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Perfil Morris Kachani é jornalista e consultor

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Por dentro da Rede

Por Morris Kachani
19/08/14 16:43

Plantao Marina SilvaOs sonháticos estão de volta. De acordo com Walter Feldman, 60, um dos porta-vozes da Rede Sustentabilidade, uma parcela significativa de jovens desiludidos com a adesão de Marina Silva ao PSB, está retornando às bases de apoio.

“Quando Marina optou por Eduardo, parte dos sonháticos a abandonou. Mas agora estão voltando e muito. E outros vários no processo já haviam acabado por admirar e gostar do Eduardo. Diria que 95% voltaram”.

E o que são os sonháticos? No que a Rede, partido que Marina Silva começou a organizar depois de romper com o PV, mas que não obteve registro para participar destas eleições, se diferencia de outros? Aliás, o que será da Rede caso Marina seja eleita?

Na entrevista a seguir, o ex-deputado federal e ex-secretário de esportes de São Paulo (2007-2012) esboça um panorama atual.

E como introdução ao tema, convida à leitura do estatuto da Rede, que entre outras diretrizes, determina que os cargos de comando sejam compartilhados. É sempre preciso que haja um homem e uma mulher, um mais novo e um mais velho. Existe também a proposta de que um parlamentar deva se reciclar por um período, após dois mandatos.

*

Uma semana após o acidente, qual o status da situação atual?

Nós temos uma coligação que foi composta praticamente pelo PSB, com seis partidos. Mas política não é feita apenas de partidos, é também reflexo de pesquisas e movimentos sociais espontâneos, algo que Marina Silva define citando pensadores europeus como Manuel Castells e Zygmunt Baumann.

No que consiste este pensamento?

É um novo modelo de fazer política, que não se articula com as instituições clássicas da democracia. Estas foram criadas após a Revolução Francesa e até hoje não mudaram. Refiro-me à estrutura de sindicatos e partidos que encapsularam a política para si através de uma organização piramidal.

Em seu livro “A soma e o resto”, FHC aponta esse esgotamento do processo político baseado nessa democracia que excluiu a sociedade como um todo, mas que agora se reorganiza de forma independente através das redes sociais. O novo modelo ainda não sabemos como vai ser.

Exemplos inspiradores?

No Brasil, todo esforço das manifestações de junho de 2013, e experiências de mobilização popular similares na Itália, Espanha, mesmo Israel. É uma caminhada para uma democracia de alta intensidade, ou 2.0, como alguns chamam. Após a revolução da comunicação, houve uma releitura da estrutura financeira, industrial ou de serviço. Mas não houve uma releitura da vida partidária. Não dá para negar que a ruptura representada pela internet não se fez representar na política.

A impossibilidade de registrar a Rede como um partido para estas eleições, foi uma injustiça?

Nós recolhemos 1 milhão de assinaturas, pela lógica percentual deveríamos ter a Rede aprovada. Agora, nós trabalhamos de maneira militante, algo que está praticamente em desuso. Se tivéssemos feito algo profissional, teríamos certamente chegado a 2 milhões. Nós achamos que houve excesso de preocupação por parte dos adversários. Tanto que a legislação foi mexida, partindo de bases da Justiça muito estranhas. Por exemplo, não deu para entender como 70% das fichas foram desaprovadas em São Bernardo.

Como a morte de Eduardo Campos foi recebida pela Rede?

É um cenário antes de mais nada de muita emoção. Sua morte nos pega num momento de crescimento e perspectiva, um momento de consolidação.

A relação entre Marina e Eduardo era de muita proximidade e respeito mútuo. Não se forma uma liderança todo dia, nossa única tarefa a essa altura é levar o legado que ele e Marina construíram.

Quais são as diferenças entre Eduardo e Marina?

Eduardo entendeu as características de Marina e espraiou sua visão para o PSB. As diferenças são mais de origem, ele da classe média pernambucana, ela de origem mais humilde, de outra região.

Existem alas do PSB que não concordam com a visão de Marina sobre alguns tópicos específicos como o agronegócio, não?

Em palestra recente na CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), Eduardo Campos foi muito corajoso, ao afirmar para uma plateia de produtores que grande amigo não é aquele que diz necessariamente o que o outro quer ouvir. Ele defendeu um diálogo entre o crescimento do agronegócio e o respeito à sustentabilidade, diferentemente de outros candidatos ouvidos pela plateia. E foi muito elogiado por isso.

O PSB está unido em torno de Marina?

Não acreditamos que hoje haja resistência interna. De tudo que ouvimos, as dificuldades de compreensão eram de segunda monta. Questões leves, discretas, superficiais em relação à grandeza do momento, como por exemplo na manutenção das alianças regionais –especificamente no Rio de Janeiro e também em São Paulo, onde o vice do Alckmin é do PSB. Existe uma compreensão da dificuldade de Marina ir ao palanque nesses casos.

O que são os “sonháticos” dentro da Rede? Não é muita teoria e pouca prática?

É uma visão fundamentalmente humanista, de uma sociedade justa com redução de desigualdades. Estou há 40 anos na política e continuo sonhando, mesmo que este sonho esteja distante, com um projeto a ser construído. Sonho com uma sociedade que se expresse através dos políticos. Se perde isso, o político vira pragmático e deixa de compartilhar.

Dentro da Rede os sonháticos desfrutam um grande prestígio, a maioria deles são jovens que sempre empurram a discussão para algo mais avançado, que não nos deixa acomodar. Mas tem o dia a dia que tem que ser feito. E quando Marina optou por Eduardo, parte dos sonháticos a abandonou. Mas agora estão voltando e muito. E outros vários no processo já haviam acabado por admirar e gostar do Eduardo. Diria que 95% voltaram.

Qual o círculo de pensadores em torno de Marina?

Na economia, Eduardo Giannetti expressa grande parte do que Marina pensa a respeito. E temos o Guilherme Leal, o José Eli da Veiga, o João Paulo Capobianco, Ricardo Young, a Maria Alice Setubal.

E como está a Marina?

Muito emocionada por conta da morte de Eduardo. Sobre ela recai o bastão de levar o legado adiante.

Como a Rede enxerga o legado de Lula e Dilma?

A visão da Rede é de que PSDB e PT deram grandes contribuições ao Brasil, por isso insistimos em não ficar no papel da oposição. Achamos que ao Brasil falta um instrumento de unificação das forças de transição para um novo modelo. Uma sustentabilidade não apenas ambiental mas em todas políticas sociais, culturais, éticas, estéticas e assim por diante. Como PT e PSDB são adversários inconciliáveis, há um prejuízo nas reformas. Nossa proposta é justamente unir as forças dispostas.

Há quem questione a capacidade de Marina enquanto gestora.

Qual era a experiência de FHC ao assumir a presidência?

Plano Real, por exemplo.

Tinha o Plano Real nas costas mas pouca experiência política. Tinha sido acadêmico, parlamentar e foi ministro. Lula menos ainda, nenhuma experiência a não ser como dirigente sindical. O que faz um estadista é seu olhar estratégico. Quanto alguém se diz gerente e não político, como no caso do Collor ou da própria Dilma, aí o país desanda. Daí este governo atual pífio, de desconstrução dos avanços que obtivemos.

E se Marina for eleita, o que acontece com a Rede? Ela sai do PSB?

Isso só vamos tratar depois da eleição. Nem sei se um presidente pode mudar de partido. A institucionalização da Rede nunca foi vista como um problema pelo PSB. A Rede será criada, independente do resultado da eleição. Só nos faltam 50 mil registros de assinaturas.

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"Todos querem viver como americanos, mas com garantia de suecos. Não dá"

Por Morris Kachani
17/08/14 20:54

foto_Ponde - Pôster

“A esquerda só atrapalha nosso esforço de compreensão das contradições do capitalismo, justamente porque ela é infantil e mitológica em sua visão de mundo”.

“O homem contemporâneo é, talvez, o mais covarde que já caminhou sobre a Terra”.

“Talvez a melhor forma de definir uma mulher independente seja como alguém incapaz de encontrar um homem que queira fecundá-la e que a obedeça”.

“Em matéria de sexo, não tenho dúvidas de que o mundo foi melhor um dia”.

“Mulheres feias e chatas estão ganhando a guerra contra as felizes e belas”.

“Uma nova praga: gente de bike na rua. Nada contra bicicletas, tudo contra playboys lights que desfilam bikes como se isso os tornasse membros de um novo clero de puros”.

Goste-se ou não, as provocações de Luiz Felipe Pondé, doutor em filosofia pela USP e pela Université de Paris VIII, e colunista da Folha, convidam a debates acalorados sobre as ideias e valores do cotidiano atual. Livros seus, como o “Guia Politicamente Incorreto da Filosofia” (editora Leya), já ocuparam o topo das listas de vendas por semanas.

Agora, ele lança “A Era do Ressentimento” (Leya), em que se propõe esmiuçar o que define como tal: “é você achar que todos deviam te amar mais do que amam, você achar que todo mundo devia reconhecer em você grandes valores que você não tem”.

Pondé parte do conceito de Nietzche sobre o ressentimento, como chave de análise do comportamento contemporâneo. O Édipo de Freud acaba suplantado por Narciso. “Acho que o caráter mimado de nossa época é fruto do ressentimento que se depreendeu de Deus, com sua “morte”, e se alocou na busca de garantias sociais e afetivas gerando uma coleção de comportamentos que negam nosso medo a favor de uma ilusão de segurança. Todos querem viver como americanos, mas com garantias de suecos. Não dá. O mundo explode”, diz ele, na entrevista a seguir.

E quanto ao filósofo – seria o próprio Pondé um ressentido? “Toda vez que alguém me confunde com um direitista autoritário (por má fé ou ignorância), me ressinto do fato de ter que explicar o óbvio o tempo todo. Como casei muito cedo e fui pai aos 24, nunca tive tempo de cultivar o ressentimento”.

Numa obra praticamente confessional, para onde mira, o autor desfia sua já conhecida verve. Todas as frases selecionadas no começo desta reportagem fazem parte do novo livro.

Até que ponto as provocações fazem parte de um ‘marketing pessoal’ ou digamos, do prazer pela polêmica, é outra pergunta que foi feita ao filósofo. Viveria Pondé em acordo com o que escreve? “Nunca me preocupo em ser um guru existencial. Trabalho muito, corro atrás de resolver problemas, como todo mundo. Sou um romântico na realidade, uma espécie que se sente continuamente no exílio. Minha vida pessoal é tomada por família, pizza, charutos e casa no interior. Gosto do silêncio e de lugares vazios”.

*

Como foi a gênese deste livro?

Sempre quis discutir Nieztsche, mas cada vez mais me interesso por uma filosofia do cotidiano contemporâneo. Metade dele foi escrito entre Israel e Jordânia, portanto, numa região do mundo em que as ilusões de segurança do mundo ocidental inexistem e por isso é tão incompreendida por nós.

Por que escolheu o tema do ressentimento?

Acho que este conceito de Nietzsche foi pouco explorado como chave de análise do comportamento contemporâneo. Acho que o caráter mimado de nossa época é fruto do ressentimento que se depreendeu de Deus, com sua “morte”, e se alocou na busca de garantias sociais e afetivas gerando uma coleção de comportamentos que negam nosso medo a favor de uma ilusão de segurança. Todos querem viver como americanos, mas com garantias de suecos. Não dá. O mundo explode.

De Édipo chegamos a Narciso, é isso?

Sim, mas o Narciso da psicanálise, alguém excessivamente dependente dos outros e que nega isso transformando sua dependência em demanda de direitos afetivos e sociais.

Você mesmo, é um ressentido? Exemplos.

O ressentimento é universal porque brota da condição humana, de uma raça de abandonados, como dizia Horkheimer. A questão é reconhecê-lo e iluminá-lo. Logo, quando não discutido piora. No meu caso, toda vez que alguém me confunde com um direitista autoritário (por má fé ou ignorância), me ressinto do fato de ter que explicar o óbvio o tempo todo. Como casei muito cedo e fui pai aos 24, nunca tive tempo de cultivar o ressentimento. Em meio a isso, a troca da medicina pela filosofia também me ajudou a criar músculos… tb queria ser mais rico rsrs…

Como se define filosoficamente? É um conservador?

Sou um cético em política, isso faz de mim alguém que suspeita das teorias abstratas de gente como Rousseau, Marx ou Hegel. O termo conservador é uma armadilha política principalmente no Brasil. É usado pra dizer que a  pessoa é “do mal”. Sou a favor da propriedade privada, contra comitês participativos, a favor da liberdade de expressão, do casamento gay, da liberdade religiosa, acho a esquerda uma fonte de promessas falsas e cheia de vocação autoritária (o século 20 prova isso). O termo conservador na filosofia está associado a filósofos sofisticados como David Hume, Edmund Burke, Alexis de Tocqueville, Michael Oakeshott, Robert Nisbet, Russel Kirk. Acho-os melhores como analistas do comportamento social e politico do que Foucault ou Marx. Sou um conservador cético em política e uma liberal em comportamento moral.

Existiria uma esquerda inteligente ou é tudo infantil e mitológico como escreve?

O debate público exige ideias diretas e contundentes. Como diz Vargas Llosa, a esquerda perdeu em tudo menos na cultura onde exerce poder autoritário em grande parte das instâncias produtoras de conhecimento e divulgação dele. Ser de esquerda é como algo óbvio, um marketing de comportamento. Acho que ela atrapalha com sua falsa análise do ser humano e da sociedade, para pensarmos de fato nos problemas da sociedade de mercado.

Aliás, o conceito que discuto no livro, ressentimento, é puro fruto da sociedade rica de mercado. Logo, sou de esquerda? Não, como Adam Smith, acho que a riqueza material nos torna viciados em luxos cotidianos e nos faz querer que o mundo seja uma garantia. Minha crítica à esquerda é antes de tudo ontológica (erra na compreensão dos fenômenos), cognitiva (vê o mundo através de utopias), epistemológica (se vende como ciência social mas não é).

Uma esquerda inteligente pra mim é algo como Adorno e seu marxismo negativo. Concordo com a ideia de mercantilização das relações e de seus danos à vida. Também acho que não há saída para isso. Discordo que utopias políticas autoritárias resolvam isso. Acho que temos que lidar com os sintomas e efeitos colaterais e não achar que podemos inventar outro mundo.

No livro você diz que foge das modas de um mundo viciado em seus ridículos fantasmas de sucesso. Pode dar exemplos de como se dá essa fuga?

Escrevendo, indo pro mato. Sou por natureza alguém muito concreto e tomado pelas tarefas do dia a dia. Entretanto, a vontade de fuga é um misto de estoicismo (o mundo engana) e romantismo (mal estar com a modernidade). Não há muito pra onde fugir porque todo lugar tem IPTU. Quanto ao sucesso, meu temperamento melancólico me mantém, à revelia da minha vontade, um pouco alheio à crença no sucesso, a começar pelo meu. Neste sentido, sou como Blase Pascal (séc. 17), meu objeto de doutorado: há certas quadros clínicos que nos ajudam a manter a lucidez diante de uma saúde sempre falsa.

Quais são seus vícios? Como trabalha com a própria vaidade?

Vícios: charutos, a beleza feminina, cachimbos, vida familiar. Da vaidade ninguém foge porque ela é o modo como lidamos com nosso medo do vazio, aliás, como digo no livro, vanitas em latin é ambos vazio e vaidade em português. Como tem muita gente que me critica, é dificil ficar vaidoso o tempo todo. Quando se tem que enfrentar o risco da acídia, termo medieval pro pessimismo profundo,  esquece-se da vaidade facilmente.

Imagino que viva de acordo com o que escreve – o que dá para falar sobre sua vida pessoal?

Nunca me preocupo em ser um guru existencial. Trabalho muito, corro atrás de resolver problemas, como todo mundo. Sou um romântico na realidade, uma espécie que se sente continuamente no exílio, como dizia Goethe, o romantismo é a doença. Fui pra filosofia pra dizer o que de fato penso e neste sentido acabo não tendo tempo pra fingir ou me preocupar em falar o pacote de frases corretas que se deve dizer pra ser visto como alguém legal. Minha vida pessoal é tomada por família, pizza, charutos e casa no interior. Gosto do silêncio e de lugares vazios.

Li uma entrevista que o apresentava como polemista. Concorda com esta designação? Um polemista por excelência, não te soa um pouco gratuito? Em que medida as reações escandalizadas o animam?

Digo que sou polemista no sentido de fazer do colunismo aquilo que deve ser: aumentar a temperatura do jornal e ter opiniões pessoais justificadas numa tradição de argumentação reconhecível. Nada de gratuito. Acho que a hipocrisia é a substância profunda do convívio social e em matéria de filosofia pública, o que eu faço, não se pode fugir facilmente de polêmicas. Mas na realidade, não sou muito ligado nas controvérsias a partir do que escrevo ou digo. Não escrevo pra ser amado, mas sim pra não me sentir só.

Enxerga alguma semelhança no seu protagonismo com o de Paulo Francis?

Ele foi um dos meus formadores como intelectual público. Vejo-o como alguém bem formado e corajoso que bateu de frente com o status quo da intelligentsia. Pra mim é sempre uma honra ser comparado a ele.

Você critica veementemente as redes sociais mas notei que tem uma comunidade de admiradores no facebook com umas 3 mil curtidas. e se estivesse no twitter seria um sucesso…

Mas não tenho paciência pra isso. critico a crença infantil de que as redes sociais farao o mundo melhor.

Oriente Médio: o que esse conflito em Gaza nos ensina?

Que não há solução militar pro conflito, que devemos dar ouvido à Autoridade Palestina, que o Hamas é muito competente em marketing e que o antissemitismo hoje se chama antissionismo. Herzl acreditou que um Estado judeu resolveria o antissemitismo, errou em achar isso.

Por que odeia tanto os ‘playboys lights’ e suas bikes, ou os ‘inteligentinhos’?

Porque estão por toda parte… e porque são os novos puritanos do mundo… se acham superiores moralmente. Hoje em dia, Sade falaria deles e não de sexo.

Toda mulher feia é ressentida? Toda mulher independente é incapaz de encontrar um homem que queira fecundá-la e que a obedeça?

Não, não acho que toda mulher feia seja ressentida, falo isso como figura pra trazer à tona uma forma de inveja e hoje é proibido falar do ressentimento… já tem gente nos EUA querendo taxar pessoas mais bonitas como forma de justiça social. Desconfio da bondade do bons. Nem acho que toda mulher independente não encontre um parceiro, acho que o discurso do sucesso da independência mente sobre esse lado b da solidão de muitas mulheres. Pratico simplesmente a iconoclastia com a intenção de falar o que não se pode falar.

Então em matéria de sexo o mundo já foi melhor.

Hahaha… acho que sim… menos papo, mais fato…

Você é contra as baladas?

Não, acho-as um bode.

Não seria um exagero dizer que os documentos estudados por nossos descendentes para compreender como vivemos serão as pesquisas de mercado feitas pelas agências de publicidade, e que as pesquisas feitas pelas universidades são uma nulidade?

Exagero um pouco sim, for the sake of the argument, mas como o argumento é absurdo, sua função é recusar a ideia óbvia de que essas pesquisas não sejam melhores do que a burocracia das academias e suas ideologias salvadoras. Em publicidade se lida com muito dinheiro, e se você viajar, perde o cliente. Na universidade podemos falar qualquer coisa em ciências humanas porque ninguém vai perder o emprego por isso, a menos que seja por patrulha ideológica.

Você escreve – “ética”, quando você vê alguém usando essa palavra, indica que está diante de um mal caráter. Pensei na Marina Silva. E na Dilma. e no Aécio. Algum comentário geral sobre estas eleições e no modo como vivemos a política?

Acho que é saudável mudar de partido quando a situação está ruim. O discurso sobre ética na política é marketing. Não se pode abusar, mas li Maquiavel muitas vezes pra levar ética e política como coisas obviamente irmãs. Acho que a política é o lugar da competência em gestão de assuntos públicos.

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Morrem um professor, um político e as minhas esperanças

Por Morris Kachani
14/08/14 12:08

_DSC4748_1Por Tracy Segal

Não acompanhei muito a trajetória de Eduardo Campos, mas sei de sua importância no contexto democrático de nosso jovem país.  Mas esta nova morte, repentina, de Nicolau Sevcenko me arranca nacos do coração. Acredito mais no ensino do que na política. Sou adepta do sistema finlandês onde professores são o cargo mais alto da sociedade e tidos como heróis nacionais. Pena ser terra tão gélida se não já teria carregado minhas trouxas para lá.

Infelizmente, nunca fui aluna de Nicolau Sevcenko, mas há algumas semanas estávamos nos correspondendo pois ele me daria uma entrevista, que estava marcada para este próximo fim de semana.

Num primeiro contato por email, eu com vários dedos receiosos digitei um pedido para entrevistá-lo, com todo o respeito ao grande homem do saber, o homem que poderia me dar respostas sobre nosso Brasil tão perdido, num mundo tão controverso.

Nicolau era doutor em história , tendo ensinado na USP, Unicamp, PUC e agora era professor em Havard.

A resposta do email veio em menos de 24 horas contendo o gentil acolhimento deste grande professor onde ele aceitava o convite. Mergulhei no seu universo, assisti entrevistas, li seu livro A corrida para o seculo XXI – No loop da montanha-russa, persegui sua história pessoal. Um homem é um homem, como diria Brecht, mas Sevcenko contra todas as adversidades de sua vida chegou ao cargo máximo de nossa sociedade, era doutor em história social com pós doutorado pela University of London. Seu passado foi marcado pela descendência de ucranianos imigrantes pobres em São Paulo, chegou a dormir na rua para poder frequentar suas aulas da USP onde se formou com louvor tendo em sua banca Sergio Buarque de Holanda.

Este homem estrangeiro em sua própria terra enxergou nossas idiossincrasias e com generosidade dos mestres viu a modernidade mecanizando nossas vidas sem amargar.

Versava sobre nosso mundo moderno e contemporâneo, passeando pelas artes. Era um homem de belas letras e a academia não roubou sua alegria.  Apaixonado por Lewis Caroll, era seu melhor tradutor, a menina Alice ganhou voz nacional pelas mãos hábeis do professor que afirmava  esta obra ser “a melhor lição de ética, de irreverência e de inconformismo, tanto para crianças quanto para adultos.”

Agora resta minha dor egoísta diante das perguntas que ficaram sem resposta. Nossa troca de emails sempre muito agradável, a entrevista estava agendada para este fim de semana pois ele viria ao Rio de Janeiro para dar uma palestra no MAR e nos encontraríamos depois. Eu me preparava com a ansiedade dos grandes momentos, ignorante da tragédia iminente, onde esperava ouvir sobre o Brasil e o mundo, as irrupções do mundo árabe, a Ucrânia caótica contemporânea, a vida acadêmica em Harvard, as reviravoltas nas universidades brasileiras e a crise na USP, entre outras perguntas numa lista que daria uma entrevista longa e certamente brilhante de alguém que analisa o mundo com olhos afiados pelo estudo e a genialidade.

Presto minha homenagem a este homem que eu iria conhecer, mas que a foice do destino foi mais rápida.

Este agosto agourento de 2014 perde um grande homem.

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Gaza, Itamaraty e Edir Macedo, segundo Henry Sobel

Por Morris Kachani
11/08/14 08:08

 

 

(Foto: Jair Magri)

(Foto: Jair Magri)



O rabino Henry Sobel, protagonista histórico na defesa dos direitos humanos no Brasil, afirmou que Israel tem o direito de se defender no conflito em Gaza e disse compreender a ação do Exército, embora não concorde. “Um país que é submetido a ataques de foguetes tem o direito de se defender, mesmo que se interprete que estes ataques sejam relativamente ineficazes. Pode até se questionar a dimensão desta defesa, mas o direito a ela não pode ser questionado”.

“A verdade deve ser dita: o Hamas não tem mostrado interesse em poupar civis em Israel ou Gaza. A estratégia do grupo de lançar foguetes a partir de áreas residenciais, armazenando armamento em escolas, reflete a disposição dos seus líderes de colocar seus civis em situação de risco, de modo que Israel se defenda com a nefasta alternativa de matar civis ou permitir que os ataques de foguetes continuem”.

“Israel tem objetivos militares legítimos em Gaza. Acabar com os foguetes e os túneis. E vai continuar perseguindo tais objetivos embora demonstre preocupação com os civis.

Tento compreender o comportamento do establishment militar de Israel. Não concordo em assistir passivamente a morte dos civis em Gaza. Não concordo com bombardear escolas. Não concordo com a atitude do Exército, mas compreendo”.

Sobel critica os governantes de lado a lado: “acho que o diálogo é imprescindível no Oriente Médio e infelizmente a liderança de Israel e do Hamas, ambos os lados, não deixa o diálogo como algo viável. Israel sob Netanyahu, e a liderança do Hamas, se preocupam em matar ao invés de ouvir”.

“Netanyahu faz mal para Israel, mas felizmente o Estado é maior do que sua pessoa, não podemos confundir o Estado com o governo”.

E acrescenta: “o que o Oriente Médio precisa é acabar com o fundamentalismo, este pensamento religioso radical que está predominando naquela região. É preciso negociar, negociar, negociar. Uma criança não é palestina, nem israelense. Uma criança é uma criança”.

Sobel criticou também a postura do Itamaraty durante o conflito: “Creio que quando chamou o embaixador brasileiro em Israel para consultas, e fez uma crítica aberta à política israelense, a presidente Dilma deveria também ter expressado sua posição sobre os ataques terroristas do Hamas. Nós sabemos que o governo brasileiro é contrário ao terror e defende uma solução negociada para o conflito”.

“Achei a nota do Itamaraty muito esquisita. Não concordo com a crítica feita. A política externa de um país não deve interferir na política interna de outro. Moro aqui há 44 anos, fico decepcionado com a tomada de partido de um dos lados. Não é o papel do Brasil”.

“A crítica construtiva seria perfeitamente legítima. Mas foi uma crítica visando valores. O Brasil está tão longe geograficamente e politicamente, o que os israelenses precisam não são palavras ofensivas. O Brasil precisa ser sério em sua crítica, e tomar a iniciativa de colocá-la em prática”.

Sobel também se disse decepcionado com a chancelaria israelense, que chamou o Brasil de “anão diplomático”: “é uma posição ruim, incompatível com a tradição de alta qualidade da diplomacia israelense”.

“O Hamas tem falhado, o governo de Israel tem falhado, e o Itamaraty falhou”, concluiu.

Sobel também foi indagado sobre a indumentária religiosa judaica usada pelo bispo Edir Macedo, e a inauguração do Templo de Salomão. “Cada religião tem sua particularidade, suas tradições e seus símbolos. Cada religião é igual. O importante não é o quipá (solidéu). É o talit (xale religioso cujo uso tem em um de seus objetivos sublinhar a igualdade entre os oradores), do Macedo. O importante é a tolerância dele ou a falta de tolerância em relação a outras religiões”.

“Foi um gesto simpático por parte de Edir. Um gesto de amizade. Mas não deve ser levado a sério. Fui convidado para a inauguração da igreja, mas não compareci. Eu acho que o caminho de um líder religioso não é vestir o símbolo de outra religião, não é aparecer mascarado de outra religião”.

“Não sei quais são as finalidades dele, lhe dou o benefício da dúvida”, concluiu.

DOCUMENTÁRIO

A TV Cultura apresentou no último domingo, um documentário inédito sobre Henry Sobel, produzido pela própria emissora.

O documentário mostra a trajetória do rabino – as origens da família, a infância e adolescência nos Estados Unidos e principalmente, o papel de destaque de Sobel como líder comunitário judaico em São Paulo, onde atua há 44 anos.

Contrariando o regime militar, Sobel refutou a farsa montada em torno do assassinato de Vladimir Herzog, nos porões da ditadura, recusando-se a enterrá-lo na ala dos suicidas no cemitério israelita. O ato ecumênico em sua homenagem, na Catedral da Sé, do qual Sobel participou, ao lado de Dom Paulo Evaristo Arns e do reverendo Jaime Wright, é um marco das manifestações de protesto da sociedade civil contra as práticas da ditadura.

O filme conta com depoimentos de FHC, Juca Kfouri, Maria Adelaide Amaral, entre outros.

O episódio do furto das gravatas – em 2007 o rabino foi flagrado furtando 4 gravatas em uma loja de Miami – também é lembrado, e, embora dita em um outro contexto, a frase de Sobel logo no início do filme vem carregada de significados, “antes de ser rabino, eu sou homem”.

Mais adiante, referindo-se ao episódio, diz: “aquilo foi uma falha moral e o preço mais alto foi uma alma machucada”.

Em São Paulo, o rabino pretende celebrar o casamento de sua filha Alisha, em novembro. Depois, deve passar uma temporada em Miami, onde exerce o rabinato emérito. Aos 70 anos, sua ideia é ficar na ponte aérea entre Miami e São Paulo. Na capital paulista Sobel também exerce o rabinato emérito, como o trabalho semanal de visitas aos pacientes do hospital Albert Einstein.

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Gaza: a gênese de um conflito

Por Morris Kachani
04/08/14 13:22
Manifestante na Europa pede a paz nos dois idiomas, árabe e hebraico

Manifestante na Europa pede a paz nos dois idiomas, árabe e hebraico

Por Tracy Segal

A gênese do confronto em Gaza, que absorve a atenção em proporções planetárias, tem um fio que remete ao nascimento do nacionalismo, e do movimento sionista em consequência ao não-pertencimento do povo judeu a nenhuma das jovens nações de uma Europa do século 19.

“Como resultado do antissemitismo surge o movimento sionista, e como resultado do movimento sionista, temos uma população palestina sendo deslocada em 1948.”

Em entrevista a este blog o professor James Gelvin, do departamento de história da UCLA, pesquisador de história sócio-cultural moderna e contemporânea do Oriente Médio, expõe um panorama deste conflito que segundo ele ainda terá vida longa. Este jogo complexo, onde os três principais protagonistas são Israel, Palestina e o Egito, tem muitas entranhas e pode ser considerado a mais longa batalha viva por terra.

No combate midiático Israel perde popularidade numa luta com uma entidade múltipla como o Hamas, uma entidade com inúmeros braços e diversos objetivos, muitas vezes contraditórios.

“O Hamas estava enfraquecido por conta da queda do governo da Irmandade Muçulmana no Egito. E não há nada para unir mais o povo do que entrar em confronto com Israel, ainda mais com Israel fazendo o que está fazendo na Cisjordânia”.

“Não existe fim de jogo para Israel. Eles querem degradar o Hamas, mas não querem destruir o Hamas. Eles querem alguém lá para administrar as coisas. Existe um padrão que a cada 2 anos eles entram em Gaza porque alguém lançou um míssil ou um soldado é sequestrado, e degradam a capacidade militar, destroem os mísseis e lançadores, matam pessoas e tudo isso. Depois saem. Então 2 anos depois eles voltam. Isso aconteceu em 2006, 2009, 2012, 2014. É um padrão.”

Com relação ao incidente diplomático envolvendo o Itamaraty e a chancelaria israelense, ele diz: “Foi completamente descabido, por parte do governo israelense, chamar o Brasil de ‘anão diplomático’. Agora, o que os países latino-americanos estão fazendo não causará efeito algum”.

Como posicionar esse conflito num contexto histórico?

Se trata de uma batalha nacionalista. É uma luta pela terra. Um confronto simples e quintessencial, comum. O que o diferencia, é que é o mais longo confronto por terra que presenciamos.

A maior parte do confronto acontece durante a Guerra Fria, quando Israel e seus inimigos eram usados pelos EUA e pela União Soviética, manipulados de várias formas para aumentar a força americana ou soviética nesta região. O que tornou qualquer reconciliação impossível. E isso acontece no meio do século 20 quando não se pode mais exterminar uma população inteira. Você tem uma população nativa da região que insiste no direito de retornar às suas casas, e no direito de participar das decisões políticas deste processo que levaria à criação deste novo Estado. Esses são provavelmente os dois principais motivos pelo qual esse conflito não acaba.

Os resultados da guerra de 1967 (Guerra dos 6 dias), é que do lado dos palestinos vemos o nascimento da Organização pela Libertação da Palestina (OLP) moderna, que surge junto com diversos outros movimentos de libertação nacionalistas ligados ao culto da violência armada, que acreditavam que a libertação viria através do poder das armas. Eles continuaram o conflito desta forma, o que não envolve a população palestina, e também não foi muito eficaz em destruir o inimigo.

Também em 1967 começa a expansão dos sonhos de muitos sionistas dos primeiros tempos que agora poderiam ser realizados pela primeira vez. Eles agora têm posse da Cisjordânia, de Gaza, por que não expandir, não colocar os assentamentos, por que não controlar toda a Palestina? São estes fatores que garantem que o conflito vai durar muito tempo.

Tudo começa com o movimento sionista?

Bastante. O holocausto foi algo difícil para o movimento sionista resolver. Os judeus deveriam se mudar para a Palestina por que os judeus da Europa estavam enfraquecidos e foram degradados por anos vivendo como minoria sem a dignidade que os seres humanos devem ter.

O holocausto provou que o movimento sionista estava certo, de várias formas. O holocausto se tornou a grande pedra de toque para o movimento sionista, ou seja, eles se referem a isso para afirmar que precisam de Israel, por que se não existir Israel um novo holocausto pode acontecer, ou merecem Israel por causa do holocausto. Então a narrativa na qual o holocausto se inseriu mudou várias vezes na história.

Não pense no sionismo como uma coisa, mas como várias coisas. É múltiplo como qualquer nacionalismo, com diversos pontos de vista, interpretações. Existem os sionistas seculares, os sionistas religiosos, os sionistas revisionistas – que não ficarão felizes enquanto não controlarem toda a área do Mediterrâneo até o rio Jordão – e o sionismo trabalhista mais preocupado com questões sociais dentro da comunidade judaica.

Na Palestina porém, antes da Segunda Guerra, a direita, que mais tarde se tornaria o Likud, partido da extrema direita em Israel, se tornou mais poderosa por causa da imigração. Sendo esta imigração resultado das leis antissemitas na Europa. Essas pessoas eram em parte refugiados políticos ou econômicos, e muitas vezes não eram sionistas, só precisavam de um lugar pra ir e acabaram na Palestina, mas a maioria entrou para os partidos de direita burgueses que estavam se formando e encontraram um herói em Vladimir Jabotinsky, que foi o fundador da ala revisionista do sionismo. Ele se tornou um herói para esse povo, por que ele se opôs ao grupo socialista, ao Partido Trabalhista. Ele deu suporte aos burgueses que não eram socialistas. Foi quando a direita ganhou coesão na Palestina.

Podemos dizer que em consequência ao antissemitismo na Europa os palestinos pagaram a conta?

É mais do que só resultado do antissemitismo na Europa. Quando você diz antissemitismo você está olhando para a Segunda Guerra Mundial, mas quando você olha para o nascimento do movimento sionista há motivos para que surja o nacionalismo. Basicamente é porque você se tornou um outro, você não pertence a um grupo. No século 19 nações estavam nascendo, os judeus que eram maioria no Império Russo não poderiam ser russos, teriam que se converter e falar somente russo, o mesmo acontecia em outros países da Europa. Basicamente chegaram à conclusão de que precisavam de um nacionalismo próprio. O sionismo é basicamente a conversão de uma comunidade religiosa em uma comunidade política. Pela primeira vez você tem uma nação judaica. Como resultado do antissemitismo surge o movimento sionista, e como resultado do movimento sionista você tem uma população palestina sendo deslocada em 1948.

Os palestinos sofrem preconceito de todos lados?

Algumas coisas são importantes de serem ditas: foram os próprios palestinos quem, no começo, decidiram que não se misturariam. Existe uma identidade palestina, separada, eles não são sunitas, libaneses ou sírios. Eles são palestinos. Uma coisa que os israelenses falam é que existem 22 Estados árabes, eles são simplesmente árabes, eles podem ir pra qualquer outro Estado árabe. Por que eles precisam deste lugar em particular?

Bom, porque existe uma identificação distinta com este Estado, um nacionalismo palestino. Isto foi mantido vivo para manter a população palestina segregada. Alguns países árabes queriam manter isto por motivos econômicos, competição de empregos e coisas assim. Palestinos podem se tornar cidadãos da Jordânia em alguns casos. No Líbano eles conseguem visto de trabalho, mas só podem exercer determinadas profissões. Eles podem trabalhar na Síria mas não tem benefícios. Mas o que significa benefícios na Síria? (risos)

Existe uma comunidade palestina que ficou em Israel, 20% da população lá hoje é palestina. Mas há discriminação. Dizem que eles podem fazer quase tudo que um cidadão israelense faz, exceto servir ao exército, ou melhor, uma minoria palestina já serviu. É como nos EUA com os negros. Os palestinos estão entre os mais pobres, existe discriminação nas escolas, eles apenas podem residir em certas áreas, não podem formar um partido político – mas todos sabem que o partido comunista em Israel é pela Palestina. Eles estão na camada mais miserável de Israel.

Você acha que Israel tem o poder de resolver esse conflito agora?

Não existe fim de jogo para Israel. Eles querem degradar o Hamas, mas não querem destruir o Hamas. Eles querem alguém lá para administrar as coisas. Existe um padrão que a cada dois anos eles entram em Gaza, por que alguém lançou um míssil ou um soldado é sequestrado, e degradam a capacidade militar, destroem os mísseis e lançadores, matam pessoas, depois saem.  Dois anos depois eles voltam. Isso aconteceu em 2006, 2009, 2012, 2014. É um padrão.

O que o governo israelense realmente quer é acabar sem uma vitória do Hamas. Ou seja, eles não querem recompensar o Hamas pelo confronto, pelos mísseis lançados, etc. Mas eles não tem a capacidade de dar um fim sem recompensar o Hamas, ou de qualquer forma que garanta o cessar-fogo. Onde está o segredo? O que o Hamas desesperadamente quer, e repete incessantemente, é um alívio no bloqueio. Eles querem a abertura da passagem de Rafah, mas isto é controlado pelos egípcios. Eles não podem pedir ao israelenses isto, pois depende dos egípcios.

Onde os egípcios estão agora? Eles tem um novo governo que entrou no lugar da Irmandade Muçulmana, e agora eles odeiam a Irmandade Muçulmana e suas extensões – o Hamas é uma delas. Eles odeiam o Hamas, e amam a ideia do Hamas estar apanhando de Israel. Mas por outro lado, os egípcios estão sob pressão interna, e de outros Estados árabes. Seu povo está muito infeliz com o que está acontecendo na Palestina. Surge também uma pressão dos EUA, da ONU, e de outros países para que os egípcios encontrem uma conciliação. Mas a primeira proposta de cessar-fogo egípcia foi um não começo, porque foi idêntico ao de 2012 aceito por ambos. Por que o Hamas não aceitou agora? Porque a parte sobre o alívio do bloqueio é muito ambígua. O que o Hamas quer agora são garantias de que o bloqueio será aliviado, que a passagem de Rafah será aberta, mesmo que não completamente. Mas do lado de Gaza o que o Hamas não quer, é que a Autoridade Nacional Palestina – que está em colaboração com Israel – administre esta passagem. Especialmente agora que as coisas estão começando a virar para seu lado.

Ninguém está falando de Mahmoud Abbas (presidente da Autoridade Nacional Palestina e um dos fundadores do Fatah). Aliás, na Cisjordânia aconteceram vários protestos de apoio ao Hamas, e as forças de segurança da Autoridade Nacional Palestina impediram os protestos de chegar perto de qualquer posto de controle de Israel, ou qualquer lugar que pudesse ser perigoso para Israel, por isso eles estão perdendo popularidade entre os palestinos, e o Hamas está ganhando popularidade com estas atitudes. As coisas estão virando numa direção muito diferente.

Podemos dizer que Israel está perdendo esta guerra midiática?

Sim, inacreditavelmente. Você vê demonstrações em massa pelo mundo contra Israel. Isto é bom e ruim para Israel. É ruim porque é bom ser amigo de todos, mas isso também alimenta a paranóia que já esta lá: “Todos nos odeiam, por isso precisamos de um Estado judeu. Olha estas pessoas protestando contra nós nas ruas de Paris? Todos os judeus precisam vir para Israel, é o único lugar onde ficarão seguros.”

E a interferência dos EUA, da ONU e de outros países?

Nenhum desses países ou organizações têm chances de conseguir um cessar-fogo. Existe uma lógica própria nesse conflito que precisa achar sua saída em si, pelas mãos dos três participantes, incluindo o Egito devido a sua habilidade em responder à maior demanda do Hamas.

Esta não é a primeira vez que os EUA tentam negociar com diplomacia. Pode vir pressão de outros países, mas não um cessar do conflito.

Então a atitude do Brasil e de outros países da América Latina não causa efeito algum? Chamaram o Brasil de anão diplomático em resposta, você soube?

Este é um exemplo de por que Israel não tem muitos amigos no mundo, usar a palavra  “anão” é completamente descabido. Agora, o que os países latino-americanos estão fazendo não causará efeito algum.

No século 19 Lorde Palmerston disse: “nações não têm amigos, nações têm interesses.” Agora você pode dizer que o Brasil, o Equador e a Venezuela não são particularmente amigáveis com Israel, mas eventualmente os interesses destes países com Israel vão se encontrar, e então as más relações vão acabar.

Podemos considerar Israel uma economia militar? Existe algum interesse econômico neste conflito?

Não, não é bom economicamente para Israel. Os EUA tiveram que mandar milhões de dólares para o programa Domo de Ferro (sistema de defesa antiaérea que intercepta e destrói mísseis). Temos que dar dinheiro por que eles não têm. Quanto ao complexo industrial-militar em Israel, eles exportam uma grande quantidade de armas, é uma indústria de exportação, para a América Latina por exemplo.

Mas com o fechamento do aeroporto de Tel Aviv, a diminuição no turismo em julho e agosto foi de 30%. Isso não é o grosso da economia de Israel, mas é um prejuízo. Fora os boicotes no mundo. Por outro lado, esse não é um conflito econômico e Israel está contando que com o tempo as pessoas esquecerão o que aconteceu.

Por várias vezes vejo nas notícias o Hamas como um grupo terrorista. No que consiste o Hamas?

Hamas é uma entidade, que é muito semelhante ao Hizbollah. Consiste de várias alas que não cabem numa caixa específica. No ocidente temos ou um partido político, ou uma milícia, ou uma instituição de caridade. Hizbollah e Hamas são as três coisas e mais. Por exemplo, há membros do governo libanês que foram do Hizbollah. Ao mesmo tempo que ele tem um braço militar que opera de forma bastante independente, é a única milícia permitida a operar no Líbano.

Hamas é a mesma coisa. É um partido político que ganhou as eleições para o parlamento democraticamente em 2006. Estão governando em Gaza agora. São também uma milícia que atira foguetes em Israel, lutando contra israelenses. Às vezes eles estão divididos. Existe um braço militar que está contra uma ala política, mas a ala política inclui uma variedade de organizações de caridade que, por exemplo, cuidam do alívio da população palestina. Tem pessoas que estão no governo e outros que não estão. São entidades que preenchem um largo espectro de funções, tanto no Líbano como em Gaza. O motivo pelo qual isso acontece é porque basicamente o governo não funciona em nenhum desses lugares. Então você tem organizações como Hizbollah ou Hamas que funcionam como governos dentro dos governos, que funcionam instituindo ou bem estar social, ou educação ou defesa.

Qual seria uma análise da lógica interna desse conflito?

O confronto começou com uma série de mísseis atirados de Gaza, mas na realidade começou antes disso com o cerco de Israel sobre 500 membros do Hamas para destruir as operações deles na Cisjordânia. Os israelenses querem fazer várias coisas ao mesmo tempo. Agora eles querem destruir o máximo de infraestrutura do Hamas na faixa de Gaza, destruindo os mísseis, os lançadores, os túneis. Os túneis surgiram como uma surpresa para Israel. Eles encontraram nos túneis coisas como cordas, algemas, eles acreditaram que eram para abduções de cidadãos isralenses e para infiltrar pessoas em Israel. Outro objetivo é destruir a reconciliação entre Hamas e a Autoridade Nacional Palestina. Tem havido reuniões entre lideranças da Autoridade Nacional Palestina e o Hamas, eles estão se juntando. Em 2007 eles se separaram completamente. Mas a Autoridade Nacional Palestina tem melhorado nas negociações. Existem pessoas do Hamas que estão infelizes com isso, principalmente o braço militar do Hamas. O que eles temem é que haverá a introdução das forças de segurança de Autoridade Nacional Palestina em Gaza e eles ficarão desempregados.

Não somente Israel é contra a reconciliação, existem grupos no Hamas que também são contra. O que complica é que você está lidando com múltiplos grupos dentro do próprio Hamas.

Então uma reconciliação se torna impossível?

A ideia de reconciliação vem à tona pelo fato de que o Hamas está encurralado, o bloqueio é efetivo e eles se tornaram muito impopulares nos últimos anos, particularmente quando o governo pró-Hamas de Mohamad Mursi no Egito foi deposto pelos generais, dando lugar ao grupo anti-Hamas que mantém fechado o bloqueio da passagem de Rafah.

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Sobre Edir Macedo e o rei Salomão

Por Morris Kachani
31/07/14 19:46

bispo.jpgUm templo que é 4 vezes maior que o Santuário de Aparecida, equivalendo a 5 campos de futebol.

De Hebron, na Terra Santa, foram trazidos 40 mil metros quadrados de pedras. Doze oliveiras foram importadas do Uruguai para reproduzir o Monte das Oliveiras. Nas paredes, grandes menorás – candelabros de sete braços. E Edir Macedo orando, de barba branca, vestido com uma indumentária judaica – o kipá, o talit (xale utilizado pelos hebreus nas preces).

Estamos no Templo de Salomão, da igreja Universal, em São Paulo, que acaba de ser inaugurado, a um custo de R$ 680 milhões e capacidade para 10 mil pessoas.

Os últimos números apresentados IBGE dão conta de que a Universal tem perdido fiéis e espaço para as concorrentes. No último censo a igreja fundada pelo bispo Edir Macedo perdeu 229 mil adeptos, passando de 2,102 milhões para 1,873 milhão. Já a Igreja Mundial do Poder de Deus, de Valdemiro Santiago, ganhou 315 mil seguidores.

De acordo com Ricardo Bitun, professor do departamento de pós graduação de ciências da religião do Mackenzie, a construção do templo marca uma nova fase da Universal. “Pelos comerciais que estão sendo veiculados na TV Record, muito bem feitos por sinal, se projeta um novo perfil para o fiel da Universal: bem sucedido, bom cidadão, classe média, um homem de família, o famoso bordão: ‘Eu sou Universal’. Ali você tem uma dentista muito bonita, um médico, um advogado”.

“Existe uma transformação em curso. A Universal captou a ascensão de uma nova classe social e passou a trabalhar de outra forma”.

“A Universal, veio pra ficar, criar raízes e disputar fiéis no interior do campo religioso brasileiro, bem diferente de seu início modesto, quando realizava seus cultos em velhos barracões alugados”.

O que significa a construção do Templo de Salomão no contexto religioso brasileiro atual?

Penso que de alguma forma ao construir o Templo de Salomão, a Universal ganha capital simbólico, ou seja, até então grandes catedrais (que representam capital simbólico) eram monopolizadas pela igreja Católica romana. Por exemplo o marco zero da cidade de São Paulo – Catedral da Sé -, ou na cidade de Aparecida do Norte, localizada entre duas grandes metrópoles, onde temos a maior catedral do Brasil, e assim por diante.

Em toda grande capital, você é capaz de vislumbrar uma grande catedral católica romana encravada no meio da cidade, com suas torres e sinos, dando visibilidade à religião e simbolizando a força da mesma na cidade.

Quem utiliza este termo capital simbólico é Pierre Bourdieu, sociólogo francês, ressaltando que a religião é portadora de um “capital religioso”, que por não ser obrigatoriamente quantificado ou mensurado, pode ser chamado de “capital simbólico”. Significa dizer que no chamado “campo religioso” há uma disputa por parte das instituições para disponibilizar e manipular os “bens simbólicos de salvação” que compõem o capital (areia abençoada, mesa branca energizada, óleo orado, rosa ungida, entre outros).

Com a construção do Templo de Salomão o eixo simbólico religioso é no mínimo compartilhado (ou deslocado) para uma outra religião que mostra sua força e vontade de competir numérica e simbolicamente com a religião que até então (500 anos) detinha o monopólio religioso.

Além disso, mostra por parte da liderança da Universal a firme decisão de querer estabelecer suas raízes em solo pátrio, não que já não tenha estabelecido, mas a construção de um templo destas proporções reforça a ideia de que ela, Universal, veio pra ficar, criar raízes e disputar fiéis no interior do campo religioso brasileiro, bem diferente de seu início modesto, quando realizava seus cultos em velhos barracões alugados.

Ronda agostoComo a Universal se inscreve no cenário pentecostal? O número de fieis cresce ou diminui? Quem são os principais concorrentes da Universal e quem os apóia?

A Universal é descrita por sociólogos e pesquisadores da religião como pertencente ao chamado neopentecostalismo – pentecostais que se distanciaram da antiga matriz pentecostal clássica como por exemplo as Assembleias de Deus e tantas outras. Utilizam a Teologia da Prosperidade -teologia que interpreta os textos bíblicos a fim de que os fiéis creiam que Deus tem saúde e bênçãos materiais para entregar ao seu povo-, como sua principal alavanca na conquista de novos fiéis, prometendo-lhes a riqueza terrena ao invés das futuras riquezas celestiais. As benesses do céu são para o “aqui e o agora”.

Os últimos números apresentados pelo IBGE dão conta de que a Universal tem perdido fiéis e espaço para as concorrentes, também pertencentes ao neopentecostalismo: Mundial do Poder de Deus, Internacional da Graça de Deus e outras menores.

Qual a diferença entre o público delas e da Universal?

Além de curiosos, pesquisadores e público em geral, penso que o próprio fiel da Universal terá muito interesse e “orgulho” em estar dentro do templo da sua igreja. Arrisco a dizer que o imaginário medieval pode aqui muito bem ser reproduzido na cabeça do fiel moderno (guardada as devidas proporções espaciais e temporais). Imagine um camponês saindo de sua pequena casa e entrando numa grande igreja europeia da Idade Média, com afrescos e ouro por todos os lados? Qual a sensação que passaria por sua cabeça? Poder, riqueza, luxo, etc.? Voce poderia me dizer: -“Isto num primeiro momento, mas depois não viria a raiva, o sentimento de opressão, exploração, etc?”. Provável. Mas, também o de construção de algo que lhe dê orgulho, grandeza, etc.

Penso que o mesmo acontece, (numa análise bem simples e informal) com o fiel da Universal, aquela é a sua “casa”, a “sua” igreja.

No que o público da Universal se diferencia das outras neopentecostais?

O público é também das classes menos favorecidas, mas não só. Você vê pelas propagandas na TV. Nas outras o poder aquisitivo dos fieis é mais baixo, de forma geral.

Por exemplo, Valdemiro Santiago, da Mundial, dá mais ênfase para a cura divina, e a Universal vem se distanciando disso. A tendência está em buscar a nova classe média. Talvez a Universal tenha mais apelo com ela, sem esquecer o pessoal lá de baixo.

Os cultos e a mitologia da Universal mudaram ao longo do tempo ou continuam os mesmos? Tem alguma ideia ou projeção de quanto a igreja arrecada em termos de dízimos?

A ênfase da Universal em seu começo (1977) foi o exorcismo, a “guerra santa” contra os poderes diabólicos, encarnados principalmente nas religiões afro.  Possuía até então um forte viés maniqueísta vendo o mundo como o palco de uma luta constante entre Deus e o Diabo, dividindo assim todas as suas estratégias e atividades.

Na década de 80 e 90 eles mudam sua ênfase, migrando para a teologia da prosperidade como seu principal foco. Isto é facilmente verificável através do chamados “testemunhos” via TV (Record). Antes era o “eu era pobre, desempregado, miserável…”, agora é “tenho dois carros do ano, casa própria e uma próspera empresa”. Este é o rosto da Universal pós década de 80 e 90.

Estamos presenciando agora uma outra fase, que tem seu início, ao que me parece desde a construção do templo. Pela TV se projeta um novo perfil para o fiel da igreja: bem sucedido, bom cidadão, classe média, um homem de família, o famoso bordão: “Eu sou Universal”.

Não quero dizer com isso que ela abandone as outras fases (exorcismo, prosperidade, etc), apenas que ela não mais as enfatiza.

Quanto à arrecadação ninguém nunca soube ao certo e asseguro que nunca saberá, este segredo é guardado a sete chaves.

Como se dá a interface entre Universal e Record? Qual o nível de representatividade política da igreja?

A igreja ocupou com muita habilidade o espaço público, principalmente o espaço político. Hoje presenciamos no Rio de Janeiro Garotinho e Crivella numa disputa acirrada pelo governo. Crivella, sobrinho de Edir Macedo, foi ministro da pesca no atual governo. Vereadores, deputados e senadores ligados à igreja são cuidadosamente eleitos e colocados estrategicamente em postos-chave nas comissões que interessam a Universal, principalmente as ligadas a rádio e televisão. Voltando um pouco ao tempo, percebemos a importância da Universal no cenário político quando da derrota eleitoral de Lula representado pela esquerda, assim como na eleição de Fernando Collor (89) e Fernando Henrique (94).

O que sabe sobre o momento atual de Edir Macedo? Na última foto ele aparece vestindo toda a indumentária religiosa judaica, além da barba branca. Tem um por que? Ou ainda, qual seria sua opinião pessoal a respeito disso tudo?

Sua indumentária judaica, sua longa barba branca, etc., compõe o cenário “religioso espetacular” o qual ele, Edir Macedo está pronto a encenar.

Sabe-se pelo último censo do IBGE que a Universal perdeu fiéis para seus concorrentes diretos, principalmente a Mundial do Poder de Deus. Um “contra-ataque” se faz necessário para todo aquele que deseja manter-se na liderança e em pleno crescimento. Creio que Edir Macedo, como todo empresário bem-sucedido, quer garantir sua posição no “ranking da fé”.

Por que a indumentária judaica?

Não só a Universal como outras igrejas neopentecostais, resgatam uma tendência judaizante. Os pentecostais estão muito mais próximos do judaísmo que os católicos. É uma forma de se diferenciarem do arcabouço católico romano que formou a nação brasileira nestes primeiros 500 anos.

E o ritual judaico é riquíssimo, ele dá uma liga. O Antigo Testamento é extremamente simbólico e afinal, constitui aproximadamente ¾ da Bíblia.

A Universal utiliza muitos elementos do judaísmo em suas campanhas. Por exemplo, tem a campanha da Pedrinha de David, na qual o fiel vai lá na frente, faz uma oferta e ganha uma pedrinha simbolizando David. Esta pedrinha supostamente serve para ser usada na hora das dúvidas. O fiel é orientado a pegá-la na mão e orar, em busca de uma solução.

Segundo a Bíblia David destruiu o inimigo filisteu representado pelo gigante Golias, com apenas três pedrinhas.

Por que decidiram chamar este complexo religioso de Templo de Salomão?

O cristianismo sai do judaísmo. São muito próximos no começo. Salomão é filho de David. O Templo de Salomão foi o primeiro grande templo judaico (o Muro das Lamentações, em Jerusalém, é o que sobrou dele). Segundo a Bíblia no templo original havia uma arca de aliança toda de ouro com querubins em cima, e dentro três elementos: as duas tábuas da lei que Moisés recebeu, a vara de Arão (irmão de Moisés), e o maná – o pão que descia do céu durante a travessia no deserto. Isso se perdeu, após a destruição do templo. Mas no templo da Universal, vai ter uma réplica dessa arca.

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O Irã que você não conhece

Por Morris Kachani
30/07/14 10:54

CORINTHIANS E PALMEIRASA construção da imagem da nação iraniana aos olhos do brasileiro e, em mais larga escala, do ocidental, vem sendo tecida a partir de três perspectivas.

Em primeiro lugar o noticiário, focado no regime linha-dura conservador. Das já clássicas fotografias da bandeira americana sendo queimada em praça pública, às declarações estapafúrdias do ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad, por exemplo questionando a existência do Holocausto, ou passando pelo apoio e alinhamento ao governo sírio contra os insurgentes, e a instituições como o Hamas na Palestina, e o Hizbollah no Líbano.

No plano da literatura, alguns best sellers internacionais, como “Persépolis” ou “Lendo Lolita em Teerã”, escritos por iranianos no exílio, relatam as agruras e privações de uma sociedade secular tentando sobreviver aos desígnios de uma revolução religiosa que impôs um código moral de costumes inspirado na leitura do Islã sob a ótica xiita.

E o cinema, feito de parcos recursos, mas que através de uma narrativa própria e sofisticada conseguiu contornar os censores e nunca se furtou de expor as mazelas do país, criando uma legião de admiradores pelo mundo. Diretores como Abbas Kiarostami, Mohsen Makhmalbaf e Jafar Panahi – este último condenado a prisão domiciliar desde 2010 -, fazem parte do primeiro time de qualquer festival internacional. Mas nenhum filme iraniano ganhou tanta projeção como “A Separação”, vencedor do Oscar de 2012, trazendo como pano de fundo as distorções de um sistema judicial teocrático, autoritário e machista.

“Os Iranianos” (editora Contexto), de Samy Adghirni, que trabalhou como correspondente desta Folha em Teerã por dois anos e oito meses, agrega frescor e lança uma luz sobre a complexidade que marca esta sociedade em transformação, etnicamente diversa e multifacetada.

Como diz o próprio autor, o objetivo “é pegar o leitor pela mão e lhe apresentar um país sobre o qual ele ouve notícias quase todo dia, mas não necessariamente o conhece”. Com uma linguagem leve e claro propósito de didatismo, o livro é uma imersão na vida cultural, política e econômica do Irã.

Inevitavelmente, uma imensa gama de contradições desponta de suas 218 páginas. O Irã ostenta IDH superior ao Brasil (76 no ranking mundial, o Brasil está em 85), um atendimento de saúde pública funcional e um sistema de ensino extremamente competitivo e elitizado. A taxa de analfabetismo é baixíssima e o nível de instrução da população vem sendo saudado pela ONU.

O país possui sólida tradição histórica, remontando ao império persa, que um dia ocupou as fronteiras que vão do atual Afeganistão à Grécia. Até hoje, ecos desta tradição se fazem sentir, a começar pela língua falada, o farsi, que pouco tem a ver com o árabe dos vizinhos. Berço de religiões seminais como o zoroastrismo, ou de grandes poetas como Hafez e Omar Khayyam, o país tem repertório cultural vasto, sendo considerado um dos mais refinados da região.

“O contraste maior é entre um regime anacrônico, em defasagem total com a maior parte da população, não apenas a classe média alta, que enxerga nele uma loucura ideológica absurda e ridícula. Por isso na esfera privada as pessoas vivem uma outra vida”, diz Adghirni.

A ‘outra vida’ consiste em desacato ao jejum do Ramadã, mesmo que seja comendo biscoito no banheiro. Ou o consumo de bebidas alcoólicas, apesar da proibição do regime. Driblando os bloqueios da internet. Em certo aspecto, a cultura americana, abominada pelo regime, é admirada pelos seus cidadãos, ressalvada a política externa, considerada por quase todos como sendo intervencionista.

De acordo com Adghirni o Irã talvez seja o país de maioria muçulmana com menos ódio antissemita – os inimigos históricos são os árabes, que consideram bárbaros. Eles são os responsáveis pela invasão islâmica, que data do século VII.

Talvez o status da mulher no Irã é o que melhor simbolize estas contradições. Por trás das restrições impostas a elas, existe um protagonismo que as coloca entre as mais emancipadas do Oriente Médio. Elas são obrigadas a usar o véu, andar na parte de trás do ônibus, e na esfera legal ainda são muito desfavorecidas.

Mas é comum namorarem antes do casamento, votam e são eleitas, e trabalham livremente, em todas as áreas, ocupando cargos de liderança. No Irã de hoje as pessoas casam mais tarde e têm menos filhos, aproximando o país do padrão europeu de crescimento demográfico.

Quase três décadas de sanções econômicas emperram um tanto as possibilidades econômicas do país. Os agentes de repressão e a polícia moral andam às soltas. Há muita corrupção no governo e o controle político é exercido com mão de ferro pelo líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei.

Mas “Os Iranianos” enfim, ajuda a desfazer a imagem de uma sociedade religiosa e anacrônica que muitos poderiam supor verdadeira, a julgar pela leitura superficial que as notícias sobre este país poderiam inspirar.

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A bossa de Charlie Haden

Por Morris Kachani
21/07/14 11:00

haden

Por Horacio Tomizawa De Bonis

No fim da semana passada, em meio a uma avalanche de notícias sobre a Copa do Mundo e com a goleada da Alemanha sobre o Brasil ainda rendendo matérias, análises e muitas piadas, a morte do contrabaixista norte-americano Charlie Haden passou praticamente batida. Somente alguns fãs do jazz, mais ligados, lamentaram a morte do músico que era uma lenda viva do jazz.

Sua morte aos 76 anos, ocorreu na sexta-feira, dia 11 de Julho, em consequência de complicações de síndrome de pós pólio, decorrente da poliomielite que ele contraiu quando tinha 14 anos de idade. Essa doença que teve na juventude foi responsável pela guinada em sua carreira musical, iniciada muito precocemente, cantando música country e folk na Haden Family Band.  A banda familiar chegou a ser bastante popular, se apresentando com frequência em feiras no meio-oeste americano, tendo ainda um programa transmitido diariamente em uma rádio de Shenandoah, Iowa.

A sequela da pólio afetou as cordas vocais de Charlie Haden, porém nesta altura o jazz já chamara sua atenção e então ele começou a tocar no contrabaixo de seu irmão mais velho. O uso do instrumento na música clássica também fascinava Haden, especialmente o que ele ouvia nas composições de Bach.

Em 1957, aos 20 anos, se mudou para Los Angeles e nesse mesmo ano fez sua primeira gravação, acompanhando o pianista Paul Bley, com quem trabalhou até 1959. A partir daí a trajetória de Charlie Haden cruzou com inúmeros músicos importantes do jazz, primeiro como acompanhante, depois como integrante de grupos, e posteriormente dividindo parcerias e discos nas mais variadas formações e vertentes do jazz e de outros gêneros musicais.

Destaques na carreira

A primeira grande marca em sua carreira foi como integrante do Coleman Quartet, liderado pelo saxofonista Ornette Coleman, que iniciava o que acabou se chamando free jazz. Apesar de curta, apenas 1959/60, a experiência ao lado de Coleman foi primordial para vários projetos futuros de Haden.

Em 1969 fundou com Carla Bley a Liberation Music Orchestra, que unia o free jazz e uma música com viés político. O álbum “The Ballad of Fallen”, de 1982, contém alguns temas revolucionários, como músicas da guerra civil espanhola, de El Salvador, Portugal e Chile. Esse álbum foi lançado pelo prestigiado selo alemão ECM, por onde Haden gravou muitos discos e teve ligação histórica.  Dentre as gravações pelo selo, os antológicos “Magico” e “Folk Songs”, ao lado do brasileiro Egberto Gismonti e do saxofonista norueguês Jan Garbarek.

Outra ligação importante foi com o pianista Keith Jarrett, com o qual trabalhou entre 1967 e 1976 e depois em diversos projetos, culminando com “Last Dance”, lançado no mês passado pela ECM, disco que celebra a parceria entre os dois. Nesse trabalho, não só o título faz referência aos momentos finais de sua vida. Músicas como “Every Time We Say Goodbye” e em especial as que abrem e fecham o disco, “My Old Flame” e “Goodbye”, já davam o sinal da partida.

A história pessoal de Haden, a tradição musical da família, o trânsito por diversos gêneros do jazz e fora dele também, que o fez tocar com centenas de músicos mundo afora e gravar por dezenas de selos, o Grammy (Perfomance de Jazz instrumental) ganho com o disco “Beyond the Missouri Sky (Short Stories)”, de 1996,  feito em parceria com Pat Metheny, no qual contém um dos mais belos temas que gravou, “Spiritual” – composição de seu filho, Josh Haden -,  tornaram sua morte uma das mais sentidas fora do mundo das estrelas da música pop. A imensa discografia e energia para novos projetos dava a impressão que Charlie Haden sempre estaria entre nós tocando e lançando discos. Seu contrabaixo agora está silenciado, mas todos seus acordes sempre soarão por aí.

Veja: Charlie Haden Family & Friends, interpretando “Spiritual”, composição de Josh Haden, filho de Charlie Haden: https://www.youtube.com/watch?v=WbYYOoDlNZc

 

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O avesso do avesso do avesso

Por Morris Kachani
10/07/14 16:43

Em uma Copa organizada por um governo que se diz popular, a diversidade do povo brasileiro não esteve representada nos estádios. Este é mais um capítulo sobre a exclusão, quase como as grades dos condomínios ou os rolezinhos dos shoppings, em um ambiente que precisa de oxigênio urgente.

Também chamou a atenção a ausência de Lula. Ele, que foi o principal mentor do evento esportivo no Brasil e da construção de um estádio em Itaquera. Sobraram para Dilma as vaias, o que não é nada cavalheiresco da parte de nosso ex-presidente. Há quem diga que esta foi uma decisão estratégica: próximo das eleições ele não deve se expor. Parabéns, marketeiros.

Se o futebol é metáfora da vida, ou de um país, então é preciso pensar sobre o que significou o 7 a1. Historicamente já vivemos o complexo do vira-lata, diagnosticado pelo Nelson Rodrigues.
Mas esta não foi uma tragédia como o Maracanazo, ou 82. Como disse o Ronaldo na TV, não deu nem pra sofrer.

Em outras palavras, que lições podemos tirar? Que a comissão técnica é ultrapassada e que a CBF não merecia coisa melhor? Lembrando que antes da seleção, Felipão largou um time que foi parar na segunda divisão…
Que somos um bando de mandingueiros, a acreditar em um time que nem foi time, em nenhum jogo, em termos de padrão de jogo, tático, estratégico.
Felipão e Dal Bosque, da Espanha, se parecem em muitos aspectos. Teimosos e bigodudos.
E que faltou culhão para metade do time, não temos dúvida. O único que se salva é o David Luiz. Neymar também se deu bem, afinal de contas. Até o Mineirão e esse monte de arena desnecessária já eram.
Outra pergunta, e o Julio César, que engoliu todas?
Caça às bruxas é chato, melhor pensar no país. Vira lata se contrapunha ao nosso gigantismo. Será que desta vez o Brasil se apequenou?
Não foi que mijamos nas calças. Demos um banho de desorganização em campo. Em termos de torcida, o reconhecimento de que o time não ia bem, mas quem não tinha suas mandingas, e até às 16h59 de terça, não acreditava no time?
Não achei que a Alemanha foi tão exuberante. Eles jogam desse jeito, o problema é que o Brasil deixou os caras jogarem. Por exemplo, da valente Argélia quase não passaram.
É que eles têm conjunto, pensamento, disciplina. A gente estava na base do grito.
Demos vexame. Uma vergonha global exibida para metade da humanidade. ‘Soft power’ nada. O prejuízo da imagem internacional com esta derrota é enorme.
E não me venha dizer que esta foi a melhor copa de todos os tempos. Não foi mesmo. Os times estão nivelados, mas não tem muito grande time como em outras copas (pensando bem, talvez essa Alemanha, e só. Mas como o futebol é imponderável, a Argentina pode até ganhar. Esta seria a pimenta).
E outra, esse negócio de jogar futebol às 13 hs em Fortaleza, Salvador ou Rio de Janeiro. Nem na praia a gente consegue ficar direito, nessa hora. Não faz sentido disputar um jogo de futebol neste calor insano. É praticamente um desrespeito ao esporte. Talvez a Itália não tivesse sido eliminada tão precocemente se seus jogos fossem mais tarde ou em cidades com um clima mais ameno, como Porto Alegre, Curitiba ou mesmo São Paulo.
Tá bom, mudemos de assunto. A trajetória emocional e psicológica deste time. O que ela diz sobre o brasileiro?
Datena chamou essa derrota de salsicha na grelha e ficou fazendo choça. É bom rir da própria tragédia. Também, não precisa levar tão a sério. Piripaques acontecem com todo mundo.
Só fico me perguntando, se dez vezes a gente jogasse com a Alemanha, quantas teriam nos goleado?
Difícil, difícil, difícil.
Que bom que teremos eleições, vai ser bom trazer esse caldo para o inconsciente coletivo. É preciso reinventar a roda, modernizar nossas instituições. A Copa pode até ter sido bem organizada, mas que o governo gastou mais do que devia, que bobeou em fixar doze cidades sede, disso ninguém mais tem dúvida.
E acho que um bom técnico faria um trabalho melhor que o velho lobo do mar e seu papagaio parreira. Individualmente esta seleção nada deve às melhores seleções desta Copa. Se fosse bem armada, sei não.
E o povo? Deve estar muito desiludido. O choro do David Luiz foi foda. “Só queria ver meu povo sorrir, o Brasil inteiro feliz, pelo menos por causa do futebol”. Pelo menos, David Luiz, o povo não entrou nos estádios.

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O Evangelho segundo Lourenço Mutarelli

Por Morris Kachani
03/07/14 12:22

mutarelli_menor

Por Tracy Segal

Lourenço tem a voz mansa, uma doçura que parece esconder enigmas.  Em entrevista por Skype vi pelo quadro do aplicativo um frame que poderia ser um desenho de seus quadrinhos, volta e meia um gato passava pelo quadro. Um mundo fantástico que pairou sobre esta conversa me fez duvidar da realidade por muitos momentos.

Mutarelli dribla entre o real e a ficção num jogo acirrado em seu trabalho. A distorção é a lente pela qual retrata seus universos em geral pontuados por um humor ácido.  É reconhecido por sua obra tanto literária, já teve quase todos os seus romances transcritos para o cinema, quanto como desenhista de histórias em quadrinhos.  “O cheiro do ralo”, seu primeiro romance, foi adaptado com sucesso tendo Selton Mello como protagonista.

Foi nos anos 90 em um mergulho nas trevas da depressão que nasceu “Transubstanciação”, uma história em quadrinhos onde seus personagens lúgubres e cínicos ganharam o papel pela primeira vez, e que foi um divisor de águas para o artista.  Posteriormente ele criou uma história em quadrinhos que se chama “Réquiem” e que seria a versão fiel à realidade desta fase, ou o que seria fiel para o escritor.

Agora está com dois romances a caminho: “O grifo de Abdera” e  “Livro IV e/ou O Filho Mais Velho de Deus” .

“Logo, logo vou estar abrindo essa igreja. Tem muito conceito e estou escrevendo uma bíblia. Tem a ver com ancestralidade. É uma igreja do capeta, posso dizer”.

“Eu acredito no capeta. No demônio. Eu acredito no mal. O bem pode existir mas não tem nenhuma relação com a gente”.

*

A memória como uma construção, ficção, narrativa, paranóia, é muito presente nos seus livros. Isso seria uma obsessão?

A memória é uma coisa que me ocupou e vem me ocupando ultimamente. Se o que eu lembro não é o que vivi exatamente, o que vivo também talvez não seja o que eu acredito. Isso vem se desdobrando. Eu terminei um livro, que sai esse ano, e um outro  que estou trabalhando,  esses livros mexem muito com a realidade. É quase uma memória presente. A memória deste momento. Por mais que eu tente absorver isso agora, em muito pouco tempo ela já vai estar distorcida. E isso é minha realidade também. Essa é uma questão que tem sido uma das minhas obsessões  ultimamente.

Eu também tenho buscado o que eu chamo de uma memória ancestral, uma memória que não é minha. Estou fazendo uma experimentação em quadrinhos que é justamente um exercício através de imagens, vou apropriando e  desenhando rapidamente. Depois, através da escuta de uma música específica eu tento extrair um texto que não seja meu nem do que eu estava ouvindo. Algo que viesse de um lugar ancestral.

Xamânico?

Totalmente. A música é minha religião. É fundamental a melodia da minha escrita. O que importa é a cadência. Infelizmente não consigo escrever ouvindo música, mas antes eu escuto para entrar num registro musical. Pelo exercício, às vezes eu estou só na música e não trago nada dela. Mas em alguns momentos, eu consegui frases que não considero minhas e que gosto muito. É um garimpo. Não tem nada a ver com espírito ou espiritualidade. Tem mais a ver com química ou qualquer coisa assim. Algo que está em mim mas não é meu. Às vezes eu tenho brincado com isso nesse meu livro que é mais divertido, que tem mais humor.

Parece contraditório falar disso com humor.

Para falar de algumas coisas você precisa ter humor se não ninguém vai entrar nesses assuntos. Você fala uma coisa séria, mas talvez esteja brincando.  Se eu falar que eu realmente acredito nisso eles vão deixar de te ouvir. Para propor algo muito absurdo é preciso humor.

Eu preciso da brincadeira pra tentar construir uma coisa que seja risível e que se transforme durante a narrativa. Por isso eu vou levar muito tempo pra escrever esse outro livro.

Como você descreve a diferença entre a realidade recomposta no “Réquiem” e a realidade enigmática do “Transubstanciação”? Duas obras em quadrinhos que retratam a mesma realidade de formas completamente diferentes?

Eu tenho muito carinho por “Transubstanciação”. Um aluno das minhas oficinas me deu e eu reli, me impressionou muito essa coisa visceral. No “Réquiem”  tentei ser o mais fiel possível ao fato. Eu acho que um escritor nunca consegue ver a realidade sem dar uma romanceada, trocar uma palavra. Tornar as coisas mais mágicas, às vezes torna até a vida melhor.

Mas “Transubstanciação” foi feito numa época em que eu estava numa depressão profunda, eu lembro exatamente quando eu tive a ideia. No “Réquiem” eu narro a depressão em que passei 3 meses deitado no chão da sala. Na época na TV Cultura estava passando uma série de programas com o Jaques Cousteau. Os mergulhadores entraram  nas cavernas subterrâneas,  que era um risco muito grande porque eles tinham que levar uma quantidade de oxigênio muito restrita e se eles se perdessem ali não tinha volta. Nesse momento eu pensei: eu tenho que fazer isso comigo. Eu tenho que mergulhar e entender o que é essa loucura que eu estou vivendo. E foi aí que eu tive a ideia do “Transubstanciação”. Não tinha um roteiro, só uma espinha dorsal que eu tinha em mente. Quando eu tinha condição, que conseguia sair do chão, eu desenhava um pouquinho. Fiquei quase um ano fazendo aquela história. Eu estava me tratando também, os remédios  foram fazendo efeito e eu fui reconquistando os outros espaços do mundo: da casa, do quarteirão e por aí afora.

Então eu acho que ele pega um estado que eu estava vivendo, que eu espero nunca mais viver, mas se acontecer eu sei como ele é. Foi uma experiência muito profunda, e eu tenho feito experimentações, eu tenho buscado coisas com… eu não quero deixar de ser punk, perder essa energia  que eu tinha quando eu era moleque.  Eu tenho feito coisas assim.

Foi um marco na sua vida?

Eu tenho 2 marcos. “Transubstanciação” e “O cheiro do ralo”. Antes do “Transubstanciação” eu vinha tentando me adequar ao mercado de quadrinho, de humor. Depois eu assumi meu destino. Sem dúvida foi meu divisor de águas. E pessoalmente também.  Eu acho que saí disso muito melhor do que quando entrei. E as coisas começaram a mudar naquela época. Recebi um prêmio muito importante que deu um dinheiro e consegui construir minha edícula e casar com a minha namorada. Foi uma mudança na minha vida.

Eu percebo em você, nas suas obras e nos seus personagens, uma agressividade suave ou uma crueldade  silenciosa. Capaz de dizer as coisas mais cruéis de forma doce. É pertinente?

Sim. Eu tento acalmar a minha agressividade social mas não posso acalmar este monstro que é o meu trabalho. Eu tenho que compactuar com ele.

Eu fui muito agressivo na minha adolescência. Toda a agressividade que eu tinha recebido ela começou a vazar. Inclusive eu acho que aquela depressão e o pânico foi uma forma de controlar, de voltar isso contra mim, para poder parar essa agressividade. E ela tá sob controle, só uso quando preciso.

Você foi punk?

Eu nunca gostei de nenhuma turma, nunca fui nada. Tinha um pouquinho de algumas coisas. Eu estou fundando uma igreja, mas é uma igreja pra mim, só minha, não aceito adeptos. Na adolescência eu tinha uma gang que era só eu. Logo, logo vou estar abrindo essa igreja. Tem muito conceito e estou escrevendo uma bíblia. Tem a ver com ancestralidade. É uma igreja do capeta, posso dizer.

Quem é o capeta?

Tem a ver com o livro que eu estou escrevendo.

Você tem uma criação cristã?

Infelizmente sim. Eu estudei em colégio de padre e de freira. Meu avô paterno era ateu, e eu era ateu. Era muito difícil conviver neste meio. Essas coisas marcam.

Você sofre de culpa cristã?

Eu sofro de culpa, não sei se é cristã. Neste livro que estou escrevendo, um pouco da bíblia vai estar lá. Num livro que vai chamar “Livro 4 ou o filho mais velho de Deus”.

Você acredita em deus?

Eu acredito no capeta. No demônio. Eu acredito no mal. O bem pode existir mas não tem nenhuma relação com a gente. A gente se relaciona com o que é mal. O mal precisa da gente.  O bem não precisa, o bem é indiferente, é geométrico, a gente tem um pouco dele no DNA.

Você acredita nesta dicotomia bem e mal?

No fim é a mesma coisa em pontos diferentes do espaço. Só parece diferente dependendo do ponto em que se está. Eu acredito no mal como essência. Existe uma essência do mal. Que se alimenta da gente e a gente dele. Existe o mal primordial.

O que seria definição do mal?

O mal como algo imaterial que precisa da nossa matéria pra se saciar em determinados pontos. Eu acredito que o mal essencial não é comum , não é tão facilmente acessado.

Tem a ver com o poder da destruição?

Sim. Tem a ver com uma forma de se alimentar pela destruição. Pelas formas mais sombrias.

E isso tem humor?

Muito humor. Palhaçada gigantesca.

Você se diverte escrevendo?

Muito. Esse livro que tá parado me divirto muito, escrevo rindo. Minha mulher leu uma parte e disse que só eu vou rir, mas isso é que me importa.

Por que esta virada dos quadrinhos para a literatura?

Eu estava lendo o “Capão Pecado” do Ferréz e percebi como ler me causa uma ilusão muito maior. Quando leio chego muito mais próximo dessa ilusão do que seria a realidade do que quando eu lia quadrinhos. Me deu vontade de evocar a imagem pela palavra e aí eu fiz “O cheiro do ralo” que foi minha primeira experiência.

Como você diz –  a palavra evoca a imagem. O fato de seus livros virarem filme não entrega uma imagem para o seu texto, seus personagens?

Eu nunca mais reli  “O cheiro do Ralo”, mas acredito que se eu relesse eu  veria o Selton Mello o tempo todo. O que não é de todo mal, mas acho importante ter a imagem primordial do personagem. Porque a imagem é muito forte, muito invasiva. Ainda mais no cinema com todos os fatores, te invade muito, é muito difícil você ter um espaço criativo, imagético dentro de uma obra como cinema que tem o texto, imagem, música, montagem. É muito mais contemplativo.

O livro é de quem lê. Pra mim é muito importante isso.  Eu tenho finais que são às vezes abertos. Eu gosto desta apropriação do leitor.

Eu percebo em seus personagens uma resignação melancólica, um niilismo. O que você percebe em comum nos seus personagens?

Acho que em todas as minhas histórias, meus personagens estão perto de uma mudança que não vai ser boa, e irreversível. Meus livros começam neste ponto e acompanho eles durante um tempo. Geralmente não é nada otimista, não tem muita saída. Mas por outro lado me faz muito bem, eu saio melhor de cada livro.  Eu tenho exorcizado muita coisa através do meu trabalho.

Eu gosto que tenha um certo humor, mesmo que seja negro, ou fora de registro. E meu último livro tem muito pouco humor. Esse que eu estou trabalhando agora tem humor e o próximo tem muito humor. Estou temperando.

Você tem uma coragem de confrontar seu demônios?

Algo que eu exercito dede muito pequeno. É da minha essência.  Eu tenho uma atração por esse mundo mais obscuro, investigar e ir o mais fundo que eu consigo. Meu esporte radical, o que me estimula.

Isso seria o nascedouro das obras? Essas dores, traumas?

Eu bebo muito na minha infância. Eu tinha uma olhar muito deturpado do mundo quando eu era pequeno, o mundo era muito ameaçador,  eu via tudo muito distorcido e eu volto muito a esse lugar. Geralmente esse é um ponto de partida. Porque cada livro também é uma forma de pensar mais profundamente sobre um assunto, mesmo que não me traga alguma resposta, eu não consigo pensar mais profundamente do que quando eu estou escrevendo o um livro.

A literatura entrou na sua vida quando?

Quase no fim da minha adolescência. Acho um crime obrigar os jovens a lerem certos livros que eles obrigam até hoje, acho isso um crime contra a literatura e contra as pessoas.

Eu lembro quando eu encontrei Kafka. Eu li uma edição resumida do Crime e Castigo, acho que era do Cony, muito pequenininha e eu gostei tanto que eu fui atrás do livro de verdade. E foi uma experiência incrível que lembro bem. Eu lembro do Kafka, tinha muito a ver com essa atmosfera que eu estava familiarizado. E Machado de Assis… Eu fui encontrando os meus amigos. Os autores que me tocavam.

O Bukowski é um cara que eu encontrei tardiamente. Quando novo eu lia e não gostava e de uns tempos pra cá eu tenho lido e tenho achado muito bom. Tem um cara que falavam que eu tinha que conhecer e não conhecia que é o Kurt Voneggut por quem eu sou extremamente apaixonado agora. Percebo que tinha influência dele sem nunca tê-lo lido. Hoje leio muito, tenho até que tomar cuidado. Eu tento sempre que minhas influências não contaminem o meu universo a não ser que sejam homenagens diretas.

Eu adoro pegar a obra completa de algum autor morto e seguir cronologicamente. O William Burroughs foi muito importante pra mim. Felizmente já me libertei dele. Fiquei completamente obcecado, eu tinha foto dele na capa do meu celular. O cara virou alguém muito importante pra mim.

Meu filho dois anos atrás, não lia nada e passaram pra ele ler “Os Sertões” e eu proibi. Falei pra ele procurar um resumo na internet. Ele tem 18 anos e ele terminou o primeiro livro dele e agora lê muito. Ele lê porque ele encontrou os livros. Não pode impor. É um crime. Isso afasta muito a gente.

Tem irmãos?

Tenho, uma irmã mais velha e um irmão mais novo. Mas nunca fomos próximos.

Eu tinha muita dificuldade de convívio e de relacionamento e tinha um olhar distorcido das coisas. Via tudo de uma forma muito mais sombria do que era. Embora não tenha sido um lugar muito seguro.

O meu pai era muito agressivo e eu era a válvula de escape. Eu apanhava quase todos os dias sem ter motivo.  Ele tinha um discurso que ele dizia ­– eu não vou bater na sua irmã por que ela é mulher e não vou bater no seu irmão por que ele é muito pequeno e eu ia machucar ele, estou muito nervoso e preciso bater em alguém. Batia em mim. E eu vivi isso desde muito pequeno. Minha casa era um lugar muito hostil e muito ameaçador. Eu vivi isso até minha adolescência. Só quando acabou essa violência é que minha mãe teve alguma reação. Ela também era uma pessoa com muita dificuldade em demonstrar afeto, teve uma infância difícil. A minha salvação era a minha literatura na época, que era brincar com meus bonecos de forte apache, um lugar seguro através da minha imaginação, eu ia para um outro lugar.  E a casa da minha vó materna que era um lugar que eu estava sempre protegido.

Você tem uma linguagem específica. Você tem uma pesquisa?

Cada livro é uma experiência, eu quero experimentar.  Como já fazia nos quadrinhos, mudar o desenho, a técnica. Em “O Natimorto” por exemplo, eu vinha lendo muito texto de teatro, li Ionesco (dramaturgo) e li como um romance, como literatura. Me veio esta vontade e me veio essa personagem que se chamava Voz, que só ele ouvia, ou talvez não fosse tão boa quanto ele ouvia. Uma coisa que é bem delicada: o que nós somos? Quando se conhece alguém que te pergunta o que você faz. A profissão que é muito desconfortável e que te determina muito. O que eles eram neste sentido sociológico, profissional.

Você tem a preocupação com a musicalidade, a construção sonora em sua linguagem?

No dia seguinte em que finalizei “O cheiro do ralo” eu comecei “O natimorto”, mas eu parei porque achei que eles estavam muito parecidos. E voltei um tempão depois. Esses dois livros tem uma semelhança, foram escritos no mesmo ritmo. Eu percebi que esse era meu ritmo natural, o mais fácil pra eu escrever, pelo menos naquela época. E como escrever pra mim precisa ser uma experimentação, eu comecei a buscar outros ritmos. Então o último que é o “Nada me faltará” foi totalmente inspirado na música minimalista, na definição do Philip Glass, música com estruturas repetidas. Eu escrevi com o mínimo possível. Cada um tem seu ritmo ou eu procuro buscar ritmos diferentes.

E o mercado literário no Brasil? Como você sobrevive?

É ridículo. O autor ganha 10% do valor de capa de um livro enquanto a livraria leva 50%. Eu tenho vários amigos escritores e nenhum deles vive de seus livros.  Eu vivo de oficinas de histórias em quadrinhos, o que me garante nos meses em que dou oficinas, e palestras e outras coisas que acabam bancando a minha literatura.

Você vê TV?

Infelizmente eu vejo TV. Fiquei muitos anos sem ver, mas de uns tempos pra cá eu tenho visto.

Você tem interesse em  política?

Eu voto nulo. Acho que eu votei só no Lula contra o Collor. Eu fiquei tentado a votar no Tiririca e no Pereio, mas não votei. Eu não acredito em política, eu não acredito em ninguém. Acho que ninguém chega lá e consegue ser o que acha que é, são todos fantoches de alguma coisa muito mais poderosa. Não simpatizo com nenhum partido, nenhum político. Também não sou anarquista.

É um niilismo absoluto. Mas, você lê jornal?

Não leio jornal há alguns anos. Eu gosto de alguns assuntos que minha mulher separa pra mim. Mas eu assisto o “Jornal Nacional”, por que eu me divirto e me irrito. Fiquei viciado nesta porcaria. Não acredito que eu assista, mas eu assisto diariamente, gosto de ouvir a previsão do tempo.

A cidade de São Paulo é uma inspiração?

O mais importante de São Paulo é o bairro onde eu vivo. O bairro que me  remete ao lado bom da minha infância, onde morava minha avó. Era meu porto seguro, um lugar muito importante e que de alguma forma está mais presente no meu trabalho. Este lugar, Vila Mariana , mais do que São Paulo.

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