"Verdadeiro lixo"
14/10/14 15:49“Para os bandidos do crime organizado o momento atual é de céu de brigadeiro, pois este governo está segurando a polícia, que perdeu sua autonomia. Hoje o PCC, que lucra o dobro do que lucrava, não é molestado”.
“Minha visão sobre o governador Alckmin é de um homem que só decide por decurso de prazo. Seu governo fez da secretaria de segurança pública um sistema de capitanias hereditárias”.
Ao deparar com seu sucessor, Fernando Grella, em evento de troca de comando na Rota, no final de setembro, Antônio Ferreira Pinto, ex-Secretário de Segurança Pública (2009-2012), baixou o olhar, pigarreou e pronunciou “lixo”, sem estender a mão (veja o vídeo em https://www.youtube.com/watch?v=u0LCNm2KlxM).
Recentemente, o nome do ex-secretário apareceu em investigação envolvendo suposta relação entre Frank Aguiar, vice-prefeito de São Bernardo, e traficantes. Uma rede de proteção, da qual faria parte Ferreira Pinto, teria tentado livrar Aguiar da investigação.
“Isso foi montado por um delegado do Deic, o Alberto Matheus. Ele foi afastado na minha gestão por suspeita de envolvimento com o PCC, voltou agora e está se vingando. E o Fernando Grella está a par de tudo isso”, diz Ferreira Pinto.
Ele concorreu a deputado federal pelo PMDB, mas não conseguiu se eleger. Em compensação, dois de seus principais interlocutores, o coronel Telhada e o Major Olimpio, elegeram-se deputado estadual e federal, respectivamente. Em comum com eles, diz Ferreira Pinto, está a defesa dos interesses da Polícia Militar.
Sua atuação à frente da pasta nunca foi um consenso. O afastamento de diversos oficiais da Polícia Civil dos cargos de chefia, por suspeita de corrupção, a truculência e letalidade da Polícia Militar e a questionada extensão de um sistema de escutas nas investigações do crime organizado fazem parte do repertório.
Ex-tenente e capitão da Polícia Militar,promotor de Justiça, Ferreira Pinto transformou-se em feroz crítico não só de seu sucessor, a quem acusa de descontinuar políticas acertadas de sua gestão, mas também do governador Alckmin.
De acordo com ele, o tráfico de drogas cresceu “em progressão geométrica”, nos últimos anos.
Ferreira Pinto também critica o tratamento dispensado pelo governo à Polícia Militar: “A Rota é uma tropa especializada que só atua em momentos agudos. Não atende briga de marido e mulher, não atira para cima – só aparece quando o confronto é iminente. E a Rota foi tirada das ruas”.
O número de roubos ao patrimônio na capital e no Estado, que registraram alta pelo décimo quinto mês consecutivo, também é alvo das críticas do ex-secretário, que concluiu a entrevista dizendo: “verdadeiro lixo”.
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Por que “lixo”?
Fui na solenidade da Rota e pela primeira vez, tive contato físico com o atual secretário. Tenho uma indignação muito grande pela forma como a secretaria está sendo conduzida, pelo desmando, pela falta de uma política de Estado, pelos retrocessos após minha saída.
O nível de corrupção nas polícias piorou?
Existe uma falta de combate mais efetivo da corrupção. Eu trouxe para meu gabinete a corregedoria da Polícia Civil, mas hoje isso é letra morta. Hoje a corregedoria não tem vinculação com o gabinete.
Enfim, fica difícil evidenciar se a corrupção piorou, mas a sensação de insegurança entre a população, sem dúvida aumentou.
No entanto o índice de homicídios caiu e se manteve baixo.
Isso é balela. O índice de homicídios vem caindo graças a um serviço implantado pelo DHPP, que descentralizou esta gestão, trazendo policiais vocacionados de todas as áreas. Um serviço muito bem feito pela Polícia Civil que trouxe o decréscimo nos homicídios desde 2006. Quando Alckmin voltou a assumir em 2011, o índice já era o mesmo de hoje.
E os roubos?
Dizer que os crimes de roubo aumentaram por conta da delegacia eletrônica é outra balela, que vem sendo propagada pelo atual secretário. Aumentou porque não existe combate efetivo aos crimes patrimoniais. O governo lançou com toda pompa no ano passado o programa “São Paulo contra o crime” mas a verdade é que o crime venceu.
Na hora em que você baixa uma resolução dizendo que a PM não pode atender ocorrência em que houve tiroteio, você está prejulgando toda uma instituição centenária, acusando-a de tendência homicida.
Quando o governador tira a Rota da rua, fica demonstrado que ele não tem interesse nenhum em combater com energia o crime.
A Rota foi tirada da rua?
Por vários meses a Rota só faz serviços internos e esporadicamente sai à rua. Existe uma preocupação por parte do governo de não passar a imagem de uma polícia repressora. Só que não podemos abrir mão da autoridade do Estado, isso não pode ser esgarçado. Por isso que põe-se fogo no dentista… nisso tudo o pano de fundo é o tráfico de drogas, que cresceu em progressão geométrica. O governo se vangloria de ter apreendido 60 toneladas de cocaína ano passado, mas nunca apresentou um traficante de médio porte.
O crime organizado cresceu?
O crime organizado aumentou. A Rota é uma tropa especializada que só atua em momentos agudos. Não atende briga de marido e mulher, não atira para cima – só aparece quando o confronto é iminente. E a Rota saiu das ruas.
Quando você se desligou da pasta, muitos policiais estavam sendo executados.
Havia um combate efetivo ao tráfico de drogas e houve essa reação covarde por parte do crime organizado. E assim fui desligado. Uma decisão tomada com base no oportunismo.
No entanto a letalidade da polícia abaixou desde sua saída da secretaria.
O governador não entende o que é letalidade, o que é até compreensível, pois ele é médico anestesista. Letalidade é diferente de execução, isso sim algo execrável. Fizemos levantamento mostrando que em 55% dos confrontos ou o preso saía vivo ou fugia, em minha gestão.
Para os bandidos do crime organizado o momento atual é de céu de brigadeiro pois este governo está segurando a polícia, que perdeu sua autonomia. O crime organizado das prisões recebe a mensagem: ‘não me importune que não importuno’. Hoje o PCC não é molestado. Hoje o crime organizado aufere um lucro de R$ 8 milhões ao mês. Temos gravações mostrando isso. Antigamente, o lucro era de R$ 4 milhões.
Qual sua visão sobre o governador Alckmin?
Minha visão dele é de um homem que só decide por decurso de prazo. Alckmin não tem uma relação mais incisiva com a secretaria de segurança, que se ressente dessa autonomia. As manifestações de junho de 2013 são um exemplo claro. Ora a polícia era omissa, ora se excedia. O governador não sabe o que quer, está muito mais preocupado com as jogadas de marketing.
Como era sua relação pessoal com o governador?
Nunca fui da escolha pessoal dele. Só me nomeou secretário porque não teve outra alternativa. Nunca fui do agrado dele, nossa relação era absolutamente formal.
Qual o grau de violência de nossa polícia, em sua opinião?
Continua grande. Mas não existe polícia no mundo que não tenha um grau de violência. Não mataram um brasileiro em Londres? E o que dizer da polícia americana? O governo tem que ter a humildade de saber que desafio é grande e é preciso uma resposta adequada.
Violência tem que ser combatida com violência?
A violência está na sociedade, e para combatê-la, a autoridade do Estado é necessária. Mas o Alckmin quer passar uma imagem de bonzinho, se desfazer da imagem de uma polícia repressora. Ora, tem que se combater. Mas não faço uma apologia da violência. O confronto é uma opção do bandido.
Como está o ânimo dos policiais?
Os policiais estão indignados. Porque na hora que o governo baixa uma norma dizendo que o policial militar não pode socorrer, criando uma atmosfera de desconfiança, na hora que o governo coloca uma focinheira na PM, na hora em que o governo dá nitidamente preferência por uma organização policial em detrimento da outra, o ânimo cai.
Preferência?
Sim, a preferência pela Polícia Civil é nítida e sabemos que existe uma rivalidade entre as corporações. Existe uma deferência pela Polícia Civil. Ao menos o governo deveria pagá-los bem, e não na base dos adicionais e gratificações, o que afinal é um reconhecimento de que não está pagando direito.
Que tipo de retrocessos houve, desde sua saída?
Eles abriram mão do novo plano de gestão da polícia civil que havíamos elaborado. Voltou-se a um modelo de 40 anos atrás, antigo, arcaico, em que a polícia deixa de investigar os crimes e simplesmente os registra, sem dar prosseguimento. Voltou-se ao mero balcão de atendimento.
A polícia só elucida 2% dos crimes, segundo levantamento da FGV. Durante três meses fizemos um estudo sobre como melhorar o atendimento nos 93 distritos da capital. Levava-se de 10 a 12 horas para se fazer o registro de uma ocorrência, por exemplo. Em caso de entorpecente, para se fazer um flagrante, era preciso enviar a substância à Polícia Científica, no Butantã, para que se realizasse um auto de constatação. Imagine se você estivesse em Ermelino Matarazzo… nós instituímos um kit para fazer essa constatação.
Agilizamos os flagrantes, instituímos um atendimento diferenciado e mudamos os horários de trabalho, privilegiando os momentos de pico. Isso tudo foi abandonado quando saí, os kits foram abolidos.
A política de Estado virou uma política oportunista, casuística, feita para atender interesses partidários de parlamentares que mandam e têm ingerência muito grande na secretaria. Este governo fez da secretaria de segurança novamente um sistema de capitanias hereditárias. Há uma absoluta ausência de política de segurança pública em São Paulo. A secretaria de segurança se transformou em curral eleitoral.
Poderia nomear quem são esses parlamentares?
Posso dar exemplos. Piracicaba tem nove delegacias e todas elas fechavam à noite. Pretendíamos implantar o turno noturno em todo interior mas só conseguimos isso em Bauru, Presidente Prudente e Piracicaba. Esta política foi descontinuada. Retomou-se a política de se criar novas delegacias.
E qual o problema em se criar novas delegacias?
O governador criou por exemplo a delegacia de defesa do direito do deficiente. No décimo andar da secretaria de segurança, com acessibilidade apenas pela garagem, funcionando de segunda a sexta das 9 hs às 18 hs. Para que? Eu acho que o portador de deficiência tinha que ser bem atendido nos 93 distritos.
Essa foi uma medida eleitoreira que veio na esteira de uma decisão do governo Montoro, que com muito sucesso inaugurou a primeira delegacia da mulher no país inteiro. Entendo que no caso da mulher exista uma necessidade de delegacia própria, pois estamos lidando com peculiaridades que envolvem o maltrato no qual a vítima pode se sentir inibida em levar seu drama familiar para pessoas do sexo oposto. É a única delegacia especializada que se justifica.
Outra delegacia sem sentido que este governo criou, é a de crimes em eventos esportivos. Trata-se de pirotecnia de um governo que não enfrenta os problemas com seriedade.
E o Detecta?
Não adianta só comprar equipamento de última geração se não sabe operar. O governo gasta fortunas de TI sem retorno.
O Detecta é uma farsa. É um software para detectar explosivos, adquirido pela polícia de Nova York para ações antiterroristas. Custou R$ 9 mi aos cofres públicos, R$ 4 milhões só para implantar. Só que é um aplicativo incompatível com a realidade de São Paulo e ainda nem conseguiram traduzir o inglês. É mais um engodo.