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Perfil Morris Kachani é jornalista e consultor

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Loucura, arte e crítica

Por Morris Kachani
24/06/14 11:42

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Por Tracy Segal

Numa Copacabana que parecia uma volta no tempo, chego num prédio art déco onde o porteiro ouvia rádio AM com histórias policiais. Ferreira Gullar abre a porta de seu apartamento e vejo uma infinidade de obras de arte e livros. Alguns de sua autoria, como umas colagens que denomina de “Revelação do avesso”, uma técnica desenvolvida por ele, que consiste em recortes de papel em que o avesso é revelado  ao ser dobrado, gerando formas geométricas que mostram uma nova textura ou padrão.

Conversamos sobre loucura, arte e crítica. Do movimento antimanicomial, que defende a desinstitucionalização da psiquiatria, onde se evita a internação ou até mesmo se erradica os asilos para doentes psiquiátricos, ao trabalho pioneiro de Nise da Silveira (1905-99), utilizando a arte como terapia e o processo criativo do artista. Por fim, chegamos a um tema recorrente em seus escritos: a mercantilização da arte contemporânea.

O poeta teve dois filhos com quadro de esquizofrenia, e é extremamente crítico ao movimento antimanicomial. Em sua coluna na Folha em 16 de fevereiro deste ano, ao se deparar com a trágica morte de Eduardo Coutinho pelo filho num surto esquizofrênico, declarou:  “Como pega bem mostrar-se avançado, aberto, antirepressivo, muita gente não apenas nega que a loucura seja doença como, coerentemente, se opõe à internação nos chamados “manicômios”. Criaram até um movimento que se intitula “antimanicomial”, que visa, de fato, acabar com as clínicas psiquiátricas, uma vez que o que se chama de manicômio não existe mais.”

Gullar acredita ser um equívoco esta nova política, implementada a partir da reforma psiquiátrica em 2001, que fechou milhares de leitos que atenderiam as pessoas pobres, porque, segundo ele, os ricos acabam internando nas clínicas particulares, que aliás são muito caras.

Ferreira Gullar é um dos maiores poetas vivos, autor do célebre “Poema sujo”. Liderou o movimento neoconcreto, é ensaísta, crítico de arte, tradutor, roteirista e artista plástico.

“A arte existe por que a vida não basta.”IMG_0973

*

Como inserir o esquizofrênico na sociedade?

Isso é muito complexo. Eu não conheço nenhum remédio que cure a esquizofrenia. Existem remédios que mantêm a pessoa num certo equilíbrio e evitando o surto. Estes remédios foram uma grande mudança em todo o processo de tratamento psiquiátrico.

O que se chamava de manicômio era uma coisa muito atrasada que envolvia até espancamento do doente. Ele ficava aprisionado em celas, tomava choque elétrico. Tudo isso caracterizava o antigo tratamento psiquiátrico. Mas ninguém fazia isso por crueldade.

Bolonha, cidade onde foi inventado o movimento antimanicomial, ficou cheia de mendigos. Quando a pessoa entra em surto não tem o que fazer a não ser internar, por que assim ela fica protegida. Ela pode se jogar ou agredir, como o filho do (cineasta) Eduardo Coutinho. E depois cair em si. Não tem lógica.

Qual a importância de Nise da Silveira nesse contexto?

Eu conheci a dra. Nise e trabalhei com ela. Ela introduziu os trabalhos manuais de pintura e de cerâmica no tratamento. E isso foi muito importante porque o doente mental, em geral, tem muita dificuldade de se expressar verbalmente, porque a própria doença leva o cara a um delírio, sem lógica, e muitas vezes há doentes que nem conseguem falar. As contradições que se formam na cabeça dele impedem que ele formule a fala, a linguagem oral, o conflito da lógica do pensamento com a doença. No caso da pintura e do trabalho artesanal, isso é superado porque quando você vai pintar um quadro não tem que ter a lógica verbal, linguística. Você está se exprimindo com cores e formas, num mundo que está criando ali e isso é muito saudável. Muitos doentes se envolveram neste trabalho, alguns até numa situação gravíssima  como o Emygdio de Barros, que estava 25 anos sem falar.  Não curou, porque não tem cura. Passou a falar e a ser mais feliz por que ele criava uma coisa que as pessoas gostavam. Ele se ocupava de uma coisa prazerosa e criativa.

IMG_0974Arte e loucura se cruzam em algum ponto? Você conta que teve um momento do colapso da linguagem em sua escrita poética.

Na minha experiência não há semelhança. Quando eu tive o colapso, partiu de uma visão objetiva dos problemas linguísticos e poéticos. No meu trabalho como poeta eu descobri num determinado momento que a linguagem não era apropriada para expressar o que eu queria. Eu dizia: a linguagem é velha. Ela preexiste a experiência  poética e a experiência poética é uma coisa nova, é uma descoberta. Então eu expresso a descoberta nova com uma linguagem velha.

Essa ideia que me pareceu viável na época, me conduziu a um impasse. É claro que o poema que eu escrevi não é integralmente uma linguagem nova, mas a tentativa extrema de fazer. Ele tumultua a lógica da linguagem, cria palavras incompreensíveis. Mas eu não queria escrever para ninguém entender.

Ao mesmo tempo, eu não podia voltar atrás e escrever como antes.

Para retomar a linguagem foi uma dificuldade, eu terminei escrevendo um livro, que ficou 30 anos inédito, que é “Crime na flor ou ordem e progresso”, um livro praticamente sem sentido. Comecei escrevendo a mão num caderno sem saber o que ia escrever, deliberadamente sem sentido. E foi ganhando sentido à medida que ia escrevendo, mas um sentido contraditório.

Existe essa fantasia da proximidade da arte e a loucura?

Não tem nada a ver. Isso precisa ser esclarecido. Loucura não cria arte. Quem cria arte é artista. O Emygdio é pintor por que ele é artista, não por que ele é doido. No Engenho de Dentro [Instituto Psiquiátrico Municipal] tinha dezenas de pessoas no atelier de pintura e só cinco se tornaram realmente reconhecidos como artistas. Não é loucura que cria arte. O que cria arte é o talento do artista.

Qual a função da crítica de arte?

Hoje praticamente não existe crítica de arte, não existe arte. O cara bota quatro urubus dentro de uma gaiola [obra “Bandeira Branca” de Nuno Ramos]. O que que o crítico vai dizer? Invés de quatro urubus deviam ser cinco?! Esse urubu está ótimo?! Vai dizer o quê? Então a crítica inventa uma teoria para justificar aquilo. O outro pega um cachorro e deixa morrer de fome e sede, na galeria de arte, se fosse no quintal dele não era arte. A crítica vai dizer o que? Que ele devia matar mais depressa? Isso não tem nada a ver com arte. Então a crítica de arte acabou. Só existe quando o crítico decide falar do Picasso ou falar da obra do Milton da Costa ou da Maria Leontina ou do Cubismo, aí ele vai falar de arte. Mas arte contemporânea…

Casais nus no MOMA [performance de Marina Abramovic] não foi o artista que fez. Teve uma boa ideia. Boa ideia pra mim é a caninha 51. Não basta ter boa ideia, tem que ter a capacidade criativa.

Existe na arte contemporânea, algumas poucas coisas interessantes.

Mas no geral, ela prejudicou a criatividade dos artistas verdadeiros, os pintores, que não têm vez. Hoje pra você conseguir uma galeria para expor quadros, esculturas, é uma dificuldade.

IMG_0977As artes plásticas viraram um bolsa de valores e ao mesmo tempo os artistas tendem a querer criticar o mercado.

É tudo de mentira. Por que eles são só mercado. Por que essa arte contemporânea consiste em se tornar famosa e vender qualquer coisa. Eles não vendem os urubus. Alguém vai comprar uma gaiola com urubus dentro. Mas isso sai no jornal, o cara fica famoso e vende desenho. Qualquer coisa que ele faça vende. Isso é o próprio mercado. Fazer publicidade para vender um produto. Só que ao invés de colocar anúncio na TV ele faz isso.

Você acha que o Marcel Duchamp detonou isso?

Não que ele seja culpado, mas foi quem deflagrou. Ele próprio não se deteve nisso. Ele pegou o urinol, assinou e mandou para uma exposição e chamou aquilo de ready made, que quer dizer ‘feito pronto’. Ao mesmo tempo ele fez o grande vidro que levou 8 anos e a última obra dele,  o “Étant donnés”, levou 20 anos. Tá feito como? “Étant donnés” é uma obra nova, surrealista, de muita fantasia e muito bonita.

E o Andy Warhol?

Ele também tem coisas criativas. Outro dia, numa exposição dele tinha um retrato do cara que era perfeito… ele tinha o talento de fazer. Muitas coisas eram mera irreverência, que acabaram virando símbolos do movimento. Lata de sopa… claro que fica só isso na nossa época da mídia, da popularidade. Claro que aquilo não tem expressão nenhuma do ponto de vista da criatividade como outros trabalhos dele.

Não é um trabalho crítico?

Tem uma coisa que é contra a mercantilização. Há uma visão crítica disso também. Mas na verdade é contraditório, por que ele tá vendendo também. Não vou exigir coerência extrema porque as coisas são contraditórias. O que eu exijo do artista, é que ele tenha talento e crie coisas que realmente sejam criação, venham a enriquecer a vida. Eu costumo dizer que a arte existe por que a vida não basta. O que vem a enriquecer a vida é o que vale. Agora, fazer alguma coisa que vai empobrecer a vida? Botar cocô na lata?!

É cínico?

É uma bobagem. Isso é contra a arte. É contra a vida. Ser contra a arte é ser contra a vida. Isso é uma besteirada. Mas aí a crítica inventa argumentos para justificar este tipo de coisa. Por que a crítica faz isso? Porque ela  não quer ser atrasada. Ela tem que ser tão vanguardista quanto o artista.

Os curadores se tornaram os artistas neste contexto?

Sim, o artista hoje é o curador. E o que sustenta isso são as Bienais. Quando eu vi a segunda Bienal de São Paulo, que tinha centenas de obras de arte, pensei: se faz tanta obra de arte assim? E daqui a dois anos terão outras centenas?  Então o artista passou a fazer arte para a Bienal.  A obra dele é um evento.

Ele tem a obra pra vender e a obra para expor?

Teve a Bienal do vazio.  Eu disse: claro!  Essa sim, é a expressão, por que o que eles expõem não é arte mesmo. É uma perda de sentido, que é uma coisa grave.

A arte nasceu com o ser humano, nas cavernas. É uma coisa do ser humano. Meus netos com 3 anos já estão desenhando. E desses, alguns têm talento e transformam aquilo no seu instrumento de invenção da vida, de criação da vida. Os artistas são isso. Se você destruir isso fica o que? A arte agora  acabou, nesse caminho é o fim da arte.

No começo do século 20 houve vanguarda em todas as formas de expressão. Na pintura, na escultura, no desenho, na música, na literatura, no teatro.

Hoje, os caras continuam escrevendo romance, criativo… mas é romance. Os poetas continuam escrevendo seus poemas, os músicos continuam fazendo música…  Só nas artes plásticas é que deu esse negócio. E as bienais têm um papel nisso.

A “bolsa de valores” das artes plásticas não existia?

Tinham as exposições. Você tem razão. Mas o que eu estou querendo dizer, é que o fator principal, é que se chegou a uma atitude do vale tudo, não é preciso fazer a obra. Duchamp disse: será arte tudo que eu disser que é arte, mas ele não seguiu isso. O Volpi para fazer um quadro leva uma vida inteira para escolher,  criar suas cores… Agora, pegar e colocar 6 casais nus no museu…

Arte é profissão?

Não. Pode até ser, mas não é só profissão, como as outras. Os verdadeiros artistas não são isso. Mesmo que eles não vendessem, continuariam. O verdadeiro artista tem necessidade de criar a coisa, aquilo é vital  pra ele, ele inventa a vida dele através daquilo.

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Fortaleza vive 'boom' do turismo sexual

Por Morris Kachani
18/06/14 08:26

Terça-feira, uma da madrugada, no entorno da Arena do Castelão, palco do jogo do Brasil contra o México, fruto de um investimento de R$ 518 milhões. A apenas três centenas de metros da entrada para convidados da FIFA, encontra-se o travesti Chiara, de 20 anos, vestido com um colã preto e de crucifixo: “faço programa desde os 12. É muito ruim no começo, mas depois você acostuma. E ninguém passa fome”.

Há quem cobre R$ 10 pelo programa. Chiara cobra R$ 50 – “mais barato que o ingresso para a Copa”, afirma, entre risos-, e comemora a chegada do evento: “o movimento aumentou e eu amo os gringos, quem sabe me caso com um deles e vou morar lá na Europa”.

De acordo com a contabilidade de Lídia Rodrigues, que coordena o colegiado de uma rede de ONGs contra a exploração sexual, o número de crianças e adolescentes que oferecem seus corpos nesta região da cidade cresceu mais de 150% nos últimos três anos, com a demanda dos operários do estádio: eram cerca de 100, hoje não são menos de 250.

Não é recomendável caminhar por estas vizinhanças, ao menos quando não é dia de jogo. Há várias favelas no local colaborando com o alto índice de homicídios de Fortaleza, que colocam a capital cearense no sétimo lugar entre as cidades mais violentas do mundo, de acordo com a ONU.

A meia hora de distância, em uma confortável viagem de carro pelas pistas ampliadas da avenida que liga o estádio ao centro da cidade, está a praia de Iracema, ponto preferencial da prostituição de luxo na cidade. Claro que há famílias e crianças pelo calçadão. Mas nos bares perto da estátua de Iracema, hordas de torcedores mexicanos ocupam os balcões e as pistas de dança – um cruzeiro com 4 mil deles, maioria homens, aportou por aqui anteontem.

São esperados 350 mil turistas para a Copa, de acordo com a Secretaria de Turismo. “Eu amo as brasileiras, já me apaixonei umas cem vezes desde que cheguei”, afirma Ramón Ortega, 34, engenheiro aeronáutico, em meio a um grupo de amigos, alguns já meio bêbados.

Na esquina, Valeska, 19, uma bela morena de longos cabelos lisos, que cobra R$ 200 o programa, afirma: “que medo desses gringos! Mas nunca fui mal tratada, e em uma noite ganho o salário de uma balconista. Mudar pra que?”. Valeska conta que já morou três anos na Europa, que conhece “a Itália inteira”.

Na Copa do Mundo das garotas de programa, países nórdicos e holandeses aparecem entre os campeões de preferência. Espanhóis e alemães empatam. Italianos ficam na repescagem. Latinos como os mexicanos ou uruguaios, que vieram assistir o jogo contra Costa Rica na semana passada, são como os brasileiros.

Por mais que as autoridades tenham lançado um plano de convergência, com 700 pessoas envolvidas, reunindo assistentes sociais, delegacias, juizado e um plantão 24 horas com todo aparato da Justiça, além de campanha publicitária, Fortaleza vive um ‘boom’ do turismo sexual. E a exploração de crianças e adolescentes pode ser vista a olho nu, por vários cantos.

Os donos de boate comemoram o movimento, há quem diga sem precedentes na história da capital cearense, que, envolta no lema dos 300 dias de sol por ano e suas praias maravilhosas, sempre foi apontada como um dos principais destinos internacionais do turismo sexual no mundo.

Há mais policiamento nas ruas, e apoio de três mil homens do Exército. Na hora do jogo, em plena Fan Fest da FIFA, que contou com cerca de 30 mil pessoas e show de Michel Teló, a garota de programa Yara, de Belém, elogiava: “é bom porque a gente se sente mais segura para trabalhar”, emendando, “tomara que o Brasil faça logo os seus gols pra ter festa”.

Yara estava acompanhada de um holandês no camarote do evento, cujo ingresso custa 100 reais. Assim como algumas outras garotas de programa -não havia várias, mas também não havia poucas-, ela diz que foi convidada pelo parceiro. “É como um namorado. A gente passa a semana com ele, que às vezes nos ajuda financeiramente”, comenta Marly, que estava com um uruguaio.

Um mês antes da Copa oito boates tradicionais da cidade foram fechadas, muitas delas sob acusação de exploração sexual. O plano de convergência, que deve vigorar apenas durante a Copa, ainda conta com três centros de acolhimento de crianças e adolescentes em dias de jogos.

“Muitos pais deixam as crianças livres para assistir os jogos. Por isso os orientamos a deixarem elas conosco. Nos centros de acolhimento temos psicólogos e atividades lúdicas”, explica Tânia Gurgel, do Fundação da Criança e da Família Cidadã, da Prefeitura. “Não é a situação ideal, mas estamos procurando fazer o melhor”, afirma Tânia.

Para Alice Oliveira, coordenadora interina da associação das prostitutas cearenses, “a cidade foi mascarada para receber os turistas em época de Copa. Muita gente foi retirada da rua, especialmente onde há mais circulação de turistas”.

Mesmo fora da temporada da Copa, segundo ela a exploração continua acontecendo com a mesma intensidade de sempre, mas mais camuflada. “Com o aperto da fiscalização sobre hotéis e motoristas de taxi, muitos estrangeiros compraram casas e apartamentos. Os encontros pela internet estão bombando. É comum encontrar as meninas no aeroporto carregando uma plaquinha com o nome do passageiro”.

Contando com uma população de 2,5 milhões, Fortaleza dispõe de apenas seis conselhos tutelares, a maior parte deles sucateados. Os índices de violência contra a mulher também são espantosos. De acordo com reportagem publicada recentemente pelo jornal francês Le Monde, a cada mês, cerca de mil casos são identificados. No Norte e Nordeste, a cidade ocupa o terceiro lugar na escala de assassinato de mulheres. Ceará também é o segundo Estado em termos de estupro.

Das 246 rotas de tráfico humano identificadas no Brasil, 96 passam pela região.

Gloria Diogenes, socióloga da Universidade Federal do Ceará, e ex-secretária municipal de direitos humanos, fala sobre os sentimentos capitais de quem pratica a prostituição infanto-juvenil: negligência, abuso, raiva e nojo, misturados a um sentimento de liberdade e esperança de encontrar um príncipe encantado que fará a garota mudar de vida. “A maior forma de violência é a família. Os abusos são muito comuns, e a cultura machista ainda é muito forte”.

Fome, seca e miséria também fazem parte deste contexto. Muitas chegam do interior.

De acordo com Gloria nunca houve uma política pública de longo prazo para coibir o problema. Uma das principais dificuldades é a indústria de falsificação de documentos. Já foram feitas seis CPIs sobre o tema. Recentemente, Dilma sancionou lei que transforma exploração sexual em crime hediondo.

“Fizeram uma assepsia social na área turística da cidade para não ficar a olho nu. Fortaleza é um lugar onde o abismo social só se acentuou, com o crescimento econômico”, diz Gloria.

Segundo a Unicef, o número de crianças e adolescentes envolvidos com prostituição cresceu de 100 mil em 2001 para mais de meio milhão em 2013, no Brasil.

 

 

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Não houve Copa no acampamento do MTST

Por Morris Kachani
13/06/14 12:01

Não houve Copa no acampamento Copa do Povo do MTST. Ou melhor, não houve Copa do Mundo. O que houve algumas horas antes foi o campeonato da Copa do Povo, em que integrantes da ocupação atuaram por seleções que homenageavam categorias que ganharam notoriedade em mobilizações recentes pelo país: metroviários, garis, rodoviários, estudantes, professores, operários de estádio.

Quando a bola começou a rolar no Itaquerão, que fica a 3 km do acampamento, a única televisão do Copa do Povo, que tem 4,8 mil famílias cadastradas e cerca de mil famílias morando, estava desligada, por decisão da liderança do movimento.

Guilherme Boulos, admirador confesso do movimento da Democracia Corinthiana, nos idos dos anos 80, e que coordena o MTST, explicou os motivos: “se a gente montasse um palco o pessoal ia achar que a gente ‘se rendeu à Copa’, e não foi bem isso. Fizemos um acordo com o governo no qual nos comprometemos em não inviabilizar frontalmente o evento esportivo”.

“Não inviabilizar”, segundo Boulos, significa por exemplo “não convocar um ato com 20 mil pessoas em dia de jogo”.

Há três semanas, Boulos foi recebido pessoalmente pela presidente Dilma Roussef. O encontro serviu como ponto de partida para uma negociação na qual o governo federal  garantiu construir 2 mil casas no terreno ocupado pelo MTST há um mês. O desfecho foi considerado uma vitória do movimento. “Se a gente tivesse ocupado um terreno que não ficasse tão perto do estádio, o desfecho certamente seria outro”, completou.

Segundo a liderança do MTST, o terreno só será desocupado quando a Câmara Municipal aprovar o novo Plano Diretor, que transformaria a área em zona de interesse social, e aprovação de financiamento pela Caixa Econômica.

SEM TV 

“Se o Brasil ganhar ou perder, o que muda? Nossa luta não é contra outros países”, afirmou Bruno Rodrigues da Silva, 24, perueiro. Bruno estava sentado na beira do pátio que fica logo à entrada da ocupação, e funciona como espécie de ponto de encontro.

Quando a Croácia fez o primeiro gol, um alto falante reproduzia alguns raps do falecido Sabotage. Umas poucas mulheres dançavam, e as crianças batiam bola. “Meu negócio vai ser ficar ligado no rap e vendo as pipas”, concluiu Bruno. Sua mulher, a copeira Luana Catarina Ribeiro, 29, ainda perguntou: “você sabe quanto está o jogo?”.

À exceção de algumas cozinhas comunitárias e o pátio central do acampamento, não há energia elétrica na ocupação (chuveiros elétricos em funcionamento, há apenas dois). Por isso, quem quis assistir Brasil X Croácia foi aos botecos nas imediações ou mesmo na entrada do estádio.

De fato, o acampamento estava esvaziado durante o jogo. Para o camelô Moisés da Silva Oliveira, 38, que se encontrava em animada roda de cerveja e churrasquinho com outros companheiros, a cerca de 200 metros da entrada da ocupação, em frente a uma TV, a hora do jogo é “um momento sagrado em que você esquece religião e política, um momento 100% brasileiro”.

“Todo mundo ama futebol e pelada”, acrescentou o tapeceiro Maikel Wagner, 22. “Menos os mentes fechadas, mas estes são minoria no acampamento”, acrescentou.

Algumas horas antes, pela manhã, ao som de um funk cujo refrão dizia “Família inconformada com aumento de aluguel/ Morar em favela isso é cruel/ Pai de família nem sabe o que faz/Se paga aluguel ou se dá de comer/ Não temos nada contra a Copa do Mundo/ Mas viver no Brasil sem moradia é um absurdo”, teve início a primeira fase do campeonato da Copa do Povo.

“O Brasil não está satisfeito com o mando da FIFA e a exclusão dos trabalhadores da periferia”, anunciou Josué Augusto do Amaral Rocha, 25, graduado em medicina pela Unicamp, e coordenador geral do acampamento do MTST. Em seguida, pediu para que se ateasse fogo em um boneco feito de espuma ornado com figurinhas adesivas do álbum de jogadores da Copa. “Este boneco representa o tratamento que queremos dar para a FIFA”, acrescentou.

Cerca de 300 pessoas, entre militantes, moradores do acampamento e jornalistas – havia um representante do The New York Times, e colegas argentinos e alemães, entre outros -, acompanharam o ato simbólico.

Josué apresentava cada uma das seleções mencionando as conquistas das categorias e debaixo de uma salva de palmas, aos gritos de “Fora FIFA”.

Também se apresentaram duas seleções de mulheres, e uma de ronaldetes – com homens usando vestimentas femininas, em uma crítica bem-humorada às declarações do ex-camisa 9 da seleção sobre a Copa.

O autor do primeiro gol do campeonato foi o gari Rafael Santana, 24: “o preço do aluguel depois da construção do estádio ‘matou o papai’. Eu pagava R$ 380 por um imóvel de dois cômodos, foi para R$ 1,2 mil. Por isso vim parar aqui”.

Ao final, Guilherme Boulos entrou em campo na seleção dos coordenadores, e mostrou ser melhor em política. Primeiro jogou na defesa, depois no ataque. Sua participação foi discreta. Pediu para ser substituído por duas vezes.

A final do campeonato da Copa do Povo ocorrerá no mesmo dia da final no Maracanã.

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"O metrô está trabalhando com a sorte"

Por Morris Kachani
11/06/14 13:49

 

Presidente do Sindicato dos Metroviários chama atenção para os problemas de segurança envolvendo superlotação

Presidente do Sindicato dos Metroviários chama atenção para os problemas de segurança com a superlotação dos trens e defende passagens subsidiadas


A demissão por justa causa de 42 funcionários do Metrô, na esteira da paralisação de cinco dias ocorrida na última semana, “consiste claramente em uma retaliação do governo para enfraquecer o movimento. Isso é perseguição política”, afirmou a este blog o presidente do sindicato dos metroviários, Altino Prazeres Júnior, 47, maranhense, operador de trem, 20 anos na corporação, graduado em Matemática pela USP, e um dos fundadores do PSTU. “O governo está demitindo primeiro para depois apurar as responsabilidades. Só falta agora acusar São Pedro porque não tem chuva”.

Altino afirmou agora pela manhã que dois dos demitidos, um segurança e um agente de estação, foram reintegrados. “Já é uma vitória”. Ainda assim, de acordo com ele há um sentimento de indignação da categoria com o total das demissões. Existe a possibilidade de haver greve amanhã. A decisão sairá de uma assembleia que será realizada no final da tarde de hoje.

“Fazer uma greve no dia da Copa é ruim, não é o que queremos – a não ser que sejamos empurrados para isso. Está nas mãos do governo Alckmin”, disse.

Membros do sindicato ouvidos pela reportagem acreditam que dificilmente a greve será mantida, por conta da multa de R$ 500 mil imposta pela Justiça e ameaça de demissão de mais 300 funcionários.

O próprio Altino afirma que “existe uma certa dúvida”. “Vamos ouvir a assembleia e fazer aquilo que a categoria quiser”.
Segundo Altino todos os 42 demitidos são ativistas, sendo que 11 deles participam da diretoria do sindicato. O governo afirma que as demissões estão ligadas a atos de vandalismo, arrombamentos e uso indevido do sistema sonoro.
Altino responde, “ninguém cometeu agressão. Se fosse para demitir, tinha que demitir os mais de 8 mil trabalhadores que aderiram à greve”.
Com relação à multa de R$ 900 mil fixada pela Justiça ao sindicato pelos cinco dias de greve, Altino afirmou que a instituição irá recorrer: “existe um objetivo de estrangular o movimento. Para nós, pagar esse valor é falir financeiramente”.
Altino contestou a decisão judicial que considerou a mobilização abusiva: “Isso é coibir nosso direito à greve”. Lamentou os 8,7% de reajuste negociados (a inflação foi de 5,82%): “os motoristas de ônibus por exemplo conseguiram 10%. Mas estávamos no limite da categoria, após cinco dias de paralisação”. Outras demandas, como participação igualitária nos lucros, independentemente da faixa salarial, também não foram atendidas.
Para Altino, a superlotação no metrô está cada vez pior. “É recorde atrás de recorde. Costumo dizer que muitas vezes o metrô está trabalhando com a sorte. Por exemplo, às seis da tarde você já não vê mais a linha de proteção amarela, de tanta gente”.

O incidente de 4 de fevereiro, quando vários usuários lotaram os túneis da linha 3-vermelha do metrô após uma falha parar a circulação de trens, é um exemplo. “É muita adrenalina para quem opera o trem, e tem gente que não suporta, trabalhar com isso é estressado”.

Outro ponto de atenção de acordo com Altino é a linha 4, que é privada e opera sem operadores de trem. “É um trem cego”. Os seguranças de acordo com ele são os que mais reclamam da superlotação. “Ficam o tempo todo em pé tendo que controlar a multidão, e carregando equipamento de uns 8 kilos. São os que mais apresentam problemas psicológicos”.

Altino reprova a gestão Alckmin: “Não gosto de seu governo. Acho muito ligado a empresas, que por sua vez estão ligadas à corrupção. Foram elas que denunciaram o esquema dos cartéis, e não porque são boazinhas. Já ficou demonstrado que o preço das obras aqui em São Paulo é 2,5 vezes maior que em outras capitais”.

“A velocidade que a população cresce é desproporcional à velocidade da abertura de novas estações”, acrescenta.

Na visão do presidente do sindicato, a solução para o problema do transporte público passa pelo subsídio às passagens. “Os metrôs de Nova York, Londres, Cidade do Mexico são altamente subsidiados. Se eu fosse o governador, colocava as empresas que prestam serviço para subsidiar, pois são elas as maiores beneficiárias do transporte público”.

“A única solução é o subsídio e subsídio alto. A partir daí triplicar a malha do metrô e só depois entrar com o monotrilho”.

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De volta para o Futuro

Por Morris Kachani
05/06/14 14:29

fotoHá uns dez dias, mais precisamente no domingo 25, fui visitar uma das comunidades mais pobres da cidade, chamada Futuro Melhor. Um labirinto de barracos, muitos deles sustentados por palafitas, na beira de um córrego nos limites do Parque da Cantareira, zona norte.

O córrego virou um esgotão. Energia elétrica e água encanada, só no gato.

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Por falar em gato, dizem os moradores que ali são os felinos que têm medo das ratazanas, de tão grandes. E há cobras, jararacas e cascáveis, por conta da proximidade da mata. Claro que nestas condições os incêndios são frequentes. E por aí vai. A íntegra desta reportagem está em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/especial/169420-tem-futuro.shtml

Bom lembrar que praticamente todo mundo tem seu celular, quase todo mundo tem TV, as antenas para captar os sinais de satélite – mensalidade de uns R$ 80- são comuns, assim como micro-ondas e freezer, além de geladeira.

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Futuro Melhor não é exceção. Como diz o vereador e professor da FAU-USP Nabil Bonduki (PT), toda favela tem sua excentricidade – e a de Futuro Melhor são as palafitas, que remetem às comunidades carentes amazônicas em plena capital paulista. Feita esta pequena consideração, Bonduki lembra que existem várias comunidades em iguais condições de precariedade pela cidade.

O que não escrevi na reportagem, até porque fugia do seu escopo, foi a pergunta que me fiz quando saí da favela: “mas peraí, será que em Higienópolis as pessoas vivem mais felizes?”. Difícil essa resposta, até porque cada um é um.

Enquanto caminhávamos pela Futuro Melhor vimos os preparativos para um churrascão na laje, isto é, com o povo já tomando pinga e cerveja pelas onze da manhã, e o futebol soçaite correndo solto no único espaço comunitário, um descampado com uma quantidade enorme de lama e poças d´água.

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Já pros lados do córrego, era muito lixo no chão e nas bordas, com as crianças brincando entre uma montanha de dejetos e água cinzenta que corria abaixo.

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Visitamos uma das lideranças da comunidade, Eliana Kanashiro de Araujo, 49, faxineira, que nos recebeu com um daqueles cafés adocicados tão comuns na periferia, em seu barraco de 12 por 9 metros. Lá moram 11. Ela, o marido, os quatro filhos (todos casados), de 17, 19, 23 e 17, além de um neto.

Eliana explicou que todos cursaram pelo menos até a oitava série, mas que especialmente os meninos, tinham muita dificuldade de ler e escrever. Todos os homens da casa estão desempregados.

Ela é faxineira, uma das filhas trabalha como auxiliar de escritório, a outra como operadora de telemarketing, e a renda familiar média é de uns R$ 2,2 mil. Ah sim, eles ainda conseguem tirar uma lasca do Bolsa Família, segundo ela algo em torno de 80 reais.

Uma coisa que notamos enquanto visitávamos os moradores e os barracos, é que o padrão de homens desempregados e mulheres separadas (com vários filhos), trabalhadoras, se repetia.

Quando, um dia depois, me fiz esta pergunta sobre Higienópolis, deitado no divã de minha psicanalista lacaniana, ela mencionou o sociólogo francês Émile Durkheim, que constatou que o suicídio é mais comum nas classes sociais abastadas.

Coincidentemente estava lendo nesse período um livro da psicóloga Rosely Sayão (“Família: modos de usar”, editora 7 Mares), de onde extraio este trecho:

“Eu estava no cabeleireiro e, ao meu lado, estava uma jovem de classe média alta com  a filha de menos de cinco anos acompanhada de sua babá, lógico. A menina então decidiu ser atendida pela manicure e, além disso, decidiu o tipo de corte que queria no cabelo. Em determinado momento, ela pediu um lanche e a babá foi buscar. Na hora de dar de comer à garota, a mãe orientou a babá a dividir o lanche em vários pedacinhos. A auxiliar de cabeleireira que estava me atendendo virou-se para a colega e falou; ‘Está vendo? É por isso que filho de pobre enfrenta a vida mais bravamente’”.

Ao que Julio Groppa Aquino, que dialoga com Rosely no livro, responde: “Pois então. Sem romancear a questão da pobreza, é preciso reconhecer que a criança de classe popular é muito mais resistente porque está constantemente em contato com o mundo adulto e seus revezes”.

Lembrei do provérbio africano, “é preciso uma aldeia para educar uma criança”.

Não vou terminar este texto com uma conclusão simplificadora. Só sei de duas coisas, primeiro que ninguém por lá encara o nome da comunidade como uma ironia. Até porque, antes de construírem seu barracos, viviam em barracas de lona, o que é bem pior, pois não protegem nem do frio nem do calor.

A outra coisa é que naquela noite, já em casa, no Higienópolis, quando fui servir um suco de uva orgânico para minha filha e lembrei de quanto custa (R$ 12 a garrafa de 500 ml), uma vez mais me apanhei no impasse, sobre como ser coerente e agir com algum senso no meio desta cidade.

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O inimigo número 1 da FIFA

Por Morris Kachani
03/06/14 08:33

Jennings 1Em um país que ama o futebol, ou que pelo menos adquiriu esta fama, as manifestações contra a Copa são sintomáticas e têm toda razão de existir.

Fifa e CBF são chefiadas por um bando de ladrões, e não seria exagero compará-los à Máfia. Lula, e depois Dilma, erraram ao dar espaço para os executivos destas entidades, que embolsaram dinheiro público através da desnecessária construção e reforma de diversos estádios pelo país.

São estas em suma as considerações a respeito dos preparativos brasileiros para a Copa, feitas pelo jornalista investigativo britânico Andrew Jennings em entrevista à Folha.  Entre 2006 e 2010, através de três documentários produzidos pela BBC, Jennings desvendou o maior propinoduto da história dos esportes, de aproximadamente U$ 100 milhões, envolvendo a agência de marketing esportivo ISL e a Fifa.

Para “Brasil em Jogo”, coletânea de artigos sobre o impacto dos megaeventos esportivos no Brasil, que a editora Boitempo está lançando, o jornalista britânico escreveu um texto intitulado “A máfia dos esportes e o capitalismo global”, no qual procura relatar os bastidores do poder e os impactos da mercantilização do futebol à luz das grandes corporações que o patrocinam.

O artigo dialoga com “Um jogo cada vez mais sujo”, lançado recentemente pela Panda Books, em que Jennings compõe um retrato do universo dos cartolas do futebol.

A Lei Geral da Copa, que autoriza renúncia de impostos feita à Fifa, suas afiliadas e empresas estrangeiras que prestam serviço à entidade máxima do futebol para a organização do Mundial, está na mira do jornalista. Calcula-se que o país deixará de arrecadar cerca de R$ 1,08 bilhão, segundo cálculo feito pelo TCU (Tribunal de Contas da União). A isenção fiscal foi uma das promessas feitas pelo governo federal durante a candidatura para sediar o evento.

“O que o Lula fez dando seu precioso país para esse bando de malandros da Fifa? Seu governo concedeu isenção fiscal à entidade, autorizou a venda de bebida alcoólica no estádio.  Um presidente forte não faria isso. Um presidente forte imporia condições mais duras e colocaria sua equipe fiscalizando tudo desde o primeiro dia”.

Para comentar as declarações de Jennings, Ministério dos Esportes, CBF e Ronaldo foram procurados, mas preferiram não se pronunciar.

*

Como avalia os preparativos do Brasil para a Copa?

A Fifa não deu a Copa para o Brasil, foi o esquema corrupto do Joseph Blatter que deu a Copa para o corrupto Ricardo Teixeira. E agora você e o mundo pagam o preço. Claro que o governo poderia ter feito melhor. O Lula poderia ter dito que não poderíamos ter esse homem, o Teixeira, cuidando da Copa do Mundo, ele é um ladrão.

Você acha que o futebol brasileiro está nas mãos erradas?

José Maria Marin (que sucedeu Teixeira em 2012, na presidência da CBF) é um péssimo administrador, deveria ser tirado. Ele é uma desgraça para o Brasil. Vocês não precisam dele e o mundo não precisa dele. O que eu sei é que todo o pessoal da CBF ignora os fãs, o público, os interesses do futebol, eles só querem enriquecer.

Você acredita que perdemos dinheiro com a Copa do Mundo?

Vocês certamente. Quem está pagando pelos estádio que você não precisam? O que aconteceu na África do Sul, está acontecendo agora no Brasil. A Copa não foi boa para a África do Sul. Foi uma bagunça caríssima. Eles ficaram com uns estádios que são uns elefantes brancos. Alguns políticos corruptos se juntaram com oficiais esportivos corruptos, e vêm com essa bobagem de estarem fazendo isto pelo bem do país! As empreiteiras enriquecem e a Fifa sai com uma bolada de dinheiro.

Por que você acha que esses megaeventos esportivos têm acontecido em países em desenvolvimento?

Preciso falar de cada país. Esse não foi o caso da Alemanha em 2006, nem da Coreia em 2002. Na Alemanha foi diferente, lá eles não conseguiram tirar muito. O que estamos dizendo é que agora a Fifa entrou  em dois países com uma ditadura, onde não existe votação popular. Qatar e Russia. Onde eles assinam qualquer coisa a respeito de impostos, que é o que vocês chamam no Brasil de ‘as leis da Fifa’. Há uma exploração dos países em desenvolvimento. O que o Lula fez dando seu precioso país para esse bando de malandros da Fifa?

Você acha que o Brasil não deveria ter aceito fazer a Copa?

Não. Devia ter feito. Mas de outro jeito. Não tem cabimento abater o imposto da Fifa, vender bebida alcoólica no estádio. Então um presidente forte diria ‘não faremos isso’. Lula deveria ter dito: “Nós amamos o futebol, nosso povo adora futebol. Mas nós teremos todas as cartas e o pessoal do governo fiscalizando desde o primeiro dia. Nesse caso, aposto, a Fifa diria ‘nós não vamos’. Eles sabem que vocês não precisam de novos estádios.

O que deveria ser feito para moralizar o futebol?

Eu acho que os governos tem que fazer isso. Por que as federações esportivas devem ter autonomia? Isso quer dizer que elas querem ficar sozinhas para fazerem seus negócios sozinhas.  Usando o dinheiro dos impostos mas não tendo que prestar contas. O que precisamos é de governos dizendo: talvez a gente faça  a copa ou olimpíada mas nós teremos os orçamentos à nossa frente e não vamos gastar mais dinheiro algum. Nós não vamos pagar.

Que acha do movimento contra a Copa que existe no Brasil?

Eles têm uma razão fantástica. Todo mundo sabe que o dinheiro está sendo roubado. Os relatórios das CPIs dizem tudo.

Então estes foram os erros de nosso governo.

Não acho que sejam erros. Erros são  uma coisa, ser ingênuo, ganancioso e estúpido é outra. Um milhão de brasileiros foram pras ruas, em junho. E tem um risco de voltarem. Você sabe que o povo vai estar na rua e a polícia batendo. Isso acontece, mas logo no Brasil onde as pessoas amam o futebol!

E dentro de campo, há corrupção?

Essas coisas são separadas. Você tem que separar o jogo do que está acontecendo fora do campo. A Fifa não hesitaria em armar resultados, é só observar o que aconteceu em 2002, com a seleção da Coreia do Sul.

Sobre o Ronaldo, você tem uma opinião sobre a atuação dele junto à CBF?

Não tenho nada a dizer moral ou legalmente. Mas eu pego o ponto de vista do Romário que diz que o Ronaldo estaria dando cobertura e suporte para os criminosos. Ronaldo deveria ter se colocado ao lado do Romário um ano atrás, no começo, contra as leis da Fifa. Mas ele se manteve calado por que ele está fazendo negócios com a CBF. Esses negócios por si não são errados, mas ele está sendo covarde, ele não deu suporte às pessoas que o enriqueceram, que é você e todos os outros brasileiros. Ele fez muito dinheiro do seu talento como jogador e agora ele não está nem aí pra você.

Você tem provas desta corrupção acontecendo no Brasil agora?

Há uma foto do Teixeira com Havelange e o bicheiro Castor Andrade. Tire suas conclusões. Falei disso para a CPI do Futebol, investiguei todos os documentos. Os brasileiros deveriam ter orgulho destes relatórios.

Uma foto?!

Sim, qualquer um que recebe presentes do Castor Andrade não vale nada. Havelange, é o grande sagrado mafioso. Ele chegou na Fifa quando não era corrupta, era incompetente talvez. Existem bons brasileiros mas dele vocês deveriam ter vergonha.

Você acha que o Marin é pior que o Teixeira?

É diferente. Não acho que ele seja esperto o bastante para roubar muito dinheiro. Mesmo sendo  amigo do Maluf dos maus tempos em São Paulo. É difícil para um estrangeiro dizer, mas vocês têm que resolver todos os problemas da ditadura. Vocês precisam se preocupar com isso. Dilma foi torturada por eles, por Deus!

Na Inglaterra, na Europa, as federações são menos corruptas?

Tendem a ser menos corruptas no lado ocidental da Europa. Porque nós temos mais controle, como nos EUA. Os crimes financeiros são pegos com mais frequência. Também temos uma grande imprensa livre. Vocês no Brasil tiveram duas ditaduras nos últimos 80 anos, o que complica muito.

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O herói que não morreu de overdose

Por Morris Kachani
27/05/14 15:16

chacal

Por Tracy Segal

Chacal, poeta marginal, me recebe em seu apartamento no Baixo Gávea, reduto da boemia carioca. Esse que viveu intensamente os anos 60, sobreviveu aos setenta, ganhou dinheiro nos 80 e voltou à marginália nos 90 com CEP 20000 – Centro de Experimentação Poética, o sarau festa anárquica, que ocorre mensalmente no teatro Sergio Porto no Humaitá, berço de toda uma geração de artistas cariocas e palco de algumas das experimentações poéticas mais criativas e libertárias há 24 anos.

“A poesia é uma das principais armas políticas, pra você conseguir vencer esse grande dragão que é a linguagem lógica.”

No dia 19 de junho se apresenta no Sesc Ipiranga com “Uma história à margem”, um monólogo epopéia punk, onde a ficção vira realidade e o in-verso. Espetáculo que teve estréia no Rio de Janeiro e que em suas andanças passou por Harvard no início deste ano.

Poeta marginal histórico, Chacal vivenciou e por que não, ainda vivencia, a experiência da contracultura no mais estrito senso da palavra. “… Não tinha grana, mas fazia muita coisa, nossos woodstocks caboclos. O trabalho desvinculado do prazer é a morte, acho isso até hoje.”

Ao rememorar os anos 60/70, exemplifica: “A gente se divertia muito. Era um dia heroína, um dia “Grande Sertão: Veredas”. Não sabia o que era melhor.”

* 

A palavra voltou a ocupar o espaço?  Nunca se escreveu tanto com a internet, facebook, não?

É o que eu chamo de afloração da idade do ouro na idade da lata. Tenho pra mim esta distinção, existiu uma idade do ouro, antes da propriedade privada, onde todos cooperavam entre si. Tem histórias de que o homem começa a matar os lobos. Os lobos comiam o gado dos homens. Os homens inventam armas e lanças e matam os lobos. Começa o excesso de gado, de búfalos, bisões. A partir daí, eles começam a negociar  a propriedade. É o mar de equívocos que até hoje prevalece, essa coisa da grana e da propriedade. Eu acho que de vez em quando tem florações dessa idade do ouro. São conjecturas, muito delirantes de minha parte. Na idade do ouro não teria essa lógica linear, todas essas rupturas seriam florações da idade do ouro na idade da lata. O carnaval é uma afloração, a poesia é uma afloração e a internet é uma afloração.

A grande revolução é a internet?

Eu acho que ela é o ovo da serpente. Foi gerada dentro do sistema capitalista, na sociedade de consumo, neoliberal. Nasceu deste sistema, mas pra vencer este sistema.

O pensamento darwinista ajudou muito o capitalismo a se estruturar. O homem não é o lobo do homem. Não é o mais forte que tem que vencer, não é pra isso. Há muito mais indícios de que havia muito mais colaboração do que choque e competição.  Na natureza tem um sistema cooperativo desde as moléculas. Desde a nossa gênese.

De onde surge o nome poesia marginal?

A gente começou a escrever poesia a partir do Oswald, do Tropicalismo, Pessoa, Maiakovski, imerso na contracultura, então só líamos os malditos e ouvíamos rock’n’roll. O Maiakovski representava justamente essa mistura de romper com a linguagem lógica e com o sistema político tradicional, com o capitalismo.

O nome Chacal?

O nome Chacal veio de um treino da seleção de vôlei da seleção carioca.  Eu demorei a chegar no refeitório e vi a galera comendo em silencio e falei. “Que onda Chacal”.

O que significava onda Chacal?

Uma gíria da época. Sei lá, uma onda devagar, calada.

Como você começou a escrever poesia?

Foi através do tropicalismo, que recuperaram o Oswald  de Andrade e eu fui ler. A ditadura rolando. Comecei a escrever ali, fiquei obnubilado pelo Oswald, ele juntava a coisa  sintética da poesia e da música com a coisa bem humorada e era crítico, era bem político. Comecei a escrever assim, parecido com ele. Isso misturado com a contracultura, a psicodelia. Meu primeiro poema dizia: “Da orelha esquerda de Moisés saltava um duende capenga nas noites de lua nova”.  Tem a coisa sintética do Oswald, um certo humor nonsense com a psicodelia.

Você participou dos movimentos de esquerda da época?

Eu comecei no movimento estudantil mas ele morre com o AI5, por que a repressão baixou muito pesado.  Só continuou quem foi pra luta armada.

Ou você acreditava muito que havia uma possibilidade de revolução ou ia buscar outras alternativas. Fui buscar através da contracultura, onde o mundo todo pudesse se libertar. Romper com uma estrutura patriarcal, moral, que estava na sua cabeça.

A poesia era política pelo rompimento da estrutura, pela linguagem?

Essa lógica verbal é uma das principais ferramentas do sistema para nos manter com uma visão linear do mundo, limitada. O mundo não é início meio fim, sujeito verbo predicado. O mundo é tudo ao mesmo tempo agora, que pra mim é uma ordem. Na minha cabeça a ordem é o caos. A partir do caos você começa a se entender, começa a se dar formas. Mas volta e meia você volta ao caos. E a linguagem, principalmente a poética, começa a revolucionar, a subverter essa ordem do mundo. A poesia é uma das principais armas políticas, pra você conseguir vencer esse grande dragão que é a linguagem lógica.

A poesia marginal nasce na universidade?

A universidade neste período estava muito difícil, o AI5 fez o serviço. Os professores estavam sendo expurgados… Nem passava pela cabeça ser poeta.  Não existia poeta. Existia músico, pintor, escritor.  Não tinha essa coisa da carreira literária. Eu escrevia em cadernos e os amigos liam e falavam pra eu publicar. Eu não entendia.

Como você se sustentava?

Mal e porcamente. Nem sei como eu vivia. Eu fiz estágios em agências de propaganda. Mas eu não conseguia. Eu tava bem no início. Queria escrever poesia, viver a onda psicodélica.  No estágio escrevi um anúncio para as Óticas Fluminense: “se o mundo não vai bem aos seus olhos use lente. Ou mude o mundo.” Eles acharam muito subversivo. Até que um dia eu perdi um ácido lá e disse: nunca mais volto aqui. Essa agência é muito baixo astral. Meu ácido caríssimo!

Inserção no mercado?

Essa palavra mercado ainda nem existia, ainda bem. Tinha pouca opção pra quem escrevia. Tinha propaganda, mas era abominável. A mídia também não tinha espaço, tudo bloqueado. A gente ainda não era letrista. Era poeta. Publicamos em mimeógrafo. Deu um nó. Poesia em mimeógrafo? Os caretas do sistema não entenderam. Os primeiros que elogiaram foram “os caras”:  Wally Salomão, Torquato Neto e Hélio Oiticica. A santíssima trindade do subterrâneo brasileiro. Com esse trio dando aval eu continuei. Dois anos depois é que a academia veio. Cacaso e Chico Alvim ficaram encantados por que rompia com a sisudez, eles vinham do cânone. Quando eles entraram em contato com a gente acharam bonito, engraçado, rompia com o mundo acadêmico. Isso aconteceu enquanto eu tava em Londres.

Por que você foi pra Londres?

Os amigos todos estavam indo. Tava muito chato por aqui. Fui preso várias vezes, por vadiagem.  Ficava doidão no baixo Leblon e rodava. Andava sempre sem documento. Mas em 72 fui. Londres era meu sonho,a meca do rock­ – Beatles, Rolling Stones. Eu vi o Allen Ginsberg lá. A performance dele, num festival internacional de poesia. Ele tinha um canto rock’n’roll e era poesia falada. Performática. Juntava a poesia com a música. Eu queria isso! Tinha as onomatopeias, as gargalhadas.

Mas ainda não chegamos no por que do nome poesia marginal.

Poesia era marginal porque rompia com o modo tradicional da indústria do livro: editora, distribuidora, padrinhos literários, etc. Quando volto ao Brasil já está tudo mais estruturado, o Cacaso já tinha organizado uma coleção chamada Frenesi. Aí veio a Heloisa Buarque de Hollanda, e juntou o que normalmente não juntaria. Mas naquela época todos eram contra a ditadura. A gente se juntava por que o grande inimigo estava fora da gente, o governo militar. Éramos diferentes mas não divergentes.

O inimigo fora ajuda a criar nosso exército?

Nos dá um ânimo para atuar. É um pouco o que a gente vive hoje, não tem um inimigo fora. O mercado é  furta cor. Dá pra ir contra ele, mas é mais delicado. É menos visível a atuação. Naquela época tudo era produto do sistema, até nossas fraquezas, nossa impotência. Tudo era perdoado, o que também não era legal. A gente era muito benevolente com a gente. Tudo era culpa da ditadura. A gente fazia pra se divertir também.

Que é poesia marginal?

Até hoje eu não sei o que é poesia marginal, não tem um manifesto, um estatuto.  Tudo pode ser poesia marginal. Para mim era tudo que não era métrica, ou visual naquele período.

Juntava poetas, como o Wally que não gostava da poesia marginal, ele achava inculta, o Leminski que também não gostava pela mesma razão e a Ana Cristina César. Tudo isso entrava no saco da poesia marginal. Havia uma parceria, mas não havia este acordo entre a gente, esteticamente eram caminhos bem diferentes. Tinha toda esta mística do marginal na cultura da época, poderia ter se chamado poesia underground também. A poesia marginal é considerada o último movimento poético do Brasil, uma coisa que já tem 40 anos.

E no mundo tem outros movimentos?

Não sei. Poesia foi muito atingida pelos meios audiovisuais. Numa sociedade sensorial, a coisa da palavra vai perdendo a força. Poesia exige uma reflexão. Esse tempo da poesia se foi. O CEP 20000 é uma tentativa de manter vivo isso trazendo a poesia para o palco, para o ao vivo.

Hoje em dia tem várias rodas de rimas, de slams na virada cultural. Talvez o movimento seja a voz das periferias, o hip hop, que é a forma atual da poesia popular. Pegou este bastão do cordel. E o hip hop com a coisa eletrônica, com os ritmos.

Na periferia talvez exista o inimigo visível, em comum?

Sim. Tem razão. O que o governo militar foi pra classe média e pra todos, hoje é a polícia espancando o preto pobre. Ele tem uma necessidade de discurso. Onde a palavra é necessária. Na periferia é o grito de guerra. A violência explícita. Eles tem que gritar.

Naquela época, nos anos 70,  a gente falava do nosso dia a dia. A gente falava pra gente mesmo.  A polícia nos calcanhares. Não podia sair à noite, não podia tomar ácido.

Ácido não pode tomar até hoje!

Não pode tomar ácido até hoje, não é?

Acho que a gente tem muitos pontos de contato com hoje em dia. Mas falta uma expressão artística pra isso. As pessoas já foram pra rua, mas falta alguma coisa. Falta um tropicalismo pós pra pensar e questionar estes valores. Acho que alguma coisa com a mídia livre, mídia ativismo.

Eu tenho uma metáfora que aquele período era o espantalho, colocavam na horta para assustar. Uma coisa bufa, cruel, malvada. Os generais eram totalmente  bufos e hoje em dia o espantalho deu lugar ao agrotóxico. Você não vê o inimigo, você ingere o inimigo. Antigamente a censura te censurava. Agora é o mercado que tá introjetado, que te censura. Vai reclamar com quem? É o sistema dissimulado, que não tem cara.

Anos 80 foi uma época mais alienada?

Foi a vitória do mercado. Os anos 80 foi muito yuppie, muito sucesso. A grande estrela era o cartão de crédito, que estava chegando.  Os marginais foram para o palco. Ganhando dinheiro ao mesmo tempo se prostituindo. Aproveitei bem essa absorção da cultura marginal dos anos 70 pela indústria cultural. Comprei um telefone, aluguei um quarto e sala. Mas isso se esgotou no final dos anos 80. O sistema é autofágico. De uma hora para outra eu me senti um velhinho, bagaço cuspido fora. Não gostava dos homens de gravadora definindo quem ia tocar nas rádios. Eu acho que os anos 80 foi a reação do sistema. E agora vem essa geração digital. Não segue o analógico. Outro paradigma, outra velocidade.

Essa não era a busca da contracultura?

O berço da era digital é a Califórnia que é o berço do movimento hippie.

Mas a cara é tão diferente. Dos hippies para os nerds. É curioso esse parentesco.

O Timothy Leary, pai do ácido, e todos, eram adeptos da computação eletrônica. A falta de linearidade. Depois de muito ácido o sujeito entende que não tem sujeito predicado verbo. O que é o hipertexto? É tudo ao mesmo tempo. Tem muito mais a ver com a realidade do que a linearidade de um livro.

Anos 80 virou a chave, como se deu isso?

Nos anos 60/70 a gente se divertia muito. Não tinha grana, mas fazia muita coisa, nossos woodstocks caboclos.A gente não queria cumprir ordem unida para o sistema. O trabalho desvinculado do prazer é a morte, acho isso até hoje. Ninguém mais queria seguir o sistema e isso foi barbaramente engolido pela mídia. O sistema percebeu o perigo.  Mas começa a ruir mesmo com as mortes do Jimi Hendrix, Janis Joplin e aqui o Torquato. Foi uma época muito pesada em suicídios e overdose. Eu tomei uma overdose em Londres.

De heroína?

Comecei a tomar heroína em Londres. Era difícil conseguir, mas era a droga para o inverno europeu. Era o nirvana. Prazer absoluto. Tomei uma dose de junky e foi tudo apagando, acordei no hospital. Eu tomava dia sim dia não, eu queria todo dia mas não tinha grana. E foi nessa época que caiu na minha mão o “Grande Sertão: Veredas”. Então era assim, um dia heroína, um dia “Grande Sertão”. Não sabia o que era melhor.

Mas como que o sistema devorou o movimento hippie?

Chamavam os hippies de natureba, riponga. E as pessoas foram se drogando muito. Isso tudo foi desacreditando o movimento hippie. Então nos anos 70 o que vigora é o movimento punk, no future, vamos nos acabar. Acabou o paz e amor. Mas foi absorvido pelo mercado também. Não precisa mandar a polícia, é só desacreditar. O sistema é ambíguo, a gente vive dele, se vira dentro dele, ao mesmo tempo não concorda com ele. Mas não conseguem acabar nunca com a gente, com os malucos.

Quem são os malucos hoje?

Os caras que estão na rua. Que partem pra cima mesmo. Até o ano passado achei que não tinha mais maluco. Tem os malucos na poesia, que querem fazer dentro da sua arte. Mas fora disso eu não via manifestações contra o sistema, era um pouco impensável. Isso já é fruto da era digital.

Tudo fruto desta monstruosidade chamada sistema neoliberal, que agride, bate, estupra.

Segundo Zygmunt Bauman sobrou pro Estado punir. A única função é não permitir que as pessoas se revoltem. Botar a repressão na rua, das formas mais modernas.  Em nome da ordem, da produção e do trabalho. As empresas são transnacionais e os interesses são só sugar. Desmantelar tudo que o ser humano conquistou, o welfarestate (bem estar social).

O CEP 20000 era completamente anárquico, uma catarse coletiva, não tinha muito limite palco plateia, ainda é assim?

Não. Era inacreditável. O desencanto com o ouro de tolo, com a indústria cultural e volta o prazer de estar junto fazendo barulho. Se divertir e mostrar os seus trabalhos. E juntou uma galera muito competente. Era um delírio. Um palco e tudo escuro, a garotada se pegando, se encontrando e fazendo poesia. Um período muito feliz.

O CEP é o maior bunker de resistência da poesia?

O CEP 20.000 faz 24 anos agora em agosto. Depois de tanto tempo, a Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro não deu apoio ao projeto esse ano. Mas não conseguiu acabar com o CEP. O  Imperator no Méier, da Prefeitura, convidou o CEP para dar uma cara mais experimental ao lugar, que para se manter, promove shows e peças do mainstream. E continuo com o tradicional CEP do Humaitá, no Sergio Porto, à base de bilheteria. Espaço conquistado não se entrega. O CEP é um projeto de base, estruturante, que abre espaço para novos talentos. Devia haver um como ele em cada bairro. Sem isso, novas gerações de artistas ficam sem espaço para se expressar e implodem. Se transformam em pessoas frustradas que poderiam estar felizes. O CEP é um lugar de encontro, de afeto, de insurreição. Isso a Instituição quer acabar. A noite do Rio acaba cedo agora, toda uma caretice planetária que não permite uma vida noturna, o encontro. Porque as pessoas são feitas para trabalhar, consumir e produzir. As pessoas com medo em casa, se anestesiando diante do monitor ou da televisão. O CEP 20000 quebra com isso. CEP 20000: só indo, só vendo, ouvindo, vivendo.

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Lições da Copa de 50

Por Morris Kachani
24/05/14 20:37
Abertura da Copa de 50 no Maracanã, ainda com andaimes nas arquibancadas

Abertura da Copa de 50 no Maracanã, ainda com andaimes nas arquibancadas

Um clima de euforia com a Copa entre a população e na imprensa. Nada de greves dos motoristas de ônibus, policiais ou garis, muito menos protestos na rua. Raríssimas críticas ao uso de verba pública (100%) na construção dos estádios. E um ‘padrão Fifa’ de exigências que não ia muito além das condições do gramado, dimensões do campo, alambrado, área para imprensa e um túnel de saída para o vestiário.

Esta Copa já existiu e aconteceu neste país, há 64 anos. Custou cerca de 59 vezes menos do que a edição atual (R$ 437 milhões, em valores atualizados, para ser mais exato; a de 2014 custou R$ 25,6 bilhões). “É possível traçar um paralelo: se no século passado o evento tinha proporções bem menores, alguns erros se repetem décadas depois” afirma o jornalista Diego Salgado. Junto com Beatriz Farrugia, Gustavo Zucchi e Murilo Ximenes, ele escreveu “1950 – O Preço de uma Copa”  (editora Letras do Brasil), que radiografa como o país se preparou para a quarta edição do evento.

O ponto de contato entre as duas Copas está no improviso e no atraso na entrega das obras. Um exemplo: Porto Alegre e Recife foram escolhidas como cidades-sede a poucas semanas do evento. Outro: na festa de abertura de 50, no Maracanã, os andaimes ainda não haviam sido retirados das arquibancadas. Embora a escolha do Brasil tenha sido homologada em 46, a construção do estádio só iniciaria dois anos e meio depois.

Havia uma disputa política em torno do novo estádio no Rio. Carlos Lacerda o queria em Jacarepaguá. O prefeito da época, Mendes de Moraes, defendia o Maracanã. Qualquer semelhança com a novela do Itaquerão não pode ser mera coincidência.

Contudo, a construção do Maracanã, e a realização da Copa como um todo, era acima de tudo motivo de orgulho e ponto de honra entre os brasileiros. Diferentemente das duas décadas anteriores, marcadas pela quebra da bolsa em 29 e a eclosão da Segunda Guerra, o clima era de esperança.

“Naquele momento havia uma vontade de afirmação do Brasil, em um contexto de industrialização e crescimento econômico do governo Vargas (30-45)”, explica Daniel de Araujo dos Santos, professor do curso Clio Internacional de pós-graduação e especialista em futebol e relações internacionais.

“O povo brasileiro queria mostrar seu valor e isso era evidente entre ricos e pobres. Os operários queriam mostrar que tinham construído o maior estádio do mundo, que era o Maracanã na época”, acrescenta. Em suma, o povo se sentia parte da festa. Até porque, com um salário mínimo da época, dava para comprar vinte ingressos para os jogos da Copa.

O futebol, que naquele tempo era chamado de “football” (e os craques eram chamados de “cracks”), vinha de uma trajetória de ascensão. Ainda dividia com o turfe as páginas dos jornais, mas com sua profissionalização, em 33, proliferavam as praças esportivas no país. Por isso a imprensa fazia campanha maciça pela construção de novos estádios. Os que havia já estavam ficando pequenos demais para o público interessado, que cada vez mais crescia.

É bom lembrar que a Copa de 50 foi realizada em seis cidades-sede, e 13 seleções. Agora, são 32 seleções e doze sedes. E quanto às obras de infra-estrutura, elas simplesmente não existiram. Ou melhor, foi feito o alargamento de uma avenida e as mãos de algumas ruas foram invertidas, no entorno do Maracanã.

Em 42 e 46, não houve Copa. Com a Europa devastada pela Segunda Guerra, nenhum país do continente demonstrava interesse ou condições financeiras para sediar o evento. Os olhos da Fifa então se voltaram para a América do Sul. Em uma disputa política envolvendo a CBD (antiga CBF), a AFA (federação argentina) e a Fifa, o Brasil foi escolhido. A Argentina acabou boicotando o campeonato. Se não o fizesse, a história do Mundial talvez tivesse sido outra. Naquela altura, junto com o Uruguai, o escrete argentino dividia a hegemonia no continente.

Em uma análise mais detalhada sobre a cobertura dos jornais da época, encontram-se alguns poucos artigos sobre os problemas da organização no decorrer do evento. Escassez de hotéis e restaurantes no Rio de Janeiro. Filas gigantescas para os ingressos dos jogos do Brasil. Superlotação do Maracanã, fazendo com que todos assistissem a um jogo em pé.

Em texto intitulado “A Tomada da Bastilha”, o cronista de ‘O Globo’ relata a invasão dos torcedores no jogo entre Brasil e Espanha: “As cenas que antecederam o início do ‘match’ foram realmente históricas. Pagando ou não pagando, o povo entrou, e estava sendo comprimido de encontro às grades de ferro, que agora sabemos, não podem oferecer grande resistência. Nada foi respeitado. Havia gente pelos corredores, entre as cadeiras, em cima das cadeiras, em cima dos braços das cadeiras, enfim, não foi deixado um espaço vital sem ocupante”.

Impossível escrever sobre 50 sem passar pelo ‘Maracanazo’. 10% da população carioca estava no estádio. Imperava a cantoria de músicas e marchinhas de carnaval improvisadas no contexto do futebol. Até que veio o silêncio.

Conta José Sergio Leite Lopes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em “Brasil em Jogo” (editora Boitempo), que acaba de ser lançado, que “quem demonstrou fair play e civilidade foi a platéia, que permaneceu no estádio até a premiação da equipe vencedora, apesar da tristeza”.

Mas não foi só civilidade. Na saída, uma turba furiosa destruiu o busto do prefeito da cidade, que ficava na entrada do estádio, em uma ação “entendida como uma usurpação política de um sentimento esportivo maior”, de acordo com Leite Lopes.

Na semana que antecedeu a final a seleção treinou no estádio de São Januário e recebeu visitas de políticos ilustres, entre os quais o presidente Dutra. O clima de “já ganhou” era predominante. Naquele ano, como neste, havia eleições presidenciais em outubro. Dutra não conseguiu emplacar seu candidato, Cristiano Machado, e Getúlio Vargas, que encarnava o espírito trabalhista, venceu.

Flávio Costa, técnico da seleção, concorria a deputado. Também não venceu.

Para Daniel de Araujo dos Santos, é difícil estabelecer uma relação direta entre o resultado da Copa e das eleições. “Vargas era um líder popular e carismático, e sempre esteve associado ao nacionalismo. Sua chance de ganhar a eleição era muito grande, mesmo se o Brasil vencesse”.

PACAEMBU

Glória do futebol paulista, jóia da arquitetura art déco, o estádio foi inaugurado em 40. Três meses depois, a prefeitura anunciou que seriam entregues cinco novos viadutos para suprir o aumento de circulação em torno do estádio: viaduto do Pacaembu, Itororó, Jacareí, Luiz Antonio e Nove de Julho.

Segundo Diego Salgado, logo após o anúncio da Fifa de que o Brasil sediaria a Copa, os jogos no Pacaembu já eram dados como certos. E como o estádio era novo, não foram necessárias grandes reparações.

A 23 dias do Mundial, no entanto, delegados da Fifa indicaram que o estádio paulista não se encontrava em condições totalmente satisfatórias, e exigiram aumento da extensão do gramado e ampliação das cabines para a imprensa. A qualidade do gramado também foi colocada em xeque, o que acabou gerando questionamento dos jornais na época: por que os preparativos não haviam sido antecipados?

O estádio recebeu seis jogos. Um deles do Brasil, contra a Suíça. Terminou empatado, em 2 a 2 (público de 42 mil pessoas). A rixa entre paulistas e cariocas era grande, à época. E a base da seleção era o time do Vasco da Gama. Em uma jogada marqueteira, o técnico Flávio Costa decidiu colocar em campo vários dos reservas paulistas.

Segundo Daniel de Araujo dos Santos, apesar disso a recepção à seleção foi menos calorosa, e assim a cidade ganhou a fama de “pé frio” entre os cariocas.

O público costumava comparecer ao estádio em trajes semiesportivos, de camisa e calça, algumas vezes até de paletó.

O Pacaembu também recebeu o jogo entre Uruguai e Suécia, que classificaria a seleção celeste para a grande final. Até os 32 minutos do segundo tempo, o Uruguai perdia por 2 a 1. O jogo terminou com vitória dos celestes por 3 a 2, em um terrível prenúncio do que aconteceria no jogo final.

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A Copa segundo Ruy Castro

Por Morris Kachani
17/05/14 02:22

ABERTURA_FLIPPara explicar a gênese de “Os garotos do Brasil – um passeio pela alma dos craques”, que a editora Foz está lançando, o escritor e colunista da Folha Ruy Castro cita Nelson Rodrigues: “sempre concordei com ele quando dizia que, em futebol, o pior cego é o que só vê a bola. Nelson, que tinha miopia aguda, mal enxergava a bola em campo. Então, como via mal o jogo, tinha de limitar-se a radiografar a alma dos jogadores”, diz.

“É por isso que suas crônicas de futebol, que se referem a jogos disputados há 50 ou 60 anos, podem ser lidas hoje com o mesmo entusiasmo – porque não tratam exatamente de futebol, mas do grande teatro humano que se passava em campo”, acrescenta. Assim, Ruy imaginou um livro que se concentrasse mais no lado humano dos craques.

Os 25 textos que compõem a obra foram publicados nos últimos 20 anos em diversos veículos – quase todos, revistas de circulação dirigida. Entra em campo a reconhecida habilidade do autor no resgate histórico, revelando os sonhos, traços de caráter e miudezas de alguns de nossos maiores ídolos, como Pelé, Garrincha, Bellini e Zico, entre outros. Trata-se, enfim, de uma coletânea abrangente e despretensiosa, escrita por um jornalista e torcedor (fervoroso flamenguista) que viu jogar quase todo mundo, de 1958 até mais ou menos 1990, nos estádios.

Ruy também trata de esmiuçar alguns dos fundamentos clássicos do que seria por assim dizer nossa sociologia do futebol, como a ginga, que vem da capoeira (“Goethe e o almirante Nelson não tinham ginga. Nós temos. E daí?”), ou o complexo de vira-lata – expressão criada por Nelson Rodrigues para designar, segundo o próprio, “a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo”. A Copa de 50 seria um protótipo.

E o que foi feito de nosso complexo de vira-lata, a essa altura? “Nunca o Brasil encarnou tanto o complexo de vira-lata quanto atualmente. E, de certa maneira, nunca nos deu tantos motivos para isto”, arrisca Ruy.

“A partir de junho do ano passado, tudo virou motivo para protesto, e a Copa era um alvo fácil. Por que não começaram a protestar mais cedo? Se o Brasil começar a jogar bem e vencer, o povo vai aderir à seleção e deixar a minoria que não quer Copa falando sozinha. Mas, se fracassar…”

*

Que revelações traz seu livro? Como foi o processo de pesquisa?

Acho que os leitores se interessarão pela dualidade que descrevi entre Pelé e o homem que o acompanha por toda a vida: Edson — ou seja, ele mesmo. Talvez eles se comovam com os desencontros entre Gigghia, o carrasco uruguaio do Brasil em 1950 [depois tão homenageado por nós] e seu adversário brasileiro, Juvenal, que, ao contrário, morreu abandonado. Gostei muito também de escrever o perfil do Bellini, porque, sem dizer que ele sofria da doença de Alzheimer, dou a entender isso ao leitor. E há também pensatas sobre o Garrincha que não estão na biografia que fiz dele, “Estrela solitária” — porque biógrafo não pode pensar, apenas descrever.

Ao ler seu livro, foi inevitável fazer a comparação, entre o que era o futebol naquele tempo do Bellini digamos, e hoje em dia. Pincei algumas partes: bolas de couro graúdo e uniformes de algodão, quase todo mundo jogava no Brasil, o dinheiro era outro. Então tenho algumas perguntas sobre o ontem e o hoje: a ginga se universalizou?

Sem dúvida, falo disso no livro. Os europeus absorveram as nossas qualidades. Falta agora nós absorvermos as deles.

No que diz respeito à crônica esportiva, locução, transmissão de rádio e TV, o que mudou?

Na primeira Copa que acompanhei para valer, a de 1958, muitos jogos foram disputados em campinhos ridículos — o da estréia do Brasil, contra a Áustria, numa cidade chamada Udvalla, acho que tinha arquibancada escavada no barranco! Bem diferente do que é hoje a Copa do Mundo, não?

O futebol jogado antigamente, plasticamente era mais bonito de se ver?

O futebol em si, não sei, mas o brasileiro, sem dúvida. Principalmente porque todos os nossos craques, com uma ou duas exceções, jogavam aqui, disputavam os nossos campeonatos. Imagine a maravilha que era você poder ver jogar o Garrincha toda semana no Maracanã e o Pelé no Pacaembu. A seleção campeã do mundo de 1958 tinha três jogadores do Vasco, três do Botafogo, dois do Santos, um do Flamengo, um do Corinthians e um da Portuguesa de Desportos. Uma semana depois de conquistar o título na Suécia, já estavam todos aqui de volta, disputando os campeonatos carioca e paulista — que tal?

Qual a diferença dos garotos de antigamente e os de hoje?

Talvez o futebol fosse mais importante para os garotos do meu tempo, nos anos 50. Tínhamos muito menos opções. A vida se dividia entre jogar pelada, colecionar figurinhas e tentar beijar as priminhas na escada de serviço.

Você ainda assiste aos jogos do Flamengo?

Religiosamente — inclusive os de sub-20, sub-17, basquete etc. Agora vou pouco ao estádio, mas, pela televisão, não perco um.

Para onde caminha nosso futebol?

Para a mesmice.

Que achou do Maracanã reformado?

Ainda não fui, e temo ver o que ele se tornou. O pior não foi nem o encolhimento a que o submeteram, mas torná-lo parecido com 200 outros estádios no mundo.

Como anda sua relação com o Rio de Janeiro? Por que momento você acha que a cidade está passando?

O Rio é minha pele, e minha temperatura regula com a dele. Estou empolgado com essas obras todas que estão sendo realizadas — muitas delas, como a derrubada da Perimetral e a revitalização do Porto, eram sonhos que eu acalentava há décadas. E as UPPs, apesar das sabotagens a que estão sendo submetidas por certas forças políticas, são um sucesso.

Você acha que a gente leva esta Copa? Qual sua visão pessoal sobre a seleção, sobre Neymar e sobre Felipão?

Sinceramente, não conheço a maioria dos jogadores — não acompanho o campeonato inglês, nem o alemão, nem o russo, que são os que eles disputam. Mas basta o Brasil entrar em campo para impor respeito ao adversário. Cansei de ver isso na Europa, onde morei nos anos 70. Felipão está para a seleção assim como o Chacrinha estava para o auditório — é um animador, não? Talvez isso seja suficiente: se você tem o Neymar e mais alguns para ajudá-lo, não precisa se preocupar com esquemas táticos — basta alguém fazendo caretas e esgares na área reservada ao técnico…

O que (acha que) Nelson Rodrigues diria sobre a seleção atual e toda discussão em torno dos preparativos da Copa?

Essa, vou ter de passar. Acho impossível imaginar o que o Nelson diria sobre qualquer assunto. Quem acha que pode fazer isto é porque não conhece
bem a obra e a cabeça dele, sempre surpreendentes.

Que pensa do movimento “não vai ter Copa”?

De que adianta não ter Copa? Os hospitais e escolas vão surgir do nada, de uma hora para outra? Ao contrário. Se não tiver Copa, o Brasil vai ter de pagar uma multa tão gigantesca que aí é que não vai ter nada mesmo. A Copa vai gerar centenas de milhares de empregos. Bilhões de reais serão movimentados. Espera-se uma multidão de turistas. Será uma festa para o comércio, para os restaurantes, botequins, motoristas de táxi, amublantes de cerveja. Todo mundo será beneficiado.

Com relação ao “não vai ter Copa”, acha que esta insatisfação tem alguma razão de ser? Li que gastamos R$ 500 milhões (valores atualizados) em 50 e agora são quase R$30 bi.

Há uns três anos, fui dos primeiros a denunciar os poderes de Estado invasor da Fifa, principalmente no Rio, em minha coluna na Folha. Parecia
que ninguém estava se importando. A partir de junho do ano passado, tudo virou motivo para protesto, e a Copa era um alvo fácil. Por que não
começaram a protestar mais cedo?

Ainda com relação a isso, acha que o surto cívico vai pegar nesta Copa, como de certa forma aconteceu em outras Copas, ou pode haver mais indiferença?

Se o Brasil começar a jogar bem e vencer, o povo vai aderir à seleção e deixar a minoria que não quer Copa falando sozinha. Mas, se fracassar…

O que foi feito de nosso complexo de vira-lata a essa altura, em sua opinião?

Nunca o Brasil encarnou tanto o complexo de vira-lata quanto atualmente. E, de certa maneira, nunca nos deu tantos motivos para isto.

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Ives Gandra Martins critica decisão do STF e fala em indenização aos condenados do Mensalão

Por Morris Kachani
13/05/14 19:05

IVES2Se José Dirceu e outros mensaleiros estão proibidos de sair da prisão por terem sido condenados ao regime semi-aberto, onde está o aberto desse regime?

Cabe entrada com recurso solicitando indenização por danos morais e patrimoniais, na medida em que cumprem uma pena para a qual não foram condenados.

“De toda forma esta decisão não deve passar pelo plenário. Se passasse, seria desastroso para o sistema carcerário brasileiro”.

Estas são considerações do jurista Ives Gandra Martins, 79. Não é a primeira vez que ele critica uma decisão do STF sobre o Mensalão. Em setembro, Gandra já havia afirmado que Dirceu foi condenado sem provas, questionando a teoria do domínio do fato, que serviu como base para o julgamento.

Desta vez, o questionamento recai sobre a decisão do presidente do STF, Joaquim Barbosa, que nos últimos dias revogou a autorização de trabalho fora da prisão de quatro condenados do Mensalão, sob a argumentação de que precisariam cumprir um sexto da pena para obter o benefício de deixar a cadeia durante o dia.

Com 56 anos de advocacia e dezenas de livros publicados, inclusive em parceria com alguns ministros do STF, Gandra, professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra, não poderia ser enquadrado exatamente como um militante petista, ou de esquerda.

Nesta entrevista inclusive, critica duramente algumas políticas dos governos Lula e Dilma. Em mais de uma hora de conversa, Gandra fez também uma avaliação crítica sobre a atuação do STF. Para ele, o tribunal não deveria assumir o papel de legislador positivo em questões como o casamento civil homossexual ou utilização de células tronco em pesquisas científicas. “Quem faz as leis é o Congresso. Cabe ao STF julgá-las, se são constitucionais ou não”.

Gandra também explica por que, sob seu ponto de vista, é legítimo que o Mensalão petista tenha sido julgado pelo STF e o Mensalão tucano não o seja.

*

Como interpreta a decisão do presidente do STF, Joaquim Barbosa, em revogar o trabalho externo de José Dirceu?

Respeito a cultura do ministro e sua decisão, mas nesse particular não concordo. É a primeira vez que vejo essa interpretação. É uma decisão mais rígida.

Mas não é o que diz a Lei de Execução Penal, invocada pelo próprio presidente do STF?

Sim, mas existia uma jurisprudência do STJ,  em que concretamente, os condenados ao regime semi-aberto não precisavam cumprir um sexto da pena para trabalhar fora do presídio. Mais do que isso, o normal era cumprir um sexto da pena trabalhando fora para já passar ao regime aberto, dependendo do parecer de uma comissão julgadora.

Esta decisão pode prejudicar milhares de presos que estão no semi-aberto e encoraja o aumento da população carcerária. É preferível que se abra mais espaço no nosso sistema prisional, e não o contrário. A situação de nossos presídios é desumana.

Tenho a impressão de que o plenário vai derrubar esta decisão.

Barbosa chegou a argumentar que Dirceu não precisa exercer atividade fora porque trabalha na Papuda, onde ajuda a organizar a biblioteca e realiza faxina.

Trabalhar dentro do presídio é como se você estivesse cumprindo uma pena no regime fechado.

Quando alguém cumpre uma pena para a qual não foi condenado, tem todo direito de entrar com ação indenizatória por danos morais e patrimoniais. Os condenados a regimes abertos ou semi-abertos que acabarem por cumprir a pena em regimes fechados, estarão pagando à sociedade algo que não lhes foi exigido, com violência a seu direito de não permanecerem atrás das grades.

Dirceu está sendo muito vigiado, é o preso mais vigiado do Brasil. Se ele fica gripado, no primeiro espirro todos sabem. Houve suspeita de que os presos do Mensalão estivessem recebendo alimentos e visitas fora do horário, ou usando celular.

O que está em jogo é o bom comportamento. Qualquer abuso na utilização do regime semi-aberto, pode implicar uma sanção como o regime fechado. Em todo caso, não acho que estes elementos sejam capazes de mudar um regime. Não houve prova cabal, isso é mais uma suspeita do que realidade.

Que acha de Joaquim Barbosa?

É um grande humanista. Dá palestras em alemão na Alemanha, em francês na França. Nos poucos encontros que tivemos, revelou um conhecimento profundo sobre literatura, música clássica e direito. Agora, no Supremo, tem sido um homem extremamente duro. Ele tem esse temperamento, de quem veio do Ministério Público.

Como avalia a atuação do STF?

Tenho criticado o STF por achar que o tribunal deva ser um legislador negativo, e não positivo – positivo é quando faz a lei e cria uma nova situação, como no caso das células tronco, união civil homossexual ou aborto de anencéfalos.

O STF não deve propor. Quem cria é o Congresso. Ao STF cabe julgar se a decisão é constitucional ou não.

Que acha da TV Justiça?

Por um lado foi boa para o Brasil, democratizando o acesso. Por outro, o fato dos julgamentos serem exibidos faz com que os processos sejam muito mais demorados. Hoje todos ministros querem mostrar sua cultura . Criou-se certo teatro em função da televisão. Como dizia Erasmo de Roterdã, “a loucura do homem é a vaidade”.

É legítimo que o Mensalão petista tenha sido julgado pelo STF e o Mensalão tucano não o seja?

Foi correto o Mensalão petista ter sido julgado pelo STF. Eram 40 pessoas, o grosso delas vinculadas a competência originária do Supremo e outras não. Se fosse separar as instâncias, as decisões poderiam ser conflitantes. Mais correto foi julgar em um mesmo processo todo mundo, vinculado. A grande diferença do Mensalão tucano, é que com exceção de Eduardo Azeredo, todos os réus estão em instâncias inferiores. Isso é definido pela Constituição.

Foi positivo o Mensalão ter sido julgado pelo STF e televisionado?

Acho que sim, passou a impressão de que a corrupção efetivamente está sendo combatida. Só tenho minha dúvida com relação à teoria do domínio do fato. Se fosse para aplicá-la efetivamente, era o Lula que devia ter sido condenado, não o Dirceu. Fujimori foi condenado pelos crimes praticados por seus subordinados. Videla, na Argentina, porque era presidente nos anos de chumbo.

Não havendo prova consistente, a teoria do domínio do fato evoca o testemunhal, tentando colocar o réu como organizador daquilo tudo. Pessoalmente sou contra a teoria do domínio do fato.

Os criminosos têm que ser defendidos da sociedade. Sem provas consistentes não dá para condenar. Penso na defesa dos réus e não da sociedade, que clama por justiça com as próprias mãos. Só assim evitaremos linchamentos como esse ocorrido no Guarujá e outros que temos visto por aí.

Quando o povo deseja um resultado, deseja independente do direito. O povo tinha convicção de que aquela mulher era bruxa.

Aprecia a composição do STF?

Ministro por ministro, são todos muito bons. Agora, minha sugestão é de que os operadores do direito ou seja, o Conselho Federal da Ordem, o Ministério Público e os três tribunais superiores, indicassem 18 nomes, e que cada presidente escolhesse os ministros que estivessem mais no seu perfil, e não um amigo seu.

Como se define politicamente?

Não acredito em ideologias, acredito em eficiência de um governo. Quando um cidadão assume o poder, se identifica com ele, se considera vocacionado. Detesto demagogia e populismo.

6% do orçamento está comprometido com os gastos dos programas sociais do governo Lula e influem diretamente na reeleição de Dilma –Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Mais Médicos etc.

Tenho a impressão de que estamos destruindo as instituições brasileiras. Acho que estamos vivendo um momento de carência absoluta de estadistas. Dilma indiscutivelmente demonstrou incapacidade e prepotência.

Precisamos de um Estado mais enxuto. Obama tem 200 cargos comissionados,  Dilma tem mais de 20 mil. O Brasil perdeu uma grande oportunidade de crescer no momento em que o mundo estava em crise.

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