A Bela princesa da Tropicália orgânica
19/12/14 12:44A bela princesa tropical com seu sorriso largo vive no castelo de Floras e Gils onde cresceu cercada por tios Caetanos, Mautners e outros lordes da nobreza em seus domingos com brincadeiras de violão, de Rosas, Josés, Julianas, tomando sorvete no parque.
Aos 16 anos uma fada lhe aplica a magia da vida e a princesa segue por uma árdua trilha. O chamado é uma prática diária que rasga a realidade até que no seu expresso 2222 vai para as terras longínquas de Nova York encontrar seu destino. As folhas, as frutas com que vai construir seu novo castelo. Essa princesa vira rainha, dá luz a uma Flor com seu príncipe encantado e, na volta, a heroína vem semear na tropicália seus feijões encantados, orgânicos.
Bela Gil descobriu os superpoderes dos alimentos aos 16 anos, em meio a uma adolescência zen. Agora, aos 26, ela diz que quer mudar o Brasil. Apresenta um programa no GNT, “Bela cozinha”, conversando com personagens do mundo das celebridades e oferecendo sua alimentação saudável, desfazendo a imagem hippie da comida “natural” que prendeu as sandálias de couro nos idos dos anos 60. Bela está numa cozinha dos sonhos, com vestidos floridos, aventais coloridos e objetos refinados. É a onda verde que aporta nos mares do Sul trazendo o abacateiro temporão de Gil que deu seus doces frutos.
Bela é formada em Culinária Natural pelo Natural Gourmet Institute e em Nutrição e Ciência dos Alimentos pela Hunter College, ambos em NY. Em entrevista para este blog segreda que viveu na carne a mutação através do alimento: “A gente é o que a gente come. A alimentação mexe muito, a nível celular, muito mais profundamente do que as a outras atividades. Eu acho que alimentação
tem um poder maior. Afeta mais do que a música, literatura, etc. Te purifica.”
Além do programa na TV que já segue para a segunda temporada, acaba de lançar um livro de receitas. Nesse mundo abastecido por prozacs, frontais, açúcares refinados e álcool essa princesa guerreia usando suas armas diretamente arrancadas da natureza, uma descendente da contracultura de Gil, que vem adoçar o mundo veloz com melados, ghees, tofus.
Bela tem se interessado pelas políticas que podem introduzir a culinária nas escolas. “É importante porque a criança perdeu o instinto de cozinhar, plantar. É um instinto importante porque você se torna independente. Uma espécie de micropolítica.”
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Antes de mais nada, um breve histórico da sua trajetória culinária.
Eu comecei a fazer yoga com 14 anos, aos 16 já percebia que meu corpo começou a rejeitar certos alimentos. Eu percebi que os alimentos tinham poderes, e como afetavam minha prática de yoga.
Com 18 anos eu já tinha certeza do que eu queria fazer: a nutrição, que veio da yoga, e a culinária, porque eu tinha que cozinhar. Eu era outra antes dos 14, 15 anos. Meu pai me deu um livro de Yogananda, “Autobiografia de um yogue”. Com esse livro mudei minha visão de mundo e isso muito devido à alimentação.
Como era a Bela de antes e depois?
Eu era muito ansiosa, nervosa, frágil. Uma pessoa irritada. Com essa mudança me tornei uma pessoa mais compreensiva. Eu aceito muito bem as adversidades. Se está acontecendo é porque tem uma razão pra ser. Não reclamo. Eu era muito inconformada. Desde criança muito mal humorada. E sou muito séria por natureza. A alimentação, os livros, a yoga e a meditação me transformaram numa pessoa mais calma, mais tranquila. Mais agradável.
Foi a comida que te transformou?
A gente é o que a gente come.
Mais do que o que a gente lê, vive, respira..?
A meditação te transforma, em tudo. Mas a alimentação mexe muito, a nível celular, muito mais profundamente do que as a outras atividades. Eu acho que alimentação tem um poder maior, de transformar numa pessoa mais pura. Afeta mais do que música, literatura, etc. Te purifica.
Você não teve a rebeldia na adolescência?
Eu tive a yoga, uma adolescência zen.
Como você se encaixa na sua geração?
Eu me sinto um pouco diferente. É a minha natureza, sou capricorniana. Muito velha, madura, tenho amigos mais velhos, meu namorado é mais velho. Nunca me senti da minha geração. Tenho um olhar pra frente, pro futuro. Acho que faço parte dessa geração de pessoas que querem mudar o mundo para melhor, de forma muito realista.
Como é morar na cidade urbana e ter um estilo de vida saudável?
Um dos objetivos da minha culinária é estreitar o laço entre o urbano e o rural, entre o produtor e o consumidor. Criar uma confiança mútua. Construir hortas urbanas em casas, condomínios. Trazer um pouco da vida rural para a cidade. Cada um cuidando do seu espaço. Explorar menos a natureza, em quantidade.
Você foi a Nova York estudar inglês por 3 meses e ficou. O que aconteceu?
Eu fui pra lá com 18 anos, já praticava yoga e lia muito sobre ayurveda, gostava de cozinhar e fiz vários cursos até que resolvi fazer a faculdade. Então comecei a dar aula, fazer consulta e trabalhar em restaurante.
Como foi essa mudança de NY para cá?
Lá é muito bom porque você tem tudo. Me fez aprender a comer, a entender a gastronomia. Lá você consegue comer a melhor comida de qualquer lugar do mundo. E consegui fazer um link da saúde de um povo com sua alimentação. Tipo, como os japoneses que comem arroz e peixe vivem muito. E lá tem a facilidade de achar os produtos orgânicos e saudáveis. Lá foi bom pela gastronomia mundial e o acesso à comida saudável. Me falavam que no Brasil eu ia sofrer por não conseguir encontrar nada. Mas não, aqui no Rio tenho o circuito de feira orgânica carioca, e como eu gosto de consumir o que vem do local, acho ótimo. A vantagem lá é a facilidade de encontrar esses produtos industrializados, como leite de amêndoas por exemplo – o que eu não quero, então isso é uma desvantagem. Aqui tenho que fazer o leite, Em NY você compra uma caixa por dois dólares enquanto aqui custa vinte reais.
Por que voltou?
Porque eu quero mudar o Brasil, tem muito que mudar. Estando aqui posso impedir essa americanização. Resgatar.
Curioso, porque você está trazendo de lá, dos Estados Unidos, essa cultura.
(risos) Eu estudei lá e foi muito bom. Acho que daqui a 20 anos a gente vai estar vivendo como lá. Andando de bicicleta, usando transporte público, distribuição de comida orgânica, supermercados de comida orgânica…
Você está otimista com a política no Brasil?
Politicamente não, mas acho que estaremos vivendo de forma mais saudável, mais ecológica no futuro. O Brasil ainda está muito focado na estética mas não é isso. Uma alimentação saudável é uma alimentação natural. Ir contra produtos industrializados.
Mas no Brasil temos a questão da pobreza, as pessoas não tem tempo, trabalham 8 horas, fora o deslocamento. Qual a solução?
Cada um faz sua parte. Quem tem poder aquisitivo deve comprar produtos orgânicos. Eu acho que transformando a elite, encorajando-a a usar os alimentos orgânicos, a cultura local ajuda a difundir essa cultura. A classe baixa vislumbra a classe A. Então se a classe A estiver engajada em se alimentar melhor, a classe mais baixa também vai estar. Não podendo, mas querendo. Isso força o governo a subsidiar. O caminho é ter uma elite que se engaja, então o governos se vêem pressionados. Vai ter que ter uma política de incentivo ao produtor orgânico.
Como se dá isso então?
O Alex Atala me procurou por causa da campanha “eu como cultura”. Eu achei legal mas não é tudo. O que eu quero é levar a culinária para as escolas. Tendo a gastronomia e a culinária reconhecida como cultura. Posso começar com pequenos projetos em escolas. Se eles derem certo fica mais fácil pressionar o governo à colocar a culinária no currículo escolar. É importante, porque a criança perdeu o instinto de cozinhar, plantar. É um instinto importante porque você se torna independente. Uma espécie de micropolítica.
E a ditadura da saúde e do politicamente correto?
Não temos. Seria melhor ter essa ditadura do bem, do que no sentido do industrializado.
Qual a sua culinária favorita?
No Brasil, culinária baiana e no mundo é difícil, mas diria que a indiana.
E o mundo profano? Drogas por exemplo?
Eu não distingo a droga da comida. A comida existe pra te dar saúde e pra te tirar saúde. Tudo está linkado com a qualidade e quantidade. Meu pai sempre dizia que a diferença entre o veneno e a saúde é a quantidade. Por exemplo: uma folha verde que é símbolo de saudade, ela pode te trazer saúde ou doença. A couve, rica em clorofila, cálcio, ferro, refogada é ótimo, mas ela crua todo dia pode provocar distúrbios na tireoide. Eu quero mostrar isso. Que tudo tem sua dose, o arroz integral, o álcool, a maconha, que aliás está sendo estudada para cura. É a dose e a situação. Não pode discriminar nem ultra valorizar nada.
Quem é o grande vilão?
Açúcar.
Mais que transgênico?
O vilão mesmo é a indústria. Por que tudo isso está conectado. O açúcar é vilão porque está em todos os produtos, escondido. Um açúcar de vez em quando, carne também, tudo bem. Mas do jeito que está sendo absorvida não dá.
Por que você voltou a comer carne?
Quase nunca como. Mas na minha casa não entra carne. Não dá pra abdicar do prazer da vida.
Como é virar celebridade sendo filha de Gil e Flora?
Eu gosto. Porque eu tento passar saúde, conhecimento, que quanto mais as pessoas me admirarem melhor. A fama é positiva. Eu não fui pra música então ninguém me compara, e não estou me aproveitando. É um lado do meu pai que as pessoas não tem acesso. Meu pai é macrobiótico.
Como foi ser criada por Gil e Flora?
Meu pai. Não poderia ser criada por outra pessoa. Minha mãe também, mas ela é muito dura. A minha personalidade é como do meu pai. E era muito bom, um privilégio ter num almoço de domingo Jorge Mautner, Caetano… Eu valorizo muito isso. Quando você é pequena não entende, são aqueles tios, mas depois que eu entendi a importância… eu pensei: eu sou muito privilegiada.
Religião?
Não tenho. Gosto da espiritualidade. Eu acredito em deus.
Casamento?
Muito bom, tenho uma filha perfeita, um marido perfeito. Sou muito feliz nesta parte íntima, privada, casamento e família. Estou casada há 11 anos.
Envelhecer?
Envelhecer é ganho de sabedoria. Queria eu ter a sabedoria do meu pai. É ganho de experiência, acúmulo de coisas. Acho legal. Pode vir devagar claro, mas eu gosto dos velhos. Acho fofo. Gosto de conversar. Sempre tive amizade com pessoas mais velhas. Não sou boa em ensinar, gosto mais de aprender. E agora estou aprendendo a ensinar, com a idade. Quando a gente é jovem absorve, quando velho ensina.
E a alimentação?
Ela pode funcionar diferente pra cada pessoa. A gente é individual, a alimentação tem que ser explorada diferentemente para cada um.
Você diz que se vê como a filha que segue os passos do seu pai. Seu pai tem uma vida que atravessa a história do país. Queria que você falasse do Gil pai e do Gil homem público. E como você se vê sucessora desse homem marcante em várias esferas ?
Ele é e foi muito importante pra história do Brasil. Eu gostaria de ser uma referência como ele é pra mísica e pra cultura. O Gil pai e o Gil homem público são bem parecidos. Meu pai é uma pessoa calma, determinada, estudiosa. Ele é muito família. Esse bem que ele quer à família se traduz no querer levar música, arte e cultura para todos.
Culinária é arte?
É a arte fundamental da vida!