo do presidente Lula na verdade foi muito feliz em inverter prioridades. Aquela prioridade de primeiro crescer para depois distribuir foi trocada por uma outra – vamos distribuir para ver se a economia cresce. De certa maneira houve um movimento nesse sentido que permitiu na verdade você colocar renda, sobretudo pela geração de emprego em determinados segmentos que não tinham participação no mercado de consumo, e isso gerou uma demanda numa economia que vinha abaixo do ritmo de expansão e com grande capacidade ociosa.
Então, o fato de você colocar renda, cria poder de compra, combinado com o ciclo de expansão do comércio internacional. Isso, na verdade, gerou uma perspectiva de que o governo Lula seria capaz de estabelecer um ciclo de expansão de médio e longo prazo tendo a premissa de que ao distribuir a renda ele geraria consumo, o que alimenta a demanda e começa a devolver o investimento.
Só que aquilo que tinha sido feito para acelerar o crescimento econômico (o PAC), em função da crise de 2008 se tornou na verdade um sistema de defesa do setor produtivo, evitando que nós tivéssemos uma recessão como se observou em outros países. Então, o PAC serviu na verdade para defender o setor produtivo, a renda, o emprego, tanto é que o Brasil continuou reduzindo a pobreza e a desigualdade mesmo num ambiente internacional desfavorável.
E estava claro ali no final do governo do presidente Lula que precisaria reativar o investimento porque na medida que você distribui renda e começa a ocupar capacidade ociosa chega determinado momento que isso é economia da capacidade plena. Então, ou você vai importar mais ou isso vai virar inflação. Você precisa gerar um ciclo de investimentos.
A perspectiva que eu vejo é que na verdade a presidente Dilma trabalhou esses quatro anos para preparar a economia para os investimentos. Então, essa grande mudança que ela fez dentro da estrutura do Estado com a questão da reorganização dos recursos para a Petrobras, para as concessões, nos abriu uma oportunidade.
E a taxa de crescimento, bem abaixo do esperado?
Esse ano era um ano para o Brasil estar crescendo muito mais. E por que não está? Estamos em um ano eleitoral e os concorrentes dizem, “a economia está muito mal, a inflação descontrolada, vamos precisar fazer um ajuste na economia, um ajuste fiscal”. Aecio Neves e possivelmente até mesmo a Marina faria uma recessão no ano que vem para poder ajustar em termos fiscais a economia e ao mesmo tempo dar um choque tarifário para poder, com a economia em recessão, fazer uma elevação dos preços que em tese estariam represados, inibindo o efeito inflacionário. Nesse sentido, os empresários, obviamente, devem pensar, “eu não vou jogar num investimento de médio e longo prazo se ano que vem vai ter recessão e eu não sei se depois recupera…”. Então na verdade os empresários recolheram os investimentos.
Você acha que o ajuste fiscal é necessário?
Não. A minha perspectiva é que nos últimos 12 anos temos tido governos, se você olhar na sua trajetória, governos de austeridade fiscal, com 2% em média de superávit fiscal. Não dá para dizer que é um governo com um descontrole. Sobretudo quando você olha inclusive a relação da dívida líquida do setor público em relação ao PIB que caiu de 60% na era FHC para 30 e pouco. Enfim, eu não quero fazer comparação, mas eu não diria que é um governo que mantém suas finanças de forma desorganizada, pelo contrário.
Mas ajustes são necessários? Essa é a pergunta. Quando a gente vê a inflação…
É que a opção é diferente. Você tem uma opção com o Aécio que é de dar um tranco na economia e ajustar logo, e obviamente que isso tem consequências sociais. Qual é a perspectiva do governo atual? Que você pode, na verdade, fazer gradualmente com que a inflação volte pro centro da meta. E isso traz uma série de alternativas que não passam necessariamente pela elevação de juros.
As tarifas não estão represadas?
Na verdade você teve um represamento que se deu em função das manifestações do ano passado, sobretudo na tarifa de ônibus. As prefeituras terminaram não aumentando. Não foi um represamento de ordem do governo federal.
E o combustível, por exemplo?
Por isso que se diz que são preços administráveis. É preço para ser administrado. São empresas estatais, que vivem de recursos públicos. Então, obviamente, se você está com a inflação mais elevada, você administra esse preço para poder reajustá-lo em algum momento que você possa ter mais folga, e esse segundo semestre você começa a ter alguma folga. Já há uma suavização da inflação. Tem a questão dos preços agrícolas que também todo início de ano elevam. É preciso um olhar mais cuidadoso em relação à questão dos preços dos produtos alimentícios, por exemplo, que impactam a inflação. Acho que tem manobras para que o governo possa atuar e gradualmente trazer a inflação pro centro da meta, que não seria na verdade resultado de descontrole fiscal. A meu modo de ver não está aí o problema de uma inflação acima do centro da meta.
A diferença entre o crescimento do PIB projetado no começo do ano e o que está se esboçando é brutal. Outras questões como o superávit primário, os juros, o reajuste dos preços administrados, sobressaem.
O governo Dilma na verdade propõe uma austeridade fiscal com responsabilidade social. A economia não é um fim em si mesmo, é um meio para elevar o padrão de vida para a população. Eu posso fazer com que a inflação caia rápida e dramaticamente, mas eu vou ter consequências sociais, e isso significa apostar naquilo que tem sido uma marca do capitalismo brasileiro, que é a chaga da desigualdade.
A desigualdade também se estabilizou de 2011 para cá, não?
Infelizmente há uma certa regressão no Brasil, de se olhar a questão social através de um índice chamado GINI, que é de desigualdade. Ele é importante, mas ele não mede todas as partes das rendas. Eu olho mais a trajetória, que me parece mais importante. Quando eu vejo outros países, a trajetória é de subida e a nossa é de queda. Mas tem um outro indicador que me parece ser importante de ser considerado, que é chamado de distribuição funcional da renda. Nesse sentido há um movimento de recuperação do poder de salários na renda nacional. Então é outro componente né?
E depois, a desigualdade no Brasil não se resume apenas a desigualdade de renda, ainda que ela seja expressiva. Nós temos desigualdades de acesso a várias coisas no Brasil, então eu não quero deixar em segundo plano –o tema da desigualdade de renda é importante–, mas desigualdade é muito mais do que isso.
Outra coisa que a gente escuta bastante é que 2014 vai ser um ano de ajustes. Existe uma movimentação nesse sentido?
Obviamente que a determinado grupo interessa passar essa visão. É claro que nós vamos crescer menos do que imaginávamos e por crescer menos vamos ter menos arrecadação, então tem um impacto na definição do superávit fiscal, mas obviamente que também essa questão do comportamento econômico não pode ser vista tão somente como o desempenho do PIB, ainda que seja um indicador relevante, mas também tem que ver como está a população: se está aumentando o desemprego, se os salários estão caindo… Você tem um outro aspecto que também deve ser considerado em relação à qualidade de vida das pessoas em última análise.
Os desafios da Dilma em um eventual segundo governo seriam quais?
A meu modo de ver, a presidenta tem como desafio dar continuidade a três questões que me parecem absolutamente fundamentais: primeiro, em relação à presença do Brasil no mundo. Depois de termos passado 10 anos digamos, com o governo Lula tentando contribuir com mudanças nas instituições multilaterais como o FMI e o Banco Mundial, por exemplo, com articulações internas, nós não tivemos sucesso. Ou seja, os EUA e a União Europeia estão achando que o mundo está bem e não querem fazer mudança nenhuma.
Não que o Brasil tenha abandonado essa trajetória da diplomacia dentro dos organismos das Nações Unidas, mas na verdade ele se reposiciona construindo através dos chamados BRICS uma outra estratégia do ponto de vista da expansão do comércio, do ponto de vista da constituição de um padrão monetário, que me parece bastante exitoso. É a primeira vez que o Brasil tem algum protagonismo do ponto de vista internacional.
A construção que foi feita pela Carta de Fortaleza em que reunimos aqui os chefes de Estado e depois um diálogo com os países da UNASUL, está criando uma possibilidade bastante interessante em relação ao fato de que hoje, no mundo, as relações sul-sul são mais importantes do ponto de vista comercial e econômico do que as relações norte-norte. Então tem um outro mundo se desenhando –o Brasil é um participante importante, e vamos evoluir.
A impressão que eu tenho é de que o debate econômico no Brasil é um debate que está de certa maneira submetido a certa névoa em que você não consegue ver perfeitamente as coisas. Então você fica contaminado pela perspectiva dos analistas do mercado financeiro, que é de um curto-prazismo.
Eu estou querendo me distanciar um pouco do curto prazo, que eu ainda acho importante, mas olhar um pouco a perspectiva de mais longo prazo.
O segundo desafio que me parece importante é a questão da reinvenção do mercado de consumo brasileiro. Isso se dá pelo fato de que na verdade hoje nós temos um protagonismo do ponto de vista do federalismo brasileiro de novo tipo. Essas regiões que mais crescem hoje são as que anteriormente eram conhecidas como regiões subdesenvolvidas (as regiões Norte e Centro Oeste).
Quer dizer, há uma mudança do ponto de vista do continente brasileiro que de certa maneira continua ainda muito vinculado à parte litorânea. Eu acho que tem nesse governo alguma coisa vinculada com o JK que era a ideia de levar o desenvolvimento pro centro-oeste e norte do Brasil. Então, essa questão do desenvolvimento menos desigual do Brasil me parece uma coisa importante.
Veja que de 1870 aos anos 2000, pra onde ia São Paulo ia o Brasil. Hoje isso não é mais verdade. Não é por menos que São Paulo, pela primeira vez desde a retomada democrática, não teve um candidato competitivo. São Paulo foi o Estado que mais sofreu com o esvaziamento industrial. Hoje as forças dinâmicas de São Paulo são o setor financeiro e o agronegócio.
Então, como é que você recompõe o federalismo brasileiro me parece um desafio muito grande pra presidenta num momento em que você tem o esvaziamento das instituições de representação de interesses.
Agora, tem um terceiro desafio que eu acredito que está relecionado a essa mudança na estrutura social brasileira. É uma sociedade que vive com questões de novo tipo como é o caso da transição demográfica muito acelerada. Hoje quem chega aos 60 anos de idade vai viver mais 22 anos, vai viver até os 82. Isso significa olhar as políticas públicas de outra maneira. Nós temos mais de 2 mil cidades brasileiras que são quase cidades fantasmas porque as pessoas saem de lá e vão ficando apenas as mais velhas.
Ou a alteração com as famílias monoparentais, que são as que mais crescem. Há questões nessa nova cultura social brasileira.
Como é que se organiza o sistema educacional? Como você faz com que as pessoas passem a ingressar no mercado de trabalho depois de concluir o ensino superior? Tem questões aí muito grandes em relação a essa estrutura social brasileira que são um desafio enorme para o governo.
E o setor produtivo?
Na verdade nós temos que olhar o que é que o Brasil pode fazer do ponto de vista das cadeias produtivas globais. Essa é a questão.
Hoje você tem três grandes cadeias produtivas globais que respondem por 2/3 dos investimentos em ciência e tecnologia: a cadeia da parte de software e tecnologia de informação e comunicação; a do setor de fármacos; e a do setor automobilístico. Elas respondem por 64% dos investimentos no mundo todo. Destas três, estamos relativamente bem na indústria automobilística; a de fármacos está passando por uma mudança significativa, com os genéricos, que abriram uma oportunidade enorme para as empresas brasileiras. Mas estamos relativamente débeis no setor de software e tecnologia de informação que acho que é um setor que precisamos fazer um esforço muito maior.
Mas dentro dessas 3 cadeias nós temos o que dizer. Então, não vejo assim que estamos diante de uma desindustrialização, que o Brasil perdeu espaço e vai virar um país primário exportador.
Em termos de reformas, pouco foi feito nestes 12 anos, não?
Em primeiro lugar, acho que o presidente Lula constitui a sua maioria política pelos derrotados do período neoliberal -trabalhadores, pequenos empresários, agricultura… ele reuniu ali uma maioria de maneira geral de gente que havia sido perdedora ou tinha ganho muito pouco com o período neoliberal. Então, na verdade, esse período é um período para repor aquilo que o neoliberalismo tinha retirado em relação ao emprego, questão da renda…
Como você chamaria o período Lula, só por curiosidade? Você chamou o outro de neoliberal…
Um período de desenvolvimentismo, se você quiser. É a ideia do desenvolvimento que você precisa repor. Acredito que, nessas eleições, o tema da reforma voltou, mas são sentidos diferentes. Penso que tem aí um grande imbroglio que é a reforma política, que é ao meu ver a mãe das demais reformas. Se você não fizer essa reforma não consegue fazer as demais, infelizmente. Aparentemente o resultado eleitoral aponta uma representação muito mais fragmentada. Quem for presidente vai ter uma dificuldade do manejo de Legislativo muito grande.
Então esse tema da reforma política… Tem que fortalecer os partidos. Não somos um país de tradição democrática infelizmente. Esse país tem uma cultura autoritária. São mais de 500 anos de história com 48 de experiência democrática. Então, fortalecer os partidos e instituições é fundamental. Você tem na verdade um legislativo que representa muito pouco a população do ponto de vista do que é a população. É débil na representação feminina, dos não-brancos, dos jovens…
O que as manifestações de 2013 representam nesse contexto? Um contraponto?
Não sei se temos uma boa resposta que reflita 2013. Infelizmente, eu acho que as manifestações do ano passado não culminaram numa outra alternativa.
A impressão que eu tenho é que na verdade 2013 trouxe os problemas presentes de uma sociedade que transita para uma sociedade-serviço. Os problemas ali representados são problemas de serviço: educação, saúde, transporte.
De fato, a cesta de consumo da população é o consumo de serviços. O que está em jogo é, como você apropria o seu tempo nessa sociedade de serviços? Que tempo eu vou ficar do meu dia no transporte, na fila do hospital? Nós temos, na verdade, uma baixíssima produtividade nos serviços. Públicos e privados. Quem é que está satisfeito com o sistema bancário que nós temos? Telefonia? Plano de saúde? Coisa assim muito concreta.
Acabamos de sair de uma eleição e você falou sobre um Legislativo que não nos representa.
É meio difícil falar que não representa porque ele foi eleito. Não posso falar que não. Mas ele tem pouca conexão com a população do ponto de vista da identidade.
É uma questão de reforma política ou é mais que isso?
Sem dúvida. Porque no modelo que nós temos, que é herança da transição ‘transada’ que fizemos, na verdade o Legislativo pode dar golpe no Executivo (golpe, que eu digo, é convocar uma CPI e paralisar o governo, não votar em nada etc). Isso na verdade distorce a eleição. O mais dramático de tudo é que a população vota no Executivo que de maneira geral não tem maioria no Legislativo.
O que você precisa fazer, se foi eleito com um programa, mas não tem maioria? Aí você tem que trazer gente que pensa completamente diferente. Vai ter que negociar coisas que não tem nada a ver com seu programa. Aí vai desconstituindo.
O Getúlio dizia que cada eleição envolvia 3 eleições simultaneamente. A primeira é pelo voto. A segunda é como se conforma o governo, com que partidos. E a terceira eleição é quem manda no governo. Quem puxa pra lá ou pra cá. Isso, ao meu modo de ver, precisaria ser aperfeiçoado enquanto sistema.
Que pensa da polarização PT – PSDB?
De certa maneira, com o passar do tempo, essa tensão entre PSDB e PT está diminuindo. Se você pegar 2006, 90% dos votos no primeiro turno foram pro PSDB e pro PT. Hoje nós tivemos 70%. Então está havendo uma queda. A meu modo de ver, a sociedade vem se transformando e os partidos estão se demonstrando incapazes para acompanhar essa transformação. É um tema complexo do ponto de vista da questão da democracia, porque o apelo de partidos, de sindicatos, isso não motiva mais as pessoas. Mas isso não quer dizer que não há contradição, que as pessoas não estão insatisfeitas, que almejem alguma coisa diferente. Mas há uma certa desconexão entre essa sociedade transformada e, ao mesmo tempo, a capacidade das instituições.
Quando o Eduardo Giannetti comentou aquela ideia de reunir os melhores quadros do PT e do PSDB para um governo de união nacional, como te soa essa ideia?
A polarização não é apenas um embate eleitoral. São projetos diferentes. Não são comuns. São visões diferentes.
Na verdade, o executivo é aquele que deve tomar a decisão. Quer dizer, os melhores quadros podem ser consultores, analistas, mas não necessariamente sabem decidir. É o seguinte: “você pode ir pra lá. Se você for pra lá vai ter isso aqui, etc, mas decidir não é comigo; você é o cara que tem o voto e tal”. Então o que é um quadro? Tomar decisão é uma coisa difícil que o intelectual, que seria o quadro, tem dificuldade. Tomar decisão vai agradar um e desagradar outros. Então botar os melhores quadros pode não decidir pra lugar nenhum.
Voltando ao tema da economia, o gasto público, no seu olhar, precisa ser controlado?
Eu não vejo nenhum problema imediato em relação ao gasto público, porque ele vem sendo menor do que a receita do ponto de vista do conceito primário, gerando superávit suficiente para permitir que a trajetória da dívida seja cadente. Isso que tem sido feito nos últimos 12 anos. Então não vejo a urgência de você fazer movimento maior. Eu olho por exemplo e vejo que o setor público teve ganho de produtividade nesses últimos 12 anos, porque o gasto social no governo federal aumentou de 13% para 16% do PIB e nesse mesmo período você reduziu o peso do custeio da folha de pagamento em 0,2 pontos.
Acho que a experiência com relação ao gasto público mostra que houve uma progressividade do gasto. Nós estamos gastando melhor. O que não significa dizer que não tenhamos problemas. Isso é uma ação recorrente, mas estamos gastando progressivamente melhor. Os mais pobres estão progressivamente com mais benefícios.
Mas nós temos outras questões que teriam que ser consideradas como é o caso do financiamento com gasto público de despesas privadas, por exemplo. A quantidade de subsídios, de renúncia fiscal. O próprio imposto de renda oferece uma série de subsídios para determinados segmentos enriquecidos do país.
E a Petrobras, às voltas com um preço subsidiado de combustível e denúncias de corrupção. O que deveria ser feito nela?
Acho que temos que separar as coisas. Primeiro, o problema da corrupção. Como diz a palavra, é a COrrupção. Não é só “rupção”. Tem o “Co”, que é o corruptor também.
Corrupção é algo que existe infelizmente tanto no setor público quanto no privado. Não é algo que contamina apenas o setor público. No setor privado é até maior, mas como ninguém sabe…
O que interessa no caso do setor público é que é dinheiro público, etc.
O que eu vejo é que a administração do PT é uma administração em que esse tipo de informação veio à luz. Foram não sei quantas operações da Polícia Federal. De certa maneira não há formas de esconder coisas desse tipo.
Não vou voltar ao governo do FHC, mas posso falar dos governos de São Paulo e Minas Gerais. Quantas CPIs tiveram lá sobre o Mensalão tucano? O PT teve alguns de seus quadros presos. Não significa, então, uma complacência com a corrupção. Pelo contrário. Se você olhar do ponto de vista histórico, qual o período em que tivemos mais ações em relação à problemática da corrupção? Com reação da Controladoria Geral da União, por exemplo?
Eu acho que não há uma aceitação da corrupção. Ela exige uma fiscalização e uma atuação permanente que eu acredito que estejam sendo feitas.
O fato é que o modelo de administração da Petrobrás, na verdade, é um modelo que veio já herdado e que resulta justamente desse problema de ordem política em que você compõe para ter maioria no Legislativo.
Então, isso é um problema na administração. O que não significa a conivência.
A situação atual não justifica dizermos então que a Petrobras, se fosse privatizada, não teria corrupção. A Petrobras hoje, é protagonista de um setor que responde a praticamente 10% do PIB brasileiro. Com o pré-sal, possivelmente vai responder por 20% do PIB. Então, o dinamismo da economia nacional passa por ali. O que nós temos que levar em consideração é o seguinte: a Petrobras é do Brasil, ou o Brasil é da Petrobras?
Se ela é uma empresa estatal, se ela é do Brasil, em tese, quando ela vai fazer licitação das compras, ela vai comprar do mercado interno. Vai virar uma política de desenvolvimento, uma política industrial, porque possivelmente para a Petrobras seria melhor comprar de outros países pois pagaria até mais barato com juros da empresa. Mas ela é uma empresa estatal. Portanto, se ela comprar aqui, ela gera dinamismo aqui.
Então a Petrobras não é uma empresa privada cujo objetivo é o lucro fundamental. É claro que ela tem que ter o objetivo do lucro, não vou negar isso, mas em que medida esse objetivo do lucro é compatível com as demandas da sociedade?
Veja a companhia Vale do Rio Doce. Se a Vale do Rio Doce fosse do Brasil, e não o Brasil fosse da Vale do Rio Doce, onde ela faz buraco tinha que ter lugares de desenvolvimento local. Aí vamos ver o papel da Vale do Rio Doce. Onde é que ela faz buraco pra tirar minério? É lugar que se desenvolveu? Mas na natureza do capitalismo, da empresa privada, ela quer o lucro, então não está muito preocupada com o seu entorno. Agora, se é uma empresa estatal, ela tem esse compromisso.
A Vale do Rio Doce tem alguns projetos sócio-ambientais.
Pra ganhar um prêmio? Pode ser (risos). Agora, como é que você introjeta no plano local a importância de uma empresa com essas características que tem uma forte presença orçamentária?